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07/10/2019

5 motivos para descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal

Entenda a importância e o impacto da descriminalização para a sociedade

STF - Supremo Tribunal Federal (Valter Campanato/Agência Brasil) STF - Supremo Tribunal Federal (Valter Campanato/Agência Brasil)

Atualizado em 24 de maio de 2023

Está na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (24) a discussão se o porte de drogas para consumo próprio é crime. Trata-se da análise de um recurso extraordinário, paralisado há quase oito anos na Corte. 

A discussão sobre a descriminalização no STF começou em 2015, mas foi interrompida por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em 2017. Na ocasião, três dos onze ministros já haviam declarado seus votos: o relator Gilmar Mendes, que votou a favor da descriminalização de todas as drogas; e os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, ambos a favor da descriminalização da maconha.

O debate deveria ser retomado no dia 5 de junho de 2019, mas após encontros com o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, o líder do STF, ministro Dias Toffoli, decidiu tirar a discussão da pauta, que será retomada no dia 6 de novembro.

Caso decida sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, o Brasil será um dos últimos países da América Latina a deixar de tratar o usuário como criminoso. Na região, Brasil, Suriname e as Guianas são os únicos que consideram crime o porte de drogas para uso pessoal.

Entenda a importância e o impacto da descriminalização das drogas para a sociedade:

1. Descriminalizar não é sinônimo de legalizar, ou liberar

“‘Liberação’ é um termo utilizado pelos proibicionistas para dizer que queremos fazer um ‘liberou geral’”, explica o psiquiatra da Unicamp Luís Fernando Tófoli, membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas de São Paulo. O que o STF vai decidir, no entanto, é sobre a descriminalização do porte de drogas.

A ideia é deixar de tratar usuários como criminosos — mesmo que, em alguns casos, ele seja alvo de punições, como o pagamento de multas, por exemplo. Ao sair da esfera penal, o usuário problemático pode ter acesso facilitado ao sistema de saúde, no lugar de ir para a cadeia. Já a legalização é o que acontece com substâncias como o álcool e o tabaco, que têm o comércio e a produção regulados pelo poder público.

 2. O Brasil é um dos poucos países da América Latina que ainda criminaliza o porte de drogas

Na América Latina, somente o Brasil, o Suriname e as Guianas criminalizam o porte de drogas para uso pessoal. Em lugares como o Paraguai e a Colômbia, pessoas podem portar substâncias ilícitas desde 1988 e 1994, respectivamente. O Uruguai se tornou referência, em 2013, ao regulamentar todo o ciclo de consumo da maconha, deixando-o sob controle do Estado. Desde 1974, o porte de outras drogas já era descriminalizado no país.

Em 2018, Alicia Barcena, chefe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da ONU, reforçou a importância de se pensar em novas alternativas para a política de drogas na região. “A América Latina precisa pensar seriamente em legalizar as drogas para diminuir o custo humano da proibição. Dezenas de milhares de pessoas de toda a América Latina morreram em decorrência da violência gerada pelo esforço para controlar o lucrativo comércio de narcóticos, particularmente no México, onde os assassinatos cometidos por cartéis rivais atingiram um recorde no ano passado”, disse.

 3. Não existe uma epidemia de drogas no Brasil

Um dos argumentos mais usados pelos setores proibicionistas da política — cujo maior expoente é o ministro da Cidadania Osmar Terra — é o de que vivemos uma epidemia de drogas, o que justificaria a tomada de medidas extremas, como a internação forçada de usuários problemáticos e reforço nos encarceramentos. A questão é que o dado não tem embasamento. Segundo uma pesquisa da Fiocruz, o número nacional de usuários de crack é de 208 mil, bem abaixo dos 370 mil apontados em um levantamento anterior da fundação. O levantamento também mostra que, nos 30 dias anteriores, apenas 1,5% e 0,3% das pessoas declaram ter usado maconha e cocaína, respectivamente.

O governo, no entanto, nunca divulgou os dados do 3º Levantamento Nacional Domiciliar sobre o Uso de Drogas, concluído em 2016 e feito a pedido do próprio Ministério da Justiça. O documento da Fiocruz, que contraria as posições dos governos Temer e Bolsonaro, foi revelado em abril de 2019 pelo site The Intercept. Oficialmente, o governo alega falha na metodologia no estudo que custou cerca de R$ 7 milhões aos cofres públicos. 

Linha do tempo sobre o histórica das discussões sobre drogas no mundo. Aguarde para o GIF ser executado.

 4. A justiça prende usuários como traficantes

Pessoas detidas com drogas podem ser enquadradas como traficantes ou usuários. Na falta de um critério objetivo de definição, quem faz o enquadramento, no geral, é o delegado, o qual, muitas vezes, acata o depoimento dos policiais como prova irrefutável. Um levantamento da Agência Pública mostrou que, nos processos referentes a apreensões de até 10 gramas de maconha, cocaína e crack, em 83,7% dos casos as únicas testemunhas ouvidas foram os próprios policiais. Nessas circunstâncias, houve 59% de condenações, contra 44% de quando houve testemunhas civis.

Uma pesquisa do governo de São Paulo mostrou que, só no estado, o número de presos mais do que quadruplicou nos últimos 25 anos, atingindo 235.775 pessoas — sendo que o Brasil é o terceiro país que mais encarcera presos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China. Dados do Ministério da Justiça e Secretaria da Administração Penitenciária, de 2018, revelaram que um terço das prisões masculinas e dois terços das femininas ocorreram por tráfico de drogas.

Segundo pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP, como Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias, autores do livro “A Guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, é justamente o encarceramento em massa que contribui para o fortalecimento do crime organizado.

 5.Vidas negras importam

Um levantamento feito pela Agência Pública, que analisou 4 mil sentenças de tráfico em São Paulo, mostrou que pessoas negras são mais condenados por tráfico do que os brancos, mesmo quando portam menores quantidades de drogas. A pesquisa “Prisão Provisória e Lei de Drogas”, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, também reforçou que o perfil dos presos por tráfico é de homens, jovens entre 18 e 29 anos, pardos e negros, com escolaridade até o primeiro grau completo e sem antecedentes criminais.

Na conclusão do estudo, os pesquisadores afirmam: “A principal consequência dessa política de combate acaba sendo a geração de uma grande massa de jovens com passagem pela polícia, registros criminais e com os estigmas produzidos pela prisão”. Para o historiador Eduardo Ribeiro, coordenador da Iniciativa Negra por Uma Nova Política, a criminalização não só não impede o uso, como contribui para o genocídio da população negra.

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