Em 2019, um decreto do presidente Jair Bolsonaro determinou a exoneração dos 11 peritos que atuavam no MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), transformando suas atividades em trabalho não remunerado. Com isso, a medida federal atingiu em cheio a independência funcional do principal órgão anti-tortura do país. 

O MNPCT é responsável por monitorar, além de prisões, locais de acolhimento de crianças e idosos, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e unidades de cumprimento de medidas socioeducativas. Sua criação se deu por meio da Lei 12.847/2013, seguindo as diretrizes internacionais, as quais foram frontalmente violadas pelas disposições trazidas pelo decreto em questão. 

No STF (Supremo Tribunal Federal), a ADPF 607, de autoria da então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, questiona este ato presidencial. Apresentada em 2019 ao Supremo, a ação começou a ser julgada em março de 2022. Uma decisão da justiça federal proferida em agosto de 2019 permitiu que o  MNPCT continuasse em funcionamento. 

Diversas entidades que atuam no enfrentamento à tortura no Brasil devem participar do julgamento como amici curiae. São elas Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Associação para a Prevenção da Tortura (APT), Conectas Direitos Humanos, Justiça Global, Educafro Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Pastoral Carcerária Nacional – CNBB, Instituto Brasileiro De Ciências Criminais (IBCCRIM), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (GAETS).

Em memorial enviado ao STF, estas entidades afirmam que “a prestação de serviço não remunerada é totalmente incompatível com a função exercida pelos peritos do MNPCT, uma vez que trata de atividade complexa que demanda dedicação exclusiva para garantir que as missões e inspeções nos estabelecimentos de privação de liberdade ocorram atendendo a volumosa demanda. A retirada dos vencimentos ressoa como uma manobra para exaurir o Mecanismo Nacional e enfraquecer o combate à tortura, contrariamente à proibição expressa na Carta Cidadã (art. 5º, III, CF), razão pela qual o mérito da ação deve ser analisado e o dispositivo impugnado declarado inconstitucional.”

Como tratam de violações cometidas por agentes públicos em espaços de custódia, os mecanismos de prevenção e combate à tortura precisam de autonomia para fazer denúncias e notificar autoridades. Entre as atribuições dos peritos está realizar inspeções, requisitar informações e exames periciais para prevenir, documentar e promover a responsabilização de tortura e maus tratos. Cabe, portanto, ao STF decidir sobre a legalidade do decreto no julgamento da ADPF 607.

As organizações da sociedade civil também demonstram aos ministros os riscos do esvaziamento do principal órgão de combate a tortura, em relação a piora nas condições de vida nos espaços de privação de liberdade e ao não cumprimento de compromissos assumidos pelo Brasil com acordos internacionais.

Em  fevereiro de 2022, o Brasil recebeu uma visita oficial de representantes do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) das Nações Unidas, também motivada pelo decreto de Bolsonaro. Após a visita, Suzanne Jabbour, que chefiou a delegação do SP manifestou-se pedindo “ao Brasil que abandone sua decisão de desmantelar seu mecanismo nacional de prevenção à tortura”, disse Suzanne Jabbour, que chefiou a delegação do SPT, à época da visita do grupo em fevereiro.

Antes, em junho de 2019, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), também já havia manifestado seu  repúdio e preocupação com o decreto presidencial.

Ficha técnica

  • Ação: ADPF 607
  • Instância: Supremo Tribunal Federal
  • Status: Em julgamento
  • Tramitação:
    • 18/03/2022 a 25/03/2022 – Ação entra em julgamento virtual 
    •  15/03/2022 –  Conectas envia sustentação oral para o julgamento 
    • 01/08/2019 – Ministro Luiz Fux recebe relatoria da ação