Em 2019, o Brasil foi notícia em todo o mundo por conta da devastação ambiental provocada pelas queimadas e seu impacto incalculável no esforço global contra as mudanças climáticas. Nesse mesmo ano, o Ministério do Meio Ambiente liderado por Ricardo Salles alterou a composição do comitê gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo Clima, que existe desde 2009 e é o principal órgão do país no enfrentamento ao aquecimento global.

A medida limitou a participação da comunidade científica e da sociedade civil no órgão e provocou a paralisação de suas atividades. O governo federal também travou o financiamento de projetos e não executou a maior parte de seu orçamento, que deriva de royalties de petróleo e empréstimos a juros especiais outorgados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento). 

A manobra foi contestada por partidos de oposição no STF (Supremo Tribunal Federal) através de uma Ação Direta por Omissão (de número 60), mas o relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso, determinou que fosse recebida como ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, de número 708). 

Barroso também afirmou a importância de averiguar um “estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental e climática”, o que abriu caminho para um debate inédito na Corte sobre a responsabilidade do Estado de garantir a segurança climática para as presentes e futuras gerações. 

Em uma audiência pública realizada em setembro de 2020, a coordenadora do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas, Julia Neiva, expôs a importância de uma interpretação mais ampla do artigo 225 da Constituição federal, que abarque o direito a um meio ambiente climaticamente estável. 

Ela também ressaltou que a segurança climática é um dever do Estado e está profundamente relacionada aos direitos humanos, já que incide não apenas nos direitos à saúde, alimentação, água, cultura, desenvolvimento e habitação adequada, mas ameaça a própria sobrevivência das pessoas e seu direito à vida e à integridade física. 

A partir de exemplos, Neiva apontou que essa interdependência entre clima e garantias fundamentais vem sendo reconhecida por tribunais de todo o mundo e destacou que as violações relacionadas à emergência climática atingem de maneira mais profunda as mulheres pobres e não-brancas, que já vivem em circunstâncias de opressão e marginalização por conta de seu gênero, raça, classe e territorialidade.  

Por fim, Neiva também recordou que o Acordo de Paris, que é juridicamente vinculante, determina que os estados devem respeitar, promover e considerar suas obrigações de direitos humanos (incluindo o direito ao desenvolvimento) ao adotarem medidas de enfrentamento à emergência climática. 

Além de ter participado da audiência pública, a Conectas apresentou um pedido de ingresso no caso como amicus curiae com o apoio da Global Justice Clinic da NYU School of Law. No documento, a entidade afirma que a paralisação do Fundo do Clima e a redução do orçamento para o controle do desmatamento e o fomento à produção sustentável é ilegal, atenta contra o pacto federativo e viola o direito constitucional a um ambiente ecologicamente equilibrado. 

Por 10 votos a um, o STF (Supremo Tribunal Federal) obrigou, no dia primeiro de junho de 2022, o governo federal a manter os recursos para o funcionamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo do Clima, que existe desde 2009 e é o principal órgão do país no enfrentamento à crise climática. O julgamento ocorreu no plenário virtual da Corte. 


Ficha técnica

  • Ação: ADPF-708
  • Instância: STF (Supremo Tribunal Federal)
  • Status: Julgamento no Plenário virtual 
  • Tramitação:
    • 28/6/20: Luís Roberto Barroso recebe a ação como ADPF
    • 21 e 22/9/20: Audiência pública com participação da Conectas
    • 01/07/22: Plenário virtual do STF determina a manutenção de recursos no Fundo do Clima