Dossiê SUR Justica transicional

Vozes do Camboja

Tara Urs

Formas locais de responsabilização por atrocidades sistemáticas

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RESUMO

Este artigo procura defender três proposições. Primeiramente, é improvável que as Câmaras Extraordinárias nos tribunais do Camboja (conhecidas informalmente como Julgamentos do Khmer Vermelho) alcancem os principais objetivos apresentados por seus proponentes. Em segundo lugar, esse tribunal corre o risco de causar danos. Em terceiro lugar, outros processos culturalmente específicos têm uma chance maior de causar um impacto de longo prazo e satisfazer as vítimas.

Palavras-Chave

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Introdução1

As datas de 17 de abril de 1975 e 7 de janeiro de 1979 marcam o início e o fim oficial do regime cambojano que se autodenominou “Kampuchea Democrático”, mas é mais conhecido como Khmer Vermelho. Os cambojanos o chamam de “o regime de três anos, oito meses e vinte dias”, como se cada instante daquele período estivesse permanentemente marcado a ferro em suas memórias. Sob o controle do Kampuchea Democrático, estima-se que quase dois milhões de pessoas morreram em conseqüência de matanças, fome, excesso de trabalho e doenças.2

Em 2005, foi criada uma nova corte criminal conhecida como Câmaras Extraordinárias nos Tribunais do Camboja (doravante “Câmaras Extraordinárias” ou “a Corte”) para julgar os principais líderes do Kampuchea Democrático e os maiores responsáveis pelas atrocidades cometidas. A Corte foi criada em conjunto pela ONU e pelo governo cambojano, e utiliza uma complicada estrutura de tomada de decisões para assegurar a participação nas condenações tanto de juízes da ONU como de cambojanos.

O trabalho da Promotoria começou em junho de 2006. Um ano depois, os promotores apresentaram os nomes de cinco acusados aos juízes investigadores, conforme os procedimentos de direito civil seguidos pelos julgamentos. Somente um nome, o de Kaing Guek Eav, havia sido revelado publicamente até o momento em que este artigo foi escrito; tratava-se também do único suspeito sob custódia na ocasião.

Esse novo tribunal híbrido marca uma evolução no modo como a justiça internacional é praticada, pois permite muito mais controle local do que antes. Com efeito, o papel a ser desempenhado pelos juízes e instituições cambojanas foi um dos pontos de maior disputa durante as longas negociações que duraram dez anos até o estabelecimento do tribunal. Mas apesar dos longos atrasos até chegar a esse ponto, as ações recentes dos promotores sugerem que a Corte está finalmente avançando.

Este artigo é o resultado de dois anos de análise da Corte realizada no Camboja, de maio de 2005 a abril de 2007. A pesquisa realizada por minha equipe e que será discutida nestas páginas sugere que muitas das afirmações feitas sobre o que a Corte pode fazer não têm fundamento na realidade do que se conhece sobre justiça internacional em geral e sobre o Camboja, em particular. Os especialistas falam sobre usar a Corte para promover a reconciliação e o Estado de Direito e propiciar justiça às vítimas. Contudo, muita pouca atenção tem sido dada à plausibilidade dessas reivindicações ou aos mecanismos pelos quais tais objetivos serão alcançados.

A necessidade de metas e justificações plausíveis para esse tribunal é particularmente urgente, tendo em vista as pesquisas sobre os tribunais ad hoc feitas por Eric Stover, Harvey Weinstein e outros, que documentaram o fracasso desse tipo de corte em ter o efeito transformador previsto sobre as populações locais.3

Este artigo procura defender três proposições. Primeiramente, é improvável que as Câmaras Extraordinárias alcancem os três principais objetivos apresentados por seus proponentes: promover o Estado de Direito no Camboja, proporcionar justiça para as vítimas e fomentar a reconciliação. Em segundo lugar, esse tribunal corre o risco de causar danos; motivo especial de preocupação é a possibilidade de que ele venha a consolidar a noção falha de que somente os líderes são responsáveis pelas atrocidades e isolar os crimes do Kampuchea Democrático de seu contexto histórico, limitando nossa compreensão das causas subjacentes. Em terceiro lugar, depois que as expectativas irrealistas de um processo legal são afastadas, torna-se claro que outros processos culturalmente específicos, enraizados nos desejos do povo cambojano, têm uma chance maior de causar um impacto de longo prazo e satisfazer as vítimas, sem o risco desses danos significativos.

Ao longo desta análise, vou me basear em minhas experiências e pesquisas no Camboja, bem como em pesquisas de ciências sociais realizadas por outros estudiosos. De junho a dezembro de 2005, trabalhei com uma equipe cambojana num projeto de pesquisa que buscava identificar maneiras de envolver os cambojanos com o trabalho das Câmaras Extraordinárias.4 Essa pesquisa compreendeu entrevistas minuciosas com 117 pessoas nas áreas rurais do país.5 Em 2006, os resultados desse estudo foram postos em prática por uma ONG cambojana, o Instituto Khmer de Democracia, que treinou mais de cem representantes locais para empreender atividades cuidadosamente planejadas de alcance comunitário sobre as Câmaras Extraordinárias em sete províncias de todo o país. A equipe também preparou e mostrou um filme documentário para jovens cambojanos, estimulando-os a acreditar nas histórias que ouvem sobre o passado e se interessar por aquele período. O monitoramento dessas atividades, combinado com a pesquisa anterior, proporciona uma das visões mais abrangentes das opiniões cambojanas sobre a Corte até agora obtidas.

02

Aspirações irrealistas para as Câmaras Extraordinárias

As Câmaras Extraordinárias são um dos poucos tribunais híbridos, onde autoridades legais locais e juristas estrangeiros sentam-se juntos. Essas cortes foram saudadas pelos estudiosos por seu potencial para evitar as armadilhas associadas aos tribunais ad hoc.6 Sugeriu-se que esses novos tribunais híbridos estarariam mais conectados à sociedade local e, portanto, teriam mais chance de deixar um “legado” positivo.

Nesta seção, vou tratar dos três candidatos mais comumente apresentados como legados das Câmaras Extraordinárias: promoção do Estado de Direito, justiça para as vítimas do Kampuchea Democrático e fomento da reconciliação.7 Proponho que a realidade do Camboja é muito mais complicada do que a retórica em torno da Corte sugere. Uma atenção maior aos mecanismos exatos pelos quais se espera que as Câmaras Extraordinárias influenciem a sociedade mostra que a ligação entre elas e seus objetivos é, na melhor das hipóteses, tênue.

Esta seção apresentará informações e argumentos que sugerem que a dinâmica do poder no governo cambojano, caracterizada por um controle extremo do Executivo, e as diferenças culturais na resolução de disputas irão provavelmente interferir na capacidade da Corte de influenciar o Estado de Direito. Ademais, nossa pesquisa mostra que as noções predominantes de justiça no Camboja divergem significativamente do que se pode esperar que a Corte realize. Por fim, há poucos indícios de que os cambojanos tenham dificuldade para coexistir uns com os outros devido a tensões decorrentes do período do Kampuchea Democrático, mas mesmo que exista uma necessidade real de reconciliação, não está claro como a Corte será capaz de influenciar a dinâmica nas aldeias.

A promoção do Estado de Direito

O embaixador japonês no Camboja, Takahashi Fumiaki, foi citado dizendo que “as Câmaras Extraordinárias podem desempenhar um papel importante como catalisadoras para fortalecer o sistema judiciário em geral do Camboja, proporcionando um bom modelo de procedimentos legais baseados no devido processo, administração judicial eficiente e sistemas de apoio”.8

Do mesmo modo, James Goldston, da Iniciativa de Justiça de Sociedade Aberta, sugeriu que as Câmaras Extraordinárias podem ser usadas para “apoiar esforços de reforma legal mais amplos no Camboja”.9 Se há uma coisa clara, diz Goldston, é que “o desempenho [das Câmaras Extraordinárias] terá um grande impacto sobre o Camboja e o futuro da justiça internacional”.10

Esta seção espera contextualizar o impacto que se espera das Câmaras Extraordinárias com relação aos esforços em andamento de reforma do Estado de Direito no Camboja.

O Banco Mundial Phnom Penh escreveu que “é fácil criticar o sistema judiciário cambojano, mas é difícil reformá-lo”.11 Os esforços de reforma pós-coloniais têm mais de uma década: começaram em 1993, com a primeira missão de manutenção da paz da ONU, a Autoridade Transicional das Nações Unidas para o Camboja (sigla original em inglês UNTAC).12

Hoje, os doadores continuam gastando dezenas de milhões de dólares por ano nos esforços de promoção do Estado de Direito no Camboja e, no entanto, não conseguem romper a estrutura de poder que impede julgamentos justos.13 O fracasso das tentativas passadas compõe um importante pano de fundo para qualquer discussão sobre o que podem conseguir as Câmaras Extraordinárias.

Obstáculos a uma reforma para promover o Estado de Direito

Há muitos fatores interagindo para criar a situação atual no judiciário cambojano. Entre os obstáculos à reforma citados com freqüência estão: capacidade, a força do Poder Executivo em relação ao judiciário e diferenças culturais em relação à resolução de disputas.

Capacidade

É controvertido que os juízes cambojanos não tenham capacidade para desempenhar suas funções com eficácia. Os defensores da adesão ao Estado de Direito costumam apontar para problemas relacionados com recursos e capacidade dos julgadores no sistema judicial do país.14

De acordo com o governo cambojano, “dos cerca de 120 juízes que estão em atividade no Camboja, apenas um punhado deles tem qualquer qualificação legal adequada”.15 Com efeito, na carta original enviada à ONU pedindo ajuda para montar um tribunal do Khmer Vermelho, os então co-primeiros-ministros Hun Sen e Norodom Ranariddh escreveram que “o Camboja não tem os recursos ou a expertise para levar a cabo esse procedimento tão importante”.16 Mais recentemente, o presidente da Ordem dos Advogados do Camboja expressou preocupações quanto à capacidade dos advogados cambojanos de apresentar defesa adequada perante as Câmaras Extraordinárias, considerando uma “necessidade” que os advogados de defesa do país sejam auxiliados por pelo menos um advogado estrangeiro.17

Embora poucos duvidem de que a capacidade dos juízes cambojanos é um problema sério, as seções seguintes tentarão mostrar que este não é de forma alguma o maior obstáculo para uma reforma promotora do Estado de Direito.

O Poder Executivo

No Camboja, os juízes agem quase abertamente como subordinados do Poder Executivo.18 Durante a UNTAC, funcionários da ONU observaram que “embora os tribunais sejam tecnicamente independentes dos braços executivos do governo, eles permanecem totalmente sujeitos à sua direção”.19 Durante aquele período, o ministro da Justiça explicou aos funcionários da UNTAC que os juízes que não seguiam suas instruções e, assim, “desobedeciam a lei”, deviam ser punidos.20

As autoridades do Poder Executivo não falam tão claramente hoje em dia, mas pouco mudou. Em seu relatório de 2005 para a Comissão de Direitos Humanos, Peter Leuprecht, representante especial da ONU junto à Secretaria Geral sobre Direitos Humanos no Camboja, disse que estava “cada vez mais óbvio” que “a impunidade não era somente conseqüência da baixa capacidade das instituições policiais e de um judiciário fraco; o judiciário continuava a sofrer a interferência do Executivo e estava aberto à corrupção”.21 Ele concluiu que “os esforços para reformar o judiciário da última década foram incapazes de obter alguma melhora significativa na administração da justiça”.22

Por que tem sido tão difícil arrancar o judiciário das mãos do Executivo? Uma resposta talvez seja a maneira como o poder é compreendido e praticado no Camboja.23 Ao contrário das burocracias legais ocidentais que, idealmente, funcionam conforme regras gerais, o sistema clientelista cambojano baseia-se em laços pessoais de lealdade entre os superiores e aqueles que lhes são fiéis.24 Embora as regras no papel possam parecer semelhantes àquelas de outras nações, a realidade é que o governo funciona mediante “relações patrão-cliente” – relações de auxílio mútuo entre os que estão no poder e seus quadros de dependentes, que operam em forma de pirâmide. Hinton observa que “vários funcionários de alto escalão podem ter cadeias de poder e unidades militares que lhes são fiéis (bem como cadeias de funcionários públicos)”.25

Patrões de status mais alto protegem e fornecem recursos para seus clientes que, por sua vez, pagam a dívida mediante apoio, respeito e obediência. Os cambojanos referem-se a essa relação clientelista usando termos familiares: as crianças (clientes) devem obedecer aos pais (patrões).26 A deferência aos seus superiores é inquestionável, pois os patrões são vistos como indivíduos poderosos que devem ser temidos.27

Os juízes cambojanos ganharam suas posições graças a outras autoridades mais poderosas e, portanto, quase certamente se consideram subordinados (ou clientes) das autoridades do Poder Executivo.28 Com freqüência, essas relações datam da criação do poder judiciário, na década de 1980.29 Naquela época, o governo cambojano estava isolado politicamente do Ocidente, da China e da ONU, e os estudantes cambojanos só conseguiam obter formação jurídica nas escolas soviéticas. Os candidatos eram escolhidos para estudar no exterior como recompensa pela lealdade ao partido no poder em Phnom Penh.30 Em conseqüência, devemos esperar que alguns dos advogados mais antigos e mais bem formados do país sejam também os mais próximos e fiéis ao partido dominante. Quando visto dessa perspectiva, não surpreende o fato de o judiciário não agir com independência.

O que surpreende muitas pessoas, no entanto, é que a visão clientelista do governo seja aceita pelo povo. Em uma pesquisa nacional, a Fundação Ásia descobriu que a maioria dos cambojanos prefere um governo local feudal ou paternalista tanto às formas democráticas como às autoritárias. 56% dos cambojanos disseram que o governo local “é como um pai e o povo, como um filho”.31 As pessoas esperam que o governo funcione como um plano de assistência mútua, como filhos que obedecem aos pais e pais que cuidam dos seus filhos.

Em suma, a noção de separação dos poderes é absolutamente estranha ao pensamento cambojano sobre governo, que é baseado em laços pessoais de poder entre as autoridades governamentais. Desse modo, o controle do Executivo sobre o judiciário será um obstáculo enorme para qualquer tentativa de reformar os tribunais do país.

Diferenças culturais na resolução de disputas

Além do modo como o poder está estruturado, há outros compromissos culturais que complicarão qualquer esforço no sentido de promover o Estado de Direito.
A professora Rosa Eherenreich-Brooks escreve: “[…] o Estado de Direito não é algo que exista ‘fora da cultura’ e que possa ser de algum modo acrescentado a uma cultura existente pelo simples expediente de criar estruturas formais e reescrever constituições e estatutos”.32 Essa crítica pode ser claramente aplicada ao Camboja. As mudanças na letra da lei e a elaboração de uma constituição não conduziram a uma imposição imparcial da lei nem criaram um estilo ocidental de cultura legal. Um dos motivos talvez seja que muitas leis e procedimentos não emergiram da sociedade cambojana, mas foram importados como parte de um esforço de desenvolvimento maior. Esta seção sustentará que as diferenças culturais, em princípios e procedimentos de resolução de disputas, não podem ser ignoradas quando se analisam projetos como o das Câmaras Extraordinárias.

Tomemos, por exemplo, o princípio da igualdade. As noções de igualdade dos indivíduos e de igualdade perante a lei são absolutamente fundamentais para a idéia ocidental de justiça. Contudo, no Camboja, este mesmo princípio tem um significado muito diferente. Os indivíduos não são considerados iguais uns aos outros, mas a importância relativa deles é constantemente medida.33 Dizem antropólogos cambojanos: “As relações sociais no Camboja, tal como aquelas de todo o Sudeste Asiático, são hierárquicas. Ninguém é considerado igual a outra pessoa”. Com efeito, Ledgerwood e Vijghen escrevem que “a noção idealizada de equivalência moral talvez nunca tenha estado presente na sociedade khmer”.34

Mais ainda, o princípio da igualdade, para alguns cambojanos, se confunde com as políticas do Kampuchea Democrático, quando as pessoas eram despojadas de suas posses e obrigadas a trabalhar “igualmente” nos campos.35 Na cabeça de alguns cambojanos, “igualdade” é um palavrão.

Do mesmo modo, o princípio de justiça assume outros significados no Camboja. Ldgerwood e Vijghen escrevem sobre uma senhora idosa de uma aldeia que não recebeu ajuda para o desenvolvimento, embora fosse pobre, porque o chefe da aldeia favoreceu seus parentes e amigos na distribuição e ela não fazia parte do grupo de patronagem dele. Eles escrevem: “[…] ao contrário dos conceitos ocidentais, essa condição não é considerada iníqua ou injusta pelos habitantes da aldeia […] todos esperam que uma pessoa favoreça seus parentes e amigos, senão diriam que ela negligencia os interesses de seus parentes. […] nesse sentido, é ‘justo’ favorecer sua clientela”.

Ademais, uma análise cultural das práticas cambojanas de resolução de disputas revela diferenças importantes entre as teorias sobre esse tema que se desenvolveram no Ocidente e aquelas que medraram no Sudeste Asiático.36 Um sistema judicial ocidental para gerir as disputas foi introduzido no Camboja pelos franceses durante o período colonial,37 mas nunca substituiu efetivamente o método nativo de resolver problemas conhecido como somroh-somruel, um processo de “negociação ou mediação auxiliado por uma terceira parte”.38

O objetivo da mediação somroh-somruel numa aldeia é obter uma solução da disputa que resulte num fortalecimento positivo da relação entre as partes em disputa. Um conflito específico não é visto como um evento isolado ou como a luta de interesses intrinsecamente incompatíveis. Ao contrário, a atitude tradicional dos cambojanos em relação ao somroh-somruel considera o conflito como uma ocorrência que pontua naturalmente todas as relações de longo prazo.39

O somroh-somruel parece refletir as preferências culturais peculiares dos cambojanos quando se trata de resolução de conflitos. Por exemplo, enquanto as tradições ocidentais valorizam um árbitro imparcial, os cambojanos procuram com freqüência mediadores que estejam familiarizados com a comunidade e os contendores. O PNUD concluiu que “os indivíduos preferem instituições e autoridades quando há uma possibilidade de que elas negociem e participem na resolução da disputa. Decorre disso uma preferência por autoridades locais”.

Há também elementos religiosos embutidos na resolução de conflitos; 95% dos cambojanos são budistas da escola theravada.40 O estudioso do budismo Ian Harris observa que “o ideal do patrício culto no Oriente [foi historicamente] o do cavalheiro que faz a paz, não um advogado habilidoso que ganha causas para outros no tribunal”.41 “Há indícios de que os budistas theravada do Sudeste Asiático são menos assertivos em suas demandas por ‘direitos’ graças a uma visão de mundo religiosa que liga tais demandas a tentativas ilusórias de engrandecer o eu.”42 Marija de Wijn escreve que “os aldeões mostravam freqüentemente uma preferência por tipos restaurativos de justiça em que as pessoas ‘ficam amigas de novo’”.43

A resolução tradicional de conflitos no Camboja funciona segundo princípios essencialmente diversos do sistema jurídico ocidental. Contudo, os tribunais comuns e as Câmaras Extraordinárias do país baseiam-se fundamentalmente na abordagem ocidental.44

Tentar obter adesão às sensibilidades legais ocidentais exigiria nada menos do que uma mudança de paradigma: isso é pedir demais para a maioria dos cambojanos que teve pouca ou nenhuma exposição às idéias jurídicas ocidentais.45 Como Ehrenriech-Brooks sugeriu, as condições para uma tal mudança (e, na verdade, sua desejabilidade) não são bem compreendidas.

Tomados em seu conjunto, esses fatores – baixa capacidade dos profissionais do direito, sistemas de poder que fluem através de laços pessoais de lealdade e diferenças culturais nos princípios legais – apontam para um conjunto complicado de obstáculos para a promoção do Estado de Direito no Camboja. A próxima seção discutirá se as Câmaras Extraordinárias serão capazes de dar uma contribuição significativa para alcançar essa meta, ainda que a adesão crescente aos princípios legais ocidentais seja um objetivo apropriado.

03

Qual pode ser a contribuição das Câmaras Extraordinárias para o panorama do Estado de Direito no Camboja?

Esta seção analisará a afirmação de que as Câmaras Extraordinárias podem promover o Estado de Direito à luz dos obstáculos discutidos acima e de uma crescente literatura que sugere que as reformas judiciárias, em particular as iniciativas técnicas, como a aprovação de novas leis e o treinamento de juízes locais, não irão provavelmente gerar melhorias.

Podemos postular duas teorias gerais sobre como as Câmaras Extraordinárias podem influenciar as iniciativas de reforma jurídica local: (1) uma vez que o judiciário carece de educação e treinamento, a Corte pode treinar membros do judiciário e da comunidade legal de um modo que os ajudará a cuidar melhor de suas funções após o fim da Corte, e (2) o povo cambojano comum carece de informações sobre processos legais; a Corte será um modelo de funcionamento de tribunal para eles, de tal modo que poderão compreender melhor os tribunais e exigir tratamento similar quando tiverem de resolver disputas no futuro. Examinarei as duas teorias.

Treinamento

Um tema comum na literatura que defende os tribunais híbridos é que nas sociedades pós-conflito, os juízes e profissionais do direito carecem de treinamento e, portanto, oferecer treinamento adicional e experiência prática melhorará a adesão ao Estado de Direito.46

Thomas Carothers, importante estudioso do desenvolvimento do Estado de Direito na Carnegie Endowment, observa que “advogados experientes consistentemente apontaram […] para o fato de que o treinamento jurídico, embora se compreenda que atraia as agências de ajuda, costuma estar cheio de deficiências e raramente auxilia muito”.

Este é, com certeza, o caso do Camboja. Evan Gottesman, consultor legal no Camboja para a Ordem dos Advogados Americanos no começo dos anos 90, escreve o seguinte sobre suas experiências: “O que descobri, não de forma inesperada, foi que os tribunais, a polícia, o legislativo e os ministérios reagiam a pressões políticas e econômicas vigentes muito antes de minha chegada”.47 Diz ele: “Os altos líderes do Camboja estavam claramente familiarizados com os conceitos de direitos humanos e de Estado de Direito. Tendo pensado muito sobre suas opções políticas e legais e já tendo feito o que julgavam ser opções políticas bem informadas, era improvável que alterassem o modo como governavam o país apenas em resposta a consultores ocidentais.”48

Gottesman chegou ao Camboja em 1994, mas apesar dos 5-7 bilhões de dólares gastos em ajuda ao país na última década,49 com centenas de milhões gastos potencialmente na reforma judiciária,50 o mesmo pode ser dito atualmente.51

Num exame mais detalhado, a teoria de que as Câmaras Extraordinárias promoverão o Estado de Direito com treinamento talvez se baseie no pressuposto de que a capacidade é um dos principais obstáculos ao funcionamento adequado do processo legal no país.52 Como já discutimos, os problemas com capacidade constituem apenas uma pequena parte do panorama do Estado de Direito. Enquanto o controle dos tribunais estiver nas mãos do Poder Executivo, o fomento do Estado de Direito mediante treinamento não resultará em melhorias significativas no setor de justiça do Camboja.53 Na verdade, o treinamento pode simplesmente recompensar as pessoas de dentro do partido.

Crescimento da demanda pelo Estado de Direito graças ao funcionamento de uma corte modelar

Os proponentes do uso dos tribunais internacionalizados para realçar o Estado de Direito costumam sugerir que a Corte servirá de modelo de processo legal para a população local e, ao fazê-lo, talvez forneça um objetivo a ser buscado pelas pessoas.54 Há muitos pressupostos embutidos nessa teoria: (1) a Corte funcionará de modo apropriado; (2) os tribunais internacionais são um bom veículo para ensinar sobre um sistema legal; (3) uma vez mostrado o sistema jurídico ocidental, as pessoas vão preferi-lo e exigi-lo nos tribunais normais. Tendo em vista a falta de informações disponíveis sobre como as Câmaras Extraordinárias estão funcionando, vou tratar apenas dos dois últimos elementos.

Há motivos para suspeitar que as Câmaras Extraordinárias sejam um ponto de partida especialmente problemático para introduzir sistemas legais. Não somente as palavras “Câmaras Extraordinárias” são difíceis de entender na língua khmer (ong chummum chumria vikseaman knong tholakaa kampuchea), como a estrutura e os processos de tomada de decisões da Corte são extremamente complicados e diferentes até de estruturas legais existentes.55 Os nomes dos crimes no Acordo das Câmaras Extraordinárias56 incluem palavras que muitos cambojanos jamais ouviram, tais como “crimes contra a humanidade”.

Trata-se de desafios substanciais numa sociedade infestada pela pobreza e por alto grau de analfabetismo. No Camboja, 25% dos homens e 45% das mulheres são totalmente analfabetos, e 71% das mulheres e 50% dos homens são analfabetos funcionais.57

Como mostramos acima, muitos dos pressupostos embutidos num sistema legal serão desconhecidos dos cambojanos. Por exemplo, muitos deles ouvirão pela primeira vez o conceito de direito de defesa no contexto dos direitos daqueles que eles acreditam serem responsáveis pela morte de seus parentes. Esse não é um bom começo se a intenção for convencê-los a refletir de outra maneira sobre processos criminais. Igualdade perante a lei, dúvida razoável, provas suficientes, elementos de crimes – todos esses conceitos legais são absolutamente estranhos aos cambojanos comuns.

Um dos projetos que desenvolvemos com uma ONG local foi ensinar conceitos e procedimentos legais extremamente simplificados por meio de um conjunto dirigido de imagens apresentado por um professor local. Embora as pessoas das aldeias nos agradecessem educadamente por ir até lá, em geral, elas mostravam pouco ou nenhum interesse em aprender o que achavam que eram regras arcanas sobre quem são os juízes ou como um caso progride num tribunal. Para muitos, isso simplesmente não parecia relevante para suas vidas cotidianas de plantadores de arroz que lutavam para ganhar a vida.

Por essas razões, faz sentido questionar se as Câmaras Extraordinárias são o fórum correto para moldar um sistema jurídico ocidental.

As Câmaras Extraordinárias como catalisadoras da mudança social

Em reuniões nas cercanias de Phnom Penh, sugeriu-se que tribunais internacionalizados como as Câmaras Extraordinárias podem deflagrar uma mudança social – depois que virem como eles funcionam adequadamente, as pessoas compreenderão que os tribunais nacionais são disfuncionais e exigirão mudanças.

Contudo, o povo do Camboja já reconhece que o sistema judiciário nacional é profundamente corrupto. Uma sondagem realizada em 2003 pelo Centro de Estudos Avançados mostrou que “os cambojanos têm pouca ou nenhuma fé nos tribunais como instituições de justiça. Do mesmo modo, os respondentes identificaram os juízes e promotores como as autoridades públicas em que menos confiavam”.58 De acordo com Collins, entre os ditados comuns do país estão “vá ao tribunal, fique pobre” e “no tribunal o rico vence, o pobre perde”.59

As pessoas não precisam das Câmaras Extraordinárias para iluminar por contraste as impropriedades das cortes cambojanas. Contudo, apesar desse problema amplamente reconhecido, a falta de tribunais adequados não tem sido tema de campanhas populares de reforma. Uma pesquisa do Banco Mundial sugere que os obstáculos culturais ao ativismo social são extremamente fortes no país. Os preceitos culturais estimulam as pessoas a se retirar ou a se submeterem diante de um conflito que envolva uma pessoa mais rica ou mais poderosa.60

A pesquisa do Banco Mundial concluiu que essas barreiras culturais podem ser superadas naquelas situações em que o sustento futuro está em jogo, mas raramente em outras situações.61 Portanto, embora o país esteja agora começando a ver uma organização popular em torno da questão da tomada ilegal de terras (a terra é o sustento numa nação de agricultura de subsistência), há poucos motivos para prever uma mobilização popular para mudar a esfera judiciária. Isso não deveria surpreender, tendo em vista que os cambojanos já resolvem a maioria das disputas, inclusive criminais, fora da esfera legal.62

Em suma, a comunidade internacional vem tentando promover o Estado de Direito no Camboja desde o começo dos anos 90, com pouco êxito. Os obstáculos para isso estão profundamente enraizados e, portanto, dificilmente serão afetados pelas Câmaras Extraordinárias. Desse modo, há pouca razão para pensar que esse tribunal contribuirá de forma significativa para o tipo de mudança social necessária para criar uma “cultura do Estado de Direito”.

Justiça para as vítimas

Uma das justificativas das Câmaras Extraordinárias citadas com mais freqüência é proporcionar justiça para as vítimas.63 A maioria das vítimas com que falamos em nossa pesquisa concordou.

Eu costumava sofrer, meus pais e meus irmãos foram mortos. Antes, eu me sentia triste e chorava quando falava sobre a época do Khmer Vermelho, mas agora sinto alívio. Não posso falar pelos outros, o que eles sentem, mas eu me sentiria aliviada se o tribunal acontecesse (Kampot, funcionária do governo local, 7ª série, aprox. 50 anos de idade).

Com efeito, o alcance da vitimização no Camboja é estarrecedor. Mais de 20% da população foram mortos durante o período do Kampuchea Democrático e todos os habitantes do país foram afetados de alguma forma – milhões sofreram excesso de trabalho e perda de propriedade pessoal.64 Em toda a minha pesquisa e em minhas viagens jamais encontrei um adulto de mais de trinta anos que não tivesse histórias dolorosas daquele período para contar. É uma situação que clama por justiça.

No entanto, esta seção sugerirá que as Câmaras Extraordinárias não foram projetadas de modo a prover o que muitos cambojanos consideram justiça.65 Nossa pesquisa oferece uma visão interessante do modo como a justiça para os especialistas internacionais difere do que os cambojanos esperam.66

Essa preocupação – de que os cambojanos ficarão desapontados com a capacidade das Câmaras Extraordinárias de fazer “justiça” – é reforçada por pesquisas em outros contextos. Na ex-Iugoslávia, Eric Stover descobriu que as pessoas falavam de “justiça como sendo altamente íntima e idiossincrática e, às vezes, efêmera”. Ele descobriu que para as testemunhas do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, a “justiça plena” era maior do que os julgamentos criminais e os pronunciamentos ex cathedra dos juízes estrangeiros em Haia”.67

Esta seção descreverá como os cambojanos que dizem que querem que a Corte lhes faça justiça estão, na verdade, mal-informados sobre o que ela fará.

04

O desejo de julgamento dos perpetradores das mortes

Ainda que Pol Pot esteja morto, deveríamos levá-lo a julgamento porque é importante fazer um registro histórico, e ter um julgamento contra ele. (Svay Rieng, Atchaa [líder comunitário religioso laico], 3ª série, 68 anos, sexo masculino)

Acho que Pol Pot é a pessoa mais importante para dizer o que aconteceu exatamente naquela época. Mas estou muito triste que ele tenha morrido e não possa oferecer provas neste caso. Em minha opinião, no entanto, quero que a corte o condene pelos crimes que a corte puder e ponha isso nos livros de história. (Kampong Thom, autoridade do governo local, curso secundário, 50 e tantos anos, sexo masculino)

Por mim, quero ter o tribunal para Pol Pot porque ele fez coisas terríveis e também seguiu a política comunista […] Também quero que esse tribunal processe a política que Pol Pot seguiu naquela época […]. Precisamos pôr o nome de Pol Pot na cadeia, ainda que ele tenha morrido. (mulher 2) (agricultora de Kampong Thom, 3ª série, 50 anos)

Minha sugestão é que quero que a corte ponha os nomes dos maiores líderes no registro histórico depois que passar julgamento para que as novas gerações saibam que aquela gente é muito perigosa e que não devem seguir de forma alguma aquelas ações. (Banteay Meanchay, entrevista de grupo, professor de escola primária, 6ª série, 39 anos)

O governo ou as ONGs deveriam mostrar uma foto de Pol Pot em alguns lugares para contar ao público que este é Pol Pot, o maior líder do regime de Pol Pot e que agora morreu. Além disso, Pol Pot é aquele que montou a política para matar muita gente. Então, faríamos isso para fazer justiça às vítimas, ainda que ele tenha morrido, e também para mostrar à nova geração que o punimos pelo que fez. Além disso, para a nova geração que um dia será os novos líderes, eles podem fazer as mesmas coisas que Pol Pot fez porque não condenamos os principais líderes. (Kampot, primeiro vice-chefe da comunidade, 7ª série, 62 anos, sexo masculino)

Uma das questões mais difíceis que surgiam com freqüência em nossas conversas sobre as Câmaras Extraordinárias era a de processar pessoas que já morreram, inclusive líderes famosos como Pol Pot e Ta Mok. Muita gente pressupõe que os líderes mortos serão julgados. Apesar de nossos melhores esforços para explicar, estava além da imaginação dos cambojanos da zona rural o fato de que não seria possível julgar uma pessoa morta por seus crimes.

Isso não deveria surpreender, pois o budismo theravada inclui o ensinamento do karma, que afirma que punições e conseqüências podem ser levadas para vidas posteriores. Além disso, os cambojanos acreditam que os espíritos assumem uma forma corporal e podem ser encontrados vagando pela terra.68 Essas crenças religiosas, junto com as falhas na compreensão do processo legal e com a baixa alfabetização, tornam os debates jurídicos sobre o direito de contraditar testemunhas e sobre julgamentos in absentia extraordinariamente difíceis para os cambojanos comuns entenderem.

As pessoas querem sentir que o espírito de Pol Pot, seu nome ou retrato sofreram conseqüências. Uma mulher com quem conversamos sugeriu desenterrar os corpos dos criminosos mortos, pôr correntes em torno de seus ossos e enterrá-los novamente. Outras pessoas falaram sobre enforcar seus retratos numa prisão, ou construir uma estátua dos líderes com suas mãos algemadas para exibir em lugar público. Para alguns, encarcerar o nome, a fotografia ou os ossos de uma pessoa faria com que o espírito ficasse numa espécie de purgatório, criando o equivalente de uma punição nesta vida.

Evidentemente, esses tipos de atividades seriam impossíveis para a Corte; elas são inconsistentes com a justiça num cenário legal ocidental. Contudo, o fato de não haver conseqüências para os principais criminosos já mortos faz com que muitos cambojanos tenham dificuldade em entender que os julgamentos farão justiça. Sem isso, eles parecem não ter conseqüência nenhuma.

O desejo de saber qual o papel das nações estrangeiras e dos estrangeiros nas atrocidades

Alguns países poderosos têm de estar envolvidos naquele regime, como a China, o Vietnã, os Estados Unidos etc. A Corte para o Khmer Vermelho vai processar esses países poderosos? Me pergunto se a Corte foi protelada e protelada por causa desses outros países, e será protelada até os antigos líderes do Khmer Vermelho morrerem e então o caso for esquecido. (Kampot, funcionário do governo local, 7ª série (sistema antigo), 60 anos)

No período do Khmer Vermelho, eles tinham espiões da CIA dos Estados Unidos. Desse ponto de vista, sabemos que havia alguma coisa relacionada com a América e também relacionada com outros países que costumavam apoiar o Khmer Vermelho. Então, o Khmer Vermelho poderia ter sido criado por causa daquele apoio. Então, para condenar o Khmer Vermelho, temos também de condenar aqueles que o apoiaram. (Banteay Meanchay, moço numa exibição de filme)

Agora tenho 65 anos. Lembro claramente o que aconteceu comigo. Fui preso e eles mandaram me matar porque eu estava com tanta fome que comi uma batata que pertencia a Angka (a “organização”, nome do partido do Kampuchea Democrático). Fui muito torturado. Dói quando falo disso. Acho que esse regime aconteceu só por causa de ideologias estrangeiras. (Phom Penh, homem idoso em exibição de filme)

Tenho uma pergunta. Por que khmer matou khmer? Por que não mataram estrangeiros ou chineses? […] Pol Pot, Ien Sary são todos khmer, então por que matariam khmer? Talvez houvesse alguém por trás deles, por exemplo, estrangeiros (franceses) ou chineses. (Pailin, moça numa exibição de filme)

Os cambojanos comuns perguntam com freqüência se nações estrangeiras serão processadas pela Corte. Não está claro no estatuto se os co-promotores pensarão que possuem um mandato para indiciar estrangeiros que forem considerados os “mais responsáveis” pelos crimes que aconteceram durante o período especificado. Porém, tendo em vista os limites de tempo e orçamento, bem como da jurisdição temporal da Corte, é improvável que não-cambojanos sejam processados.
Descobrimos, no entanto, que muitos cambojanos acham que se alguém deu apoio (político ou financeiro, por exemplo) aos criminosos, isso é o suficiente para responsabilizá-lo pelo que aconteceu e, portanto, qualificá-lo para ser processado nas Câmaras Extraordinárias. Alguns cambojanos instruídos disseram que isso deveria incluir os professores na França que deram as “idéias erradas” aos líderes do Kampuchea Democrático quando eles estudaram em sua juventude naquele país.

Talvez esteja presente nessas teorias um desejo natural de transferir a culpa de seu próprio grupo para outro. A falta de informações no Camboja sobre a história daquele período faz a transferência de culpa parecer mais plausível. Uma versão altamente politizada da história foi ensinada nos anos 80 (em que as facções em luta ensinavam suas versões da história); desde a UNTAC, somente o número limitado de estudantes que chega à 9ª ou 12ª série recebe uma breve instrução sobre o tema – apenas duas frases em seus livros escolares.69

Os adultos que lembram daquele período sabem o que aconteceu a eles em suas aldeias, mas muitos não têm idéia do conflito maior, das alianças mundiais ou das forças políticas em jogo. Portanto, saber vagamente que os chineses desempenharam algum papel, sem saber que papel foi este, leva a uma situação perigosa em que os cambojanos podem absolver seus grupos de responsabilidade.

Uma teoria dos tribunais internacionais é que eles podem propiciar uma apresentação “oficial” da verdade, e podem resolver algumas dessas concepções erradas da história ou da responsabilidade.70 No entanto, Fletcher e Weinstein questionaram essa asserção, tendo em vista a predisposição das pessoas a negar a culpa. Eles concluíram que nos julgamentos, “os indivíduos, em particular os espectadores de um grupo que cometeu crimes, podem não estar dispostos a aceitar a estigmatização que os julgamentos se destinam a causar”.71

Superar a predisposição para negar a culpa é difícil em qualquer circunstância. Mas esse pode ser especialmente o caso no Camboja, onde aqueles que merecem ser culpabilizados, aos olhos de muita gente, não enfrentaram julgamento. Sem levar em conta, de alguma forma, o papel das outras nações, nem que seja para absolvê-las, é difícil ver como as Câmaras Extraordinárias ajudarão os cambojanos a chegar ao ponto de assumir responsabilidades. Mais ainda, é possível que muitos cambojanos venham a sentir que o processo está apenas fazendo deles bodes expiatórios, sem descobrir “aqueles que estão por trás dos líderes”.
Não apresentar nenhum tipo de responsabilização dos estrangeiros é outra maneira pela qual as Câmaras Extraordinárias podem não corresponder às noções de justiça dos cambojanos.

O desejo de ver conseqüências para um maior número de réus

Se houver uma corte do Khmer Vermelho, acho que somente os líderes do escalão mais baixo deveriam enfrentar o julgamento, porque os altos líderes não sabiam o que os líderes na comuna ou na aldeia faziam naquela época. Os altos líderes talvez não tivessem ordenado as pessoas a fazer coisas tão estúpidas naquela época, mas foi só um ato de vingança resultante do ciúme dos líderes de baixo escalão. (Sting Treng, pescador, alguma educação primária, 30 anos)

Penso que é uma boa idéia fazer os líderes de escalão mais baixo ir ao tribunal porque as pessoas cujos parentes morreram por causa desses líderes ficarão felizes de ver essa pessoa no tribunal. (Kampot, diretor da escola primária, antigo baluarte do Khmer Vermelho, 34 anos)

Antes eu tinha medo de que não poderia responder às pessoas se me perguntassem: por que a corte não levará os líderes menores a julgamento? Por que as pessoas nunca viram Pol Pot matar alguém, viram apenas os líderes de escalão mais baixo cometerem crimes. Mas agora compreendo. As pessoas ficam tristes quando se dão conta de que a corte será apenas para os principais líderes, mas depois que lhes dou muitas razões, elas entendem. (Svay Rieng, membro de equipe de ONG na aldeia, que realiza treinamentos sobre as Câmaras Extraordinárias, idade não fornecida, sexo feminino)

Há uma percepção comum de que os cambojanos ficarão insatisfeitos com as Câmaras Extraordinárias porque os criminosos locais não serão levados ao banco dos réus. Encontramos várias pessoas que tinham essa opinião.

Com efeito, trata-se de um problema que os estudiosos da justiça internacional vêm estudando há algum tempo. A amplitude do genocídio e dos crimes contra a humanidade torna muitas vezes impossível levar ao tribunal todos os que estiveram envolvidos na perpetração dos crimes. Aqueles que “puxam o gatilho” são freqüentemente deixados de lado em favor da ação penal contra os arquitetos dos crimes. Contudo, isso pode pôr em perigo a credibilidade de um tribunal porque os indivíduos que foram vistos cometendo atrocidades terríveis ficam sem punição.

No entanto, para ser justo, no Camboja, muita gente se sente satisfeita com a Corte porque a idéia de obedecer ordens de um superior faz muito sentido numa sociedade organizada segundo relações clientelistas hierárquicas.

Por mim, penso que é bom levar somente os altos líderes do Khmer Vermelho ao tribunal porque os outros fizeram o que seus líderes mandaram. Claro que existe a possibilidade de os quadros de escalão mais baixo terem dobrado o que seus líderes disseram. Mas aqueles que criaram uma ideologia tão idiota são os maiores responsáveis pela matança. (Kampot, agricultor, professor primário aposentado, 7ª série, 60 anos)

Acho que a justiça ainda pode acontecer, ainda que a corte mande apenas os principais líderes para a prisão, porque os líderes menores daquela época precisavam obedecer as ordens do topo e se não obedecessem, os líderes maiores os matariam. (Svay Rieng, professora de escola primária, 55 anos)

As noções de hierarquia, tão entranhadas na sociedade cambojana, tornam mais fácil de compreender a idéia de responsabilidade superior. Mas também conduzem a um sentimento de que obedecer ordens é uma desculpa para cometer atrocidades. Essa questão será discutida com mais detalhes adiante.

O desejo de que a punição envolva pena de morte e tortura

Penso que a pena de morte é a punição correta para eles porque meus dois filhos que eu amava morreram naquela época. (mulher 3)

Quero também a pena de morte porque me sinto realmente com raiva quando falo ou me lembram daquela época de novo. Mal consigo não chorar. Acho que se falar mais disso, vou chorar logo. Sabe, muitos de meus parentes morreram como animais, com cães ou gatos, não como seres humanos, porque na [mente dos líderes] eles nunca pensaram que éramos humanos, mas animais. (Stung Treng, (mulher 1), agricultora, educação adulta apenas, 45 anos, (mulher 3) agricultora, 5ª série, 51 anos)

Precisamos que a corte faça as mesmas coisas a todos esses líderes que eles costumavam fazer conosco: por exemplo, bater neles com uma vara exatamente como faziam conosco. (Kampong Thom, agricultor, primeiro grau, 45 anos – comentário apoiado pelo grupo)

Quero que tenha pena de morte porque quero que a corte imponha a todos os malfeitores a mesma dor e sofrimento que eles causaram a minha mãe. Se os tribunais do Khmer Vermelho acontecerem, irei ver a corte porque quero ver com meus próprios olhos se a corte vai dar a eles a mesma punição que Pol Pot deu ao povo. (Kampong Thom, agricultor, 3ª série, 57 anos)

Uma coisa que ouvimos com freqüência é que a ausência da pena de morte e da tortura como forma de punição faz as pessoas acharem que não haverá justiça na Corte. Para muitos cambojanos, uma condenação à prisão parece “perdão”.

Isso não surpreende, tendo em vista o alcance dos crimes do Kampuchea Democrático e o desenvolvimento muito recente de normas internacionais proibindo a pena de morte. Os cambojanos comuns supunham que as Câmaras Extraordinárias a utilizariam para punir os agressores.

Encontramos a mesma atitude na minoria cham (comunidade muçulmana) do Camboja, que sofreu muito sob o regime do Khmer Vermelho. Um jornal de Phnom Penh noticia que um hakem, ou imã, disse: “No Alcorão, se eles nos matam, precisamos matá-los também”. Quando perguntado se os líderes do Khmer Vermelho deveriam ser mortos por seus crimes, respondeu: “Sim”.72

Problemas semelhantes foram observados também em outros contextos. Sobre Ruanda, um estudioso escreveu que “a ausência da pena de morte trouxe o espectro do imperialismo moral, especialmente à luz do fato de que aqueles julgados culpados em Nuremberg foram condenados à morte”.73

Há expressões budistas sobre o término de ciclos de violência que poderiam ser úteis, se a Corte quiser empreender uma campanha de alcance popular sobre essa questão. Porém, a ausência da pena de morte será um motivo importante para que os cambojanos não se interessem pela Corte, ou sintam que ela não fez justiça para eles.

05

A Corte é assunto do governo

Até agora, tratamos de algumas áreas em que o mandato da Corte pode entrar em conflito com as expectativas da maioria do povo que, em geral, a apóia. Embora nossa pesquisa não se baseasse em amostras estatisticamente aleatórias, cerca de uma em cada cinco pessoas com quem falamos expressou resistência a se envolver com a Corte. Isso representa uma minoria de nossa amostra, mas é significativo e poderia indicar um problema maior com as percepções da Corte.

De forma consistente com as noções de hierarquia discutidas acima, muitas pessoas que entrevistamos achavam que a Corte estava acima delas, ou que não era da sua conta.

Quando os Julgamentos do Khmer Vermelho estiverem acontecendo, mesmo que alguém me peça para ir ver a corte, não irei ver os julgamentos porque somos muito pequenos. Não sabemos nada sobre o governo e não precisamos saber sobre o trabalho da corte. É o trabalho das autoridades. (Stung Treng, pescador, 30 anos)

Ouvi falar dos Julgamentos do Khmer Vermelho durante muitos anos, mas nada foi feito até agora. Criar ou não um tribunal é a obrigação do governo. As pessoas sempre seguem o governo. Não tenho idéia nem compromisso com esse tribunal. (Kampot, agricultor, 51 anos)

Não importa para mim. Isso é problema do governo. Por mim, não posso dizer “preciso desta corte”, porque mesmo que eventualmente eu disser cem vezes que “preciso desta corte”, ela não vai acontecer porque não tenho nenhum poder para criá-la. Somente o governo pode fazer isso. (Stung Treng, agricultora, 55 anos)

Não sei sobre os Julgamentos do Khmer Vermelho. Isso é obrigação do governo. Não tenho conhecimento disso. Sou um monge budista. Não quero pôr meu nariz nos assuntos do governo. (Kampot, monge budista, 68 anos)

Alguns acharam que tinham de expressar apoio à Corte porque era dever deles apoiar os planos do governo.

Quando ouço falar dessa corte, penso: criar este tribunal é dever do governo. Somos as pessoas simples que devem apoiar os planos do governo. (Banteay Meanchay, agricultor, 55 anos)

Acho que é uma boa idéia criar esta corte porque queremos justiça para as vítimas que morreram naquele regime e as pessoas vão pensar que nosso governo sempre pensa no povo que vive sob seu controle – o governo é como o pai que precisa tomar conta dos filhos – ter este julgamento também faz as pessoas se sentirem mais confiantes em nosso governo. (Kampot, agricultora, 47 anos)

Esses comentários iluminam um fenômeno importante no Camboja: o sentimento das pessoas de seu lugar na sociedade, de “gente grande” (que inclui o governo) e ‘gente pequena”. Essas pessoas acham que as Câmaras Extraordinárias pertencem ao reino dos que estão no alto da hierarquia do poder. A estudiosa do Camboja Fabienne Luco escreve que “sob o pretexto da tradição, as pessoas aceitam seu lugar e sua condição sem jamais questionar o sistema. ‘Tam pi propeyni’ […] não se deve desafiar a ordem estabelecida. Espera-se que as pessoas permaneçam em seu lugar ou encarem punição”.74

Tendo em vista a difusão e penetração da noção subjacente de “lugar” no Camboja e do modo como as Câmaras Extraordinárias são associadas ao governo, é difícil imaginar como a Corte poderia se desembaraçar da política e descer ao nível do povo comum. Isso exigiria uma mensagem forte de que ela é independente do governo e está voltada para o povo. A não ser que venha a existir uma abordagem muito diferente, como esta, um número significativo de pessoas jamais se aventurará a levar em consideração a Corte, muito menos terá um sentimento de justiça.

Em última análise, essas conversas com os cambojanos mostram que a justiça é um sentimento, o qual não é deflagrado automaticamente por um julgamento equânime. Portanto, não surpreende que as Câmaras Extraordinárias venham a ter problemas para atender as expectativas de justiça das pessoas.
Embora os especialistas internacionais que estão no Camboja falem periodicamente da importância da “administrar as expectativas do povo” e realizem atividades de alcance comunitário que prepararão as pessoas para a realidade do julgamento, eles deixam de ver a falha fundamental do planejamento do processo: ele não foi criado para abordar as pessoas em seus respectivos níveis nem propiciar conseqüências consistentes com seus sentimentos de justiça. As Câmaras Extraordinárias sempre foram um julgamento nos moldes ocidentais, cujo objetivo principal era obedecer os padrões internacionais de devido processo.

Reconciliação

Outra observação comum sobre as Câmaras Extraordinárias é que elas promoverão a reconciliação no Camboja.75 Porém, a defesa da reconciliação pressupõe um problema de inquietação comunitária que não foi demonstrado que exista. Além disso, presume que os tribunais são apropriados para resolver problemas de comunidades não reconciliadas, apesar dos indícios de outros tribunais internacionais que apontam para um resultado diferente.

Antes de analisar a alegação de que as Câmaras Extraordinárias podem contribuir para a reconciliação, é importante definir o termo.76 Suzannah Linton afirma que a reconciliação “envolve o processo simples de aprender a coexistir e trabalhar junto com pessoas de quem não gostamos ou não gostam de nós, conformando-nos com a negatividade pessoal sobre nossas experiências, sejamos a vítima ou o agressor […] de tal modo que todos possam levar a vida mais normal possível”.77

Essa noção de coexistência reflete a compreensão normal que os cambojanos têm do termo. Com efeito, reconciliação é freqüentemente traduzida como somoroh-somruel (o processo de mediação usado para resolver conflitos na aldeia) – superar um conflito para que a comunidade possa se dar bem. Mas a definição de Linton implica também o sentimento de “chegar a um acordo” com o passado, para o qual a melhor tradução em língua khmer parece ser “reduzir o ardor de sua raiva” – mas não parece ter uma tradução perfeita.78 Portanto, esta seção tratará separadamente dos dois sentidos: coexistência e redução da raiva.

Minha limitada pesquisa não revelou problemas com a coexistência nas aldeias cambojanas. Além disso, não houve nenhum estudo sistemático das aldeias khmer para determinar quão difundido é o problema da animosidade entre vítima e agressor dentro delas.

Quando vejo uma pessoa que costumava ser um Khmer Vermelho, lembro que ele costumava ser cruel comigo […] Antes eu costumava me lembrar todo o tempo, mas agora perdoei: é como um copo de água do mar, quando você acrescenta mais e mais água doce, haverá menos sal, até que fique só água. (Kampot, agricultora, idade desconhecida, ex-quadro do Khmer Vermelho)

Acho que nesta região nunca temos problemas com os ex-soldados do Khmer Vermelho porque queremos viver em paz e também porque o regime aconteceu no passado, então basta que pensemos sobre o presente. Às vezes temos uma festa com um ex-soldado do Khmer Vermelho, bebemos cerveja ou vinho de arroz juntos. Temos uma relação boa não somente com os ex-soldados do Khmer Vermelho ricos, mas também com os pobres, porque não deixaremos alguém morrer porque não tem comida. Por mim, dou comida a eles – é melhor do que oferecê-la aos monges, porque penso que os monges têm comida suficiente dos moradores perto do templo, então darei a comida aos pobres e isso significa também que faço uma boa ação. Somos todos gente khmer e precisamos nos ajudar uns aos outros. (Kampot, homem de mais de 60 anos que vive no lado do governo de uma região onde o Khmer Vermelho lutou contra o governo até o final dos anos 90)

Nesta região, tivemos um ex-soldado do Khmer Vermelho, mas agora a maioria deles se mudou para outra região depois que se casaram. Acho que os ex-soldados do Khmer Vermelho têm agora uma relação boa com a aldeia e nunca temos conflitos. (Svay Rieng, bibliotecária de escola primária, 55 anos)

Muitos ex-Khmer Vermelhos vivem nesta região, mas as pessoas não pensam nisso. As pessoas estão mais preocupadas com seu trabalho e com ganhar a vida. (Banteay Meanchay, funcionário do governo local, 58 anos)

Ademais, os esforços de reintegração estão em curso há algum tempo. ONGs como a Budismo para o Desenvolvimento confiam na linguagem budista específica sobre tolerância para ajudar a unir comunidades fraturadas.79 De acordo com seu diretor-executivo, essa ONG tem tido um sucesso incrível na reintegração de comunidades Khmer Vermelho recalcitrantes com o resto do país – ao ponto de testemunhar casamentos entre comunidades antes em conflito e pelo menos um esforço conjunto para construir um templo.80 Esse diretor-executivo não vê necessidade de uma responsabilização para fazer avançar o projeto de reconciliação.81

Contudo, apesar desses esforços, muita gente ainda nutre sentimentos de raiva.

Ainda temos Khmer Vermelhos que vivem nesta região e não acontecem conflitos. Porém, ainda estamos com raiva deles porque mataram nossos parentes. [Perguntamos: Talvez quando a corte acontecer, vai despertar os maus sentimentos das pessoas – você acha que isso vai acontecer ou não?] Se a corte acontecer, não vai causar nenhum problema porque agora vivemos sob o controle da lei e deixamos a lei decidir. E também, se sentimos dor em nossos corações, ainda assim não podemos trazer nossos parentes de volta. (Kampong Thom, grupo de homens e mulheres, agricultores, 45-57 anos)

Ao mesmo tempo em que este comentário indica que as pessoas ainda têm sentimentos acalorados de raiva, fazê-las falar sobre essa ira ou “processá-la” num sentido terapêutico pode ser difícil.

A antropóloga Fabienne Luco acha que, no Camboja, “As pessoas são aconselhadas a confiar em si mesmas e manter seus problemas dentro de casa”. Ela cita um provérbio que diz que o coração, tal como o lar, deve ser escondido dos outros: “Terceira fonte do mal: quando as pessoas entram e saem pela porta e esquecem de fechá-la. Por negligência ou erro, elas esquecem de fechar a porta (de tal forma que) se pode ver tudo (dentro). Isso é o mesmo que segurar uma tocha para iluminar os ladrões enquanto eles roubam todos os seus pertences”.82 Barreiras culturais como essa representam um desafio para os estrangeiros que querem ajudar os cambojanos a “chegar a um acordo” com seu passado.

No entanto, mesmo se assumindo que os problemas de coexistência e raiva existem, e podem e devem ser revisados neste momento, ainda não está clara a contribuição que a Corte pode dar.

Como escreveu o antropólogo Alexander Hinton, “no fim das contas, a reconciliação irá envolver mais do que um julgamento […] cada cambojano [deve] decidir o que fazer se um ‘nó’ de maldade ainda o amarra em raiva contra o Khmer Vermelho”.83 A reconciliação é um empenho profundamente pessoal.

Amplas pesquisas feitas em Ruanda e na Iugoslávia indicam que os tribunais internacionais contribuem com pouco – se é que contribuem – para a reconciliação. Stover e Weinstein são mais duros e “sugerem que não há ligação direta entre julgamentos criminais […] e reconciliação […]”.84

Portanto, embora as pessoas falem sobre usar a Corte para promover a reconciliação, não há informações suficientes para avaliar essa alegação. Não está claro em que sentido o termo está sendo usado, quais grupos estão em conflito, que pessoas precisam “chegar a um acordo com o passado”, como um processo penal alcançaria esses objetivos, ou se é desejável pedir aos cambojanos que revisitem seus sentimentos neste momento. Todas essas questões existem contra um pano de fundo de amplas pesquisas sobre os tribunais ad hoc que mostram que eles contribuem pouco ou nada para o processo de reconciliação.

06

O potencial para dano

Como discutimos acima, há motivos para ceticismo em relação a como a Corte pode contribuir positivamente para promover o Estado de Direito, o sentimento de justiça das vítimas ou a reconciliação na sociedade cambojana. Nesta seção, vou sugerir que há motivos para pensar que a Corte pode causar danos reais. Algumas escolhas estratégicas que foram feitas para tornar esse tribunal politicamente viável podem ter conseqüências danosas em cascata.

As duas preocupações principais são: (a) que a Corte vá reforçar a noção errônea de que só os líderes são responsáveis pelas atrocidades e (b) que a Corte vá isolar os crimes do Kampuchea Democrático de seu contexto histórico, prejudicando o projeto maior de uma responsabilização internacional ao ignorar o papel de nações poderosas nas atrocidades cometidas no Camboja.

A reificação da noção de “lugar”

Nas seções anteriores sobre poder e Estado de Direito, este artigo discutiu a natureza fundamentalmente hierárquica da sociedade cambojana; o mesmo conceito surgiu nas seções sobre sentimentos de justiça, notando-se a relutância das pessoas em se relacionar com a Corte porque estava acima delas. Esses são apenas dois exemplos de como a noção piramidal do poder no Camboja funciona no governo e na vida cotidiana dos cambojanos em geral. E como observamos, a hierarquia é acompanhada por uma forte noção de que cada um deve ficar no seu lugar. Esta seção vai discutir como essa mentalidade de ficar no seu lugar tem implicações para as concepções cambojanas de autoridade e responsabilidade por atrocidades em massa.

De acordo com o Banco Mundial, no Camboja, “as estruturas sociais hierárquicas que caracterizam a vida das aldeias sustentam uma cultura da aquiescência. Estudos das tomadas de decisões nas aldeias notam uma tendência das pessoas de evitar o conflito aberto com aqueles que são considerados mais poderosos do que são, para que não fiquem marcados como causadores de problemas”.85

Consideremos esses comentários à luz do que Miklos Biros escreveu sobre a Iugoslávia: “Numa sociedade como esta, uma perspectiva autoritária é acompanhada por uma profunda passividade, na medida em que a base espera instruções sobre as idéias e os comportamentos aceitáveis prescritos pela elite do poder”.86 Biros conclui que o caráter autoritário da sociedade iugoslava anterior ao conflito criou uma “população que estava disposta a obedecer a autoridade sem reservas ou críticas”; o resultado, agora bem documentado, foi horrível.

Em que medida a estrutura social hierárquica do Camboja desempenhou um papel na facilitação dos crimes do Kampuchea Democrático? O antropólogo Alexander Hinton descobriu que “depois dos fatos, quando perguntados porque cometeram tais abusos durante o Kampuchea Democrático, muitos ex-quadros do Khmer Vermelho, tal como os perpetradores de genocídio no resto do mundo, alegaram que estavam apenas cumprindo ordens”.87 Embora Hinton conclua que os fatores motivadores são mais complicados do que apenas uma explicação, a obediência à autoridade “realça uma dinâmica essencial envolvida no genocídio”.88

Uma mulher explicou-nos porque os líderes de escalão mais baixo do Khmer Vermelho precisavam obedecer a seus superiores:

Os que estavam abaixo precisavam seguir o que os do topo diziam. Por exemplo, se eu digo ao meu filho para ir trabalhar na terra, ele precisa ir e não pode desobedecer minha ordem. (Banteay Meanchay, agricultora, idade não fornecida)

Na minha opinião, os líderes são como elefantes grandes e se os elefantes atacam uns aos outros, só a relva morre, não os elefantes – este exemplo é como na vida real. Se os líderes brigam uns com os outros, somente as pessoas simples ou normais morrerão. (Stung Treng, agricultor, 53 anos)

Há uma percepção comum de que os cambojanos ficarão insatisfeitos com as Câmaras Extraordinárias porque os criminosos locais, de baixo escalão, não serão levados ao tribunal. Isso vale certamente para muitos deles, mas muitos outros sentem-se satisfeitos com a Corte porque a idéia de cumprir ordens de um superior faz sentido intrínseco numa sociedade organizada em torno de relações clientelistas de cima para baixo.

Se o Tribunal do Khmer Vermelho condenar apenas os líderes principais e os maiores responsáveis por aquele regime, apoio esta idéia porque os quadros de escalão mais baixo do Khmer Vermelho são os pais, os filhos e parentes dos moradores das aldeias e especialmente, são todos khmer. Eles são inocentes. Agora, querem viver em paz como os outros membros da comunidade. A ideologia daquele regime os ensinou a ir na direção errada – eles também são vítimas da ideologia do Khmer Vermelho. (Kampot, agricultor, 60 anos)

O Tribunal do Khmer Vermelho não deve processar as autoridades mais baixas dos distritos, comunas e aldeias. É como no regime atual, as autoridades mais baixas são apenas os seguidores. (Svay Rieng, freira, mais de 60 anos)

Um respondente de um estudo realizado por Suzannah Linton escreveu que “no passado, o Camboja era inseguro e estava em guerra porque os grupos de liderança estavam separados, difamavam uns aos outros dizendo que este era bom, aquele era mau, fazendo propaganda para o povo apoiar um grupo. No fim, houve guerra e as vítimas foram as pessoas inocentes que não entendiam nada e seguiram seus líderes,inclinando para um lado ou para o outro conforme o vento”.89

Essas citações apontam para um perigo em potencial para um tribunal que se concentra apenas na liderança: ele pode reforçar a personalidade autoritária da sociedade, levando a um sentimento de que obedecer a ordens é uma desculpa para cometer atrocidades. Sem uma atenção cuidadosa a essa questão, a mensagem das Câmaras Extraordinárias pode reafirmar a correção do cumprimento de ordens, sugerindo que os líderes são os únicos realmente responsáveis pelos crimes.

Com efeito, numa reunião com ONGs locais, o funcionário mais graduado de assuntos públicos da ONU nas Câmaras Extraordinárias, Peter Foster, explicou que sua campanha de cartazes junto às comunidades foi projetada, em parte, para “tranqüilizar” os quadros de baixo escalão do Khmer Vermelho de que eles não seriam atingidos.90 O Instituto Khmer de Democracia, uma ONG cambojana, também empreendeu inicialmente uma campanha financiada por doadores ocidentais destinada a tranqüilizar os criminosos de baixo escalão.

Essa mensagem não só é perigosa para a sociedade cambojana, como também vai contra os objetivos da justiça internacional. O direito internacional estabelece claramente que ordens superiores não servem como defesa para genocídio ou crimes contra a humanidade.91 Embora, na prática, talvez não seja possível processar todos os agressores, os tribunais penais internacionais deveriam, pelo menos, procurar promover o espírito da lei, que condena aqueles que obedeceram ordens para cometer atrocidades em massa.92

Um perigo que as Câmaras Extraordinárias representam é o de, ao punir somente aqueles que deram ordens, reforçar o que se pretende corrigir, a ausência de culpa daqueles que seguiram seus superiores até qualquer fim. Há motivos para crer que foi exatamente esse tipo de ideologia que possibilitou a ocorrência dos crimes.

A criação de uma cultura de impunidade para os atores estrangeiros que cometeram crimes graves no Camboja

A jurisdição temporal das Câmaras Extraordinárias começa no dia em que o Kampuchea Democrático tomou Phnom Penh e termina um dia antes da tomada da cidade pelas forças vietnamitas, em 1979. Ao limitar dessa maneira os poderes da Corte, a jurisdição elimina efetivamente a possibilidade da responsabilização por crimes cometidos durante a guerra mais ampla que precedeu e sucedeu ao período do Kampuchea Democrático.

Presumindo-se que não haverá outras tentativas (além das Câmaras Extraordinárias) de responsabilização daqueles que ficaram de fora da jurisdição da Corte, as limitações dela podem prejudicar o projeto maior de justiça internacional. Deixar de fora certos criminosos, em particular aqueles oriundos de nações poderosas que cometeram crimes graves, pode criar a impressão de que as normas internacionais só se aplicam aos que não têm poder para evitá-las.

Pode-se dizer que a guerra mais ampla começou em 4 de outubro de 1965, quando as forças americanas começaram uma campanha de bombardeios secretos no Camboja, como parte de seu conflito no Vietnã. Durante cerca de oito anos, os Estados Unidos lançaram 2.756.941 toneladas de bombas sobre o país, em 113.716 lugares.93 Para se ter uma idéia, os Aliados jogaram apenas 2 milhões de toneladas de bombas durante toda a Segunda Guerra Mundial. O resultado foi a destruição quase total do Camboja.94

Ben Kieman estimou anteriormente que entre 50 mil e 150 mil civis cambojanos foram mortos em conseqüência do bombardeio ilegal norte-americano; à luz de dados recentemente liberados pelo governo americano, ele sugere agora que o número é certamente maior.95 A Comissão Finlandesa de Inquérito sobre o Kampuchea calcula que seiscentos mil cambojanos (ou 10% da população do país) morreram em conseqüência do transbordamento da guerra do Vietnã para o Camboja.96 Ela concluiu que outros dois milhões de civis se tornaram refugiados e 75% dos animais domésticos (essenciais numa sociedade agrária) foram destruídos.

Kieman afirma também que os bombardeios desempenharam um papel direto na facilitação da ascensão do Khmer Vermelho. Ele relata uma história que lhe foi contada pelo jornalista Bruce Palling, que perguntou a um ex-oficial do Khmer Vermelho se suas forças haviam usado o bombardeio como propaganda antiamericana. O oficial respondeu:

Depois de cada bombardeio, eles levavam as pessoas para ver as crateras, ver como eram grandes e profundas, ver como a terra havia sido arrancada e arrasada. […] Às vezes, as pessoas comuns literalmente se cagavam nas calças quando as grandes bombas e obuses vinham. Suas cabeças congelavam e vagavam mudas por três ou quatro dias. Aterrorizadas e meio enlouquecidas, as pessoas estavam inclinadas a acreditar no que lhes contavam.97

Quando terminou a guerra americana no Vietnã, a guerra “civil” continuou no Camboja, entre as forças de Lon Nol, apoiadas pelos americanos e as forças antiamericanas do Khmer Vermelho, apoiadas pelo Vietnã e pela China. Os americanos acabaram por se retirar do Camboja, permitindo que o Khmer Vermelho tomasse a capital alguns dias depois.98

Durante o reinado do Kampuchea Democrático, a China foi de longe o país que lhe deu mais apoio. O governo chinês forneceu enormes quantidades de ajuda militar e econômica ao novo governo. O historiador Phillip Short detalha uma longa lista de equipamentos militares, ajuda econômica e recursos pessoais enviados pelos chineses – totalizando talvez mais de 3,4 bilhões de dólares em valores de hoje.99

Quando os vietnamitas invadiram o Camboja para expulsar o Kampuchea Democrático no final de 1978, a política internacional havia mudado. Os americanos, que haviam outrora lutado contra o Kampuchea Democrático, vieram agora em sua defesa. Eles o apoiaram contra a “agressão vietnamita”, fazendo vistas grossas para a enorme quantidade de provas dos massacres e das mortes em massa por inanição.100 A ONU, o Ocidente e a China mantiveram seu apoio aos líderes do Kampuchea Democrático durante toda a Guerra Fria, até a UNTAC, nos anos 90.101

Contudo, mesmo depois da UNTAC, pequenas batalhas continuaram no país, até que o atual governo enfraqueceu suficientemente as forças guerrilheiras por volta de 1998. No total, temos 33 anos de guerra, dos quais, os três anos e meio de reinado do Kampuchea Democrático foram, de longe, o pior período.
Ao discutir a política subjacente às Câmaras Extraordinárias, o conselho editorial do New York Times observou certa vez que: “Todos os membros do Conselho de Segurança, por exemplo, poderiam poupar-se do constrangimento, restringindo o alcance do processo àqueles envolvidos dentro do Camboja durante os quatro anos terríveis do governo do Khmer Vermelho”.102

Com efeito, foi isso o que aconteceu. A jurisdição da Corte garantiu que as nações poderosas serão, de fato, poupadas do constrangimento e não prestarão contas de seus respectivos papéis na guerra completa. Em conseqüência, corre-se o perigo de que essa corte limitada assuma o lugar da responsabilização plena.

Sem dúvida, a causa próxima da maioria das mortes durante toda a guerra foi o regime do Kampuchea Democrático, pois eles mataram quase dois milhões de pessoas.103 Mas o objetivo da justiça internacional não deveria ser uma investigação abrangente das causas das atrocidades e uma responsabilização forte por todos os crimes e de todos os diferentes atores em cena? Qualquer coisa aquém disso ameaça solapar esse projeto relativamente novo de justiça penal internacional, fazendo-o parecer seletivo. Há um argumento convincente de que os Estados Unidos cometeram infrações graves da Convenção de Genebra ao bombardear sistematicamente alvos civis conhecidos.

Para os cambojanos instruídos, o desapontamento já chegou. Heng Monychenda, diretor-executivo da ONG cambojana Budismo para o Desenvolvimento, disse: “Eu vi os chineses naquela época (durante o Kampuchea Democrático) – assisti filmes do povo chinês cultivando a terra”. Ele se sente “desapontado” e quer saber “por que não há envolvimento dos chineses [no processo da corte]; por que não há envolvimento dos americanos?”,104 Para líderes ponderados como Monychenda, não se trata de negar a culpa, mas de distribuí-la de maneira equânime.

Mas um projeto mais amplo de responsabilização pode tornar também mais fácil a aceitação pelos cambojanos comuns do papel de seu país no que aconteceu. Sem uma investigação abrangente, a porta está aberta para que os cambojanos atribuam a culpa aos estrangeiros e rejeitem os resultados das Câmaras Extraordinárias.

Em defesa da Corte, se poderia dizer que a responsabilização por uma parte dos crimes é melhor do que nada. Mas ao permitir que a “comunidade internacional” participe do julgamento do Kampuchea Democrático, sem realizar qualquer processo de reflexão própria, as Câmaras Extraordinárias correm o risco de deslegitimar os processos criminais internacionais e, talvez, até promover a impunidade.105

07

A normalização das expectativas em relação aos processos criminais internacionais

Até agora, este artigo argumentou que as Câmaras Extraordinárias são inadequadas para cumprir os três principais objetivos que lhes foram atribuídos: promover o Estado de Direito, proporcionar justiça e estimular a reconciliação. Sustentamos também que há alguns danos em potencial associados ao processo projetado.
Com efeito, quando vistas à luz da situação real no Camboja, os motivos para a Corte começam a parecer justificações a posteriori para um processo legal ocidental.106 As Câmaras Extraordinárias são tão inadequadas para propiciar um sentimento de justiça, promover o Estado de Direito ou fomentar a reconciliação que é difícil imaginar que foram criadas realmente com esses propósitos.

Quais são os verdadeiros motivos subjacentes ao apoio a esse processo? Só podemos especular. Para o governo cambojano, talvez seja o desejo de fortalecer a legitimidade que obtém ao lembrar o povo de seu papel no término do regime do Kampuchea Democrático.107 É provável que cada nação doadora tenha sua própria política nacional a considerar. As Nações Unidas talvez sintam uma culpa institucional remanescente do reconhecimento que concederam ao Kampuchea Democrático nos anos 80. É impossível saber ao certo.

Contudo, à medida que a retórica de tribunais internacionais como as Câmaras Extraordinárias eleva cada vez mais seu tom, eles podem se distrair daquilo que são capazes efetivamente de realizar.108

Em última análise, os tribunais penais internacionais são apenas cortes criminais em um estágio maior. Esses tribunais devem funcionar dentro dos limites estritamente impessoais do direito penal.109 Há muito tempo que os filósofos identificaram o direito penal como aquele que se concentra num delito que foi cometido e na questão de quem deve ser condenado e punido por esse delito, se este for o caso.110 Quaisquer outros objetivos atribuídos a esses processos internacionais estão fora do alcance deles, como acontece em todos os processos penais.111

Na verdade, muitas das questões jogadas para os tribunais penais internacionais são exatamente o tipo de coisa que o direito penal é criticado por não fazer: cuidar das vítimas, estimular a reconciliação e desenvolver uma compreensão comum do passado.112 Os defensores da justiça restauradora criticam há muito tempo o direito penal porque ele transfere problemas para um contexto profissionalizado de justiça penal no qual nem a vítima nem o agressor têm condições de realmente participar.113 Escreve Malcolm Gladwell: “a impessoalidade dos códigos é o que torna justa a justiça. Mas é também o que pode tornar o sistema legal tão doloroso para as vítimas, que não encontram espaço para suas vozes, sua raiva e suas experiências. Os códigos punem, mas não podem curar”.114

As Câmaras Extraordinárias sofrem exatamente desse tipo de expectativa inapropriada. Em vez de tentar enfiar um pino quadrado (sentimento de justiça da vítima, reconciliação) num furo redondo (processo penal de estilo ocidental), talvez devêssemos adequar as expectativas em relação à Corte com o tipo de coisa que os tribunais penais fazem normalmente (encontrar e punir os criminosos). Nesse caso, se deveria julgar se ela identifica e processa adequadamente aqueles indivíduos que estão sob a sua jurisdição. Se a prisão de alguns homens idosos pelos poucos anos que restam de suas vidas causar um sentimento de insatisfação, então isso é um sinal de que outros processos, moldados para as necessidades das vítimas, deveriam ser estudados. Criar uma percepção correta do que um tribunal pode efetivamente realizar é o primeiro passo para obter justiça para as vítimas cambojanas.

08

Para fazer as coisas avançarem no Camboja

Um corpo cada vez maior de literatura sugere que as soluções legais para as atrocidades em massa são menos preferíveis, em muitos casos, do que outros processos que fazem mais sentido para a população local.115 Fletcher e Weinstein sugerem que a “ênfase nos processos penais desvia a atenção de outras opções para alcançar os mesmos objetivos. Além disso, a ênfase legal ignora a vasta literatura sobre a violência coletiva”.116

O professor Mark Drumbl disse que “tendo em vista as características importantes peculiares a cada genocídio e as diferenças entre genocídios, as modalidades de garantir responsabilização e estimular a cicatrização deveriam variar em cada caso individual. Em conseqüência, pode haver muitas respostas ao genocídio e a eficácia de cada uma depende da situação em questão”.117

Quais seriam as respostas não-legais ao período do Kampuchea Democrático que poderiam contribuir para o Estado de Direito, o sentimento de justiça ou a reconciliação?

Para promover o Estado de Direito no Camboja é preciso começar com uma análise dos seus obstáculos e uma reflexão sobre se esforços como o de formação e aprimoramento do judiciário são, de fato, eficazes ou, ao contrário, recompensam e cristalizam a posição de gente de dentro do partido dominante. Como já discutimos brevemente, a melhor maneira de chegar a um Estado de Direito de estilo ocidental no Camboja é pela promoção de mudanças sociais que rompam a dinâmica do poder enraizada no país. Contudo, mudanças drásticas no Camboja, em especial aquelas influenciadas pelos estrangeiros, foram sempre acompanhadas por terrível violência. Se essa mudança social dramática é, de fato, o melhor para o Camboja ou se os atores estrangeiros devem tomar parte nessas atividades, são questões que merecem um debate mais aprofundado.

Do mesmo modo, para dar início a um verdadeiro processo judicial, é preciso começar a identificar os elementos mais importantes de responsabilização nas mentes do cambojanos. Pesquisas mais aprofundadas talvez apóiem um interesse em punir os mortos, como as vítimas sugeriram: pôr correntes no túmulo de Pol Pot, construir uma prisão para os nomes e as fotos dos líderes do Kampuchea Democrático, ou cerimônias budistas públicas para reprimir os espíritos dos líderes mortos e celebrar as vítimas.

Um processo baseado no somroh-somruel talvez pudesse dar às pessoas uma chance de contar suas histórias e, quem sabe, tratar da culpabilidade dos criminosos de escalão mais baixo e espectadores que ainda vivem nas aldeias cambojanas ao lado das vítimas. Mas é preciso confirmar que esse tipo de processo é de interesse das pessoas comuns.

Além disso, é importante começar a estudar o tipo de educação histórica que terá o maior impacto sobre a nova geração, que tem agora dificuldades para acreditar nas histórias que seus pais contam sobre o passado.118 Um estudo recente sobre a visão do genocídio que têm os jovens cambojanos observou especificamente que é necessário ensinar história “de uma maneira que promova a assunção de responsabilidade e o ajuste de contas com o genocídio, em vez de negar que gente khmer matou gente khmer e que foi a influência estrangeira que causou o genocídio”.119

Seria útil também aprofundar o estudo das relações dos cambojanos com a autoridade e como evitar que as gerações futuras sigam seus líderes na trilha das atrocidades em massa. Essa questão cheia de nuances e culturalmente sensível precisaria ser explorada com muito cuidado e deveria contar com programas de acompanhamento projetados por cambojanos.

Outros processos menos jurídicos poderiam também tratar do legado do envolvimento estrangeiro no Camboja, inclusive dos bombardeios americanos. O próprio fato de que uma corte internacional para os crimes americanos ou chineses quase com certeza não seja politicamente viável sugere que se deveriam tentar medidas não-jurídicas. Os esforços para desativar minas terrestres e campanhas de educação pública deveriam conscientizar para os danos atuais dos crimes do passado e reconhecer suas vítimas. Seria importante também contar as histórias dos bombardeios para o público americano.

Em essência, aqueles que vão cuidar de futuras atrocidades em massa devem levar em conta as necessidades da sociedade do ponto de vista das pessoas que vivem nela. Não se trata de nenhuma idéia original. Ariel Dorfman escreve que devemos pensar “a partir da base” e “confiar que aqueles que foram os mais atingidos têm as melhores idéias sobre como consertar a destruição”.120 Isso pode significar também uma disposição para reconhecer que as pessoas não querem lidar com o passado.121

Esse é o desafio que os membros das Câmaras Extraordinárias enfrentam agora. Uma vez reconhecidas as limitações do processo jurídico, a comunidade internacional, os Estados doadores e as ONGs internacionais se dedicarão a ouvir os cambojanos e levarão adiante suas reivindicações com a mesma energia que devotaram a um julgamento que seguisse os padrões internacionais do devido processo? Além disso, o governo cambojano implementará o desejo do povo com o mesmo fervor com que usou o passado violento da nação para obter vantagens políticas?

Do modo como as coisas estão, a retórica e as prioridades das Câmaras Extraordinárias parecem muito distantes das prioridades do povo. Contudo, ainda que tenha levado mais de uma década para chegar a esse ponto e os réus já estejam velhos, a maioria dos cambojanos é jovem – ainda há tempo para mudar o foco.

09

Conclusão

Os eventos da década passada mostram que os julgamentos penais internacionais estão se tornando rapidamente a reação preferida às atrocidades em massa.122 Contudo, como citamos ao longo deste artigo, Stover, Fletcher, Weinstein e outros, em pesquisas sobre os Tribunais Penais Internacionais para a Iugoslávia e para Ruanda, não descobriram “nenhum vínculo direto entre julgamentos penais e reconciliação”, e que “para os sobreviventes da guerra e do genocídio étnico, a idéia de ‘justiça’ abrange mais do que julgamentos penais”.123 A pesquisa sobre o Camboja apresentada aqui sugere que as Câmaras Extraordinárias poderão despertar uma reação semelhante. Contudo, os julgamentos parecem avançar com pouca reflexão sobre esses resultados de pesquisa.

A comunidade internacional fez um investimento significativo nas Câmaras Extraordinárias. O investimento de fundos estrangeiros, de pelo menos 50 milhões de dólares em três anos, é apenas uma gota no balde em termos de dólares para o desenvolvimento do Camboja.124 Porém, o investimento político tem sido enorme: as negociações para criar a Corte duraram mais de dez anos. A idéia dominante é a de que avançamos demais para deixar esse processo se desfazer agora.
As Câmaras Extraordinárias podem ter chegado a um ponto do qual não é mais possível voltar. Contudo, há lições a tirar dessa história. Em primeiro lugar, a tarefa de lidar com o legado do Kampuchea Democrático não acabará com os últimos julgamentos das Câmaras Extraordinárias. Os próximos passos, se motivados pelo povo cambojano, podem ocorrer fora da esfera jurídica, mas eles exigem a mesma seriedade, o mesmo compromisso e os mesmos recursos financeiros de um processo judicial.

Em segundo lugar, quando os futuros especialistas internacionais debaterem sobre a conseqüência apropriada para novas atrocidades, será melhor que aprendam com as experiências do passado e realizem uma análise cultural detalhada do papel que os julgamentos penais podem efetivamente desempenhar e levem em conta, com mente aberta, as sugestões do povo. Um ponto de partida para respostas futuras poderia ser: o que os membros da sociedade querem? Tanto quanto eu saiba, essa pergunta nunca foi feita no Camboja.125

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Notas

1. A autora gostaria de agradecer especialmente a Vichhra Muoyly, Vireak Kong e Va Nou por suas contribuições à pesquisa subjacente e ajuda na formulação desta análise. Agradeço também a Henry Hwang e Heather Ryan por seu apoio.

2. A. Hinton, Why did they kill? Cambodia in the shadow of genocide, Berkeley, University of California Press, 2005, p. 1 (doravante Hinton).

3. E. Stover e H. Weinstein, “Introduction”, em E. Stover e H. Weinstein (eds.), My neighbor, my enemy: justice and community in the aftermath of mass atrocity, Reino Unido, Cambridge University Press, 2004 (doravante My neighbor, my enemy). Ver também L. Fletcher e H. Weinstein, “Violence and social repair: rethinking the contribution of justice to reconciliation”, Human Rights Quarterly, v. 24.3, 2002, pp. 573-639 e p. 578 (observa que “o mecanismo predominante para responder à violência de massa concentra-se nos perpetradores individuais de crimes de guerra e outras violações graves do direito internacional. Com freqüência, os defensores desse modelo sugerem que os julgamentos internacionais podem ser a resposta mais apropriada à violência comunal”.) (doravante Fletcher e Weinstein). N. Kritz, “Progress and humility: the ongoing search for post-conflict justice” em M. Cherif Bassiouni (ed.), Post conflict justice, Ardsley, Nova York, Transnational Publishers, 2002, p.75; R. Zacklin, “The failings of ad hoc international tribunals”, Journal of International Criminal Justice, v. 2, 2004, pp. 541-545.

4. Esta pesquisa foi realizada para a Open Society Justice Initiative; agradecemos muito o apoio desta ONG. As conclusões aqui apresentadas não refletem de forma alguma as idéias da Justice Initiative ou do Open Society Institute.

5. As entrevistas variaram em duração de meia hora a bem mais de duas horas. Embora a equipe tenha procurado inicialmente realizar entrevistas individuais, a natureza da vida no Camboja fez com que as entrevistas em grupo fossem muitas vezes inevitáveis. A amostra não foi estatisticamente aleatória. Em cada local, a equipe procurou falar com diferentes pessoas interessadas da comunidade; em conseqüência, o conjunto de entrevistas tende a representar mais as opiniões das autoridades dos governos locais. Os entrevistados foram selecionados arbitrariamente entre pessoas que estavam em casa durante o dia na época em que as entrevistas foram realizadas. Nenhuma entrevista foi feita nas cidades (porque o objetivo da pesquisa era identificar questões relacionadas com atividades de alcance comunitário nas áreas rurais) – 80% da população cambojana vivem em zonas rurais.

6. Ver Laura A. Dickinson, “The promise of hybrid courts”, American Journal of International Law, v. 97, p. 2003, pp. 295-310 (doravante Dickinson).

7. Ver, por exemplo, J. Goldston, “Foreword: an extraordinary experiment in transitional justice” em Justice Initiatives, Primavera 2006, pp.1-6, disponível em: , acessado em 25 de agosto de 2007 (doravante Goldston). Observa que se as coisas nas Câmaras Extraordinárias andarem bem, elas “contribuirão para um sentimento de justiça para os crimes do Khmer Vermelho, darão suporte para os esforços de uma reforma legal mais ampla no Camboja e ajudarão a confirmar os tribunais mistos nacionais/internacionais como um modelo para o futuro”. International Bar Association, “Cambodia: IBA in consultation with Bar Association of the Kingdom of Cambodia”, 13 de dezembro de 2005, disponível em <http://www.ibanet.org>, acessado em 25 de agosto de 2007: observa que as Câmaras Extraordinárias desempenharão um “papel fundamental no estabelecimento de uma tradição jurídica para o Camboja baseada em justiça, responsabilização e Estado de Direito”. Ver também L. McGrew, “The Legacy of the Khmer Rouge Trials Needs to be Planned”, carta ao editor, Phnom Penh Post, v. 15, edição 17 de setembro de 2006, p.7; S. Huntington, “The Khmer Rouge Tribunal as an opportunity for more than answers”, Searching for the truth magazine, nº. 80, Debate, agosto de 2006, E. Kinetz, “Tribunal’s justice and judicial legacy at odds”, The Cambodia Daily, 16 de novembro de 2006.

8. Ver geralmente Cat Barton, “KR trial holds promise for court reform”, 10-23 de março de 2006.

9. Goldston, pp. 1-2.

10. Ibid.

11. Center for Advanced Study e World Bank Phnom Penh, Justice for the poor? An exploratory study of collective grievances over land and local governance in Cambodia, Camboja, 2006, p.2. Ver também U.S. State Department Country Report on Human Rights Practices, Camboja, 2006, disponível em <http://www.state.gov>, acessado em 25 de agosto de 2007; Human Rights Watch, “Cambodia: Events in 2006”, em World Report 2007, disponível em <http://hrw.org>, acessado em 25 de agosto de 2007, e Hinton, p. 101.

12. Ver geralmente United Nations Special Representative for the Secretary-General for Human Rights in Cambodia, “Continuing patterns of impunity in Cambodia”, 2005, disponível em <http://cambodia.ohchr.org/index.aspx>, acessado em 25 de agosto de 2007 (doravante Continuing Patterns of Impunity).

13. Várias nações, doadores individuais e agências da ONU contribuem com fundos para atividades de promoção do Estado de Direito no Camboja. Uma lista exaustiva não é possível, pois nem todos tornam públicas suas contribuições. Ver, por exemplo, Ausaid, “Aid activities in Cambodia”, 2006, disponível em <http://www.ausaid.gov.au>, acessado em 25 de agosto de 2007 (detalhes sobre 30 milhões de dólares em doações durante um período de seis anos); East West Management Institute, “Grantmaking”, 2007, disponível em <http://www.ewmi-praj.org/>, acessado em 25 de agosto de 2007 (observando-se que a partir da criação do programa em outubro de 2003 até dezembro de 2006, PRAJ fez 92 doações num valor total de quase US$8,4 milhões em financiamento da USAID; O Projeto de Reforma Legal e Judicial do Banco Mundial, que foi abandonado, conseguiu cerca de 10 milhões de dólares durante um período iniciado em 2002, The World Bank, Legal and Judicial Reform Project, 2007, disponível em , acessado em 25 de agosto de 2007). As significativas doações do Japão não estão calculadas: JICA, “Activities”, disponível em <http://www.jica.go.jp/cambodia> acessado em 25 de agosto de 2007. Outros países também dão quantias menores. Ver: AiDA, Accessible Information on Development Activities, “Details”, disponível em , acessado em 25 de agosto de 2007.

14. Ver por exemplo, Continuing patterns of impunity, p. 22.

15. Kingdom of Cambodia, Ministry of Commerce, Legal and judicial reform strategy for Cambodia, disponível em <http://www.moc.gov.kh>, acessado em 25 de agosto de 2007.

16. T. Fawthrop e H. Jarvis, Getting away with genocide?, Ann Arbor e Londres, Pluto Press, 2004, p. 117.

17. E. Kinetz, “Sok An calls for UN ‘dialogue’ on KR defense”, The Cambodia Daily, 18 de dezembro de 2006.

18. Um dos mandatos da UNTAC era tirar o controle administrativo do país das mãos do partido de Hun Sen – apesar de controlar formalmente as rédeas do poder, não há provas de que a UNTAC interrompeu o controle administrativo. Michael Doyle, UN peacekeeping in Cambodia: UNTAC’s civil mandate, Londres, Lynne Rienner Publishers, 1995.

19. Continuing patterns of impunity, p. 9.

20. Ibid.

21. Ibid, p. 33.

22. Ibid.

23. Ver Hinton, op. cit., pp. 100-116 (detalha um estudo de caso sobre práticas de justiça no Camboja).

24. Hinton, p. 110.

25. J. Ledgerwood, Understanding Cambodia: social hierarchy, patron-client relationships and power, Department of Anthropology and Center for Southeast Asian Studies, Northern Illinois University, disponível em <http://www.seasite.niu.edu>, acessado em 25 de agosto de 2007 (descreve as relações patrão-cliente).

26. Hinton, p.113.

27. Fabienne Luco, Between a tiger and a crocodile: management of local conflicts in Cambodia an anthropological approach to traditional and new practices, Phnom Penh, UNESCO, 2002 (traduzido para o inglês do original francês) (doravante Luco). Ver também Ledgerwood, op. cit..

28. Ver por exemplo, Hinton, pp. 105-116.

29. E. Gottesman, Cambodia after the Khmer Rouge, New Haven, Yale University Press, 2002, pp. 242-247. O governo no Camboja, inclusive o judiciário, foi construído literalmente do zero, sob a influência das autoridades vietnamitas a partir de 1979. Os tribunais vietnamitas foram descritos como distribuindo justiça “pelo telefone”: as elites partidárias contatam os juízes para direcionar o resultado de um caso. K. Decker, C. Sage e M. Stefanova, “Law or justice: building equitable legal institutions”, World Bank Publications, disponível em <http://web.worldbank.org>, acessado em 25 de agosto de 2007.

30. Por exemplo, a formação judicial da época da Guerra Fria é comum entre os funcionários cambojanos que estão nas Câmaras Extraordinárias: dos dezessete juízes e promotores cambojanos designados para o tribunal, quatro fizeram seus cursos de direito no Camboja; quatro se formaram no Cazaquistão e três na URSS, dos quais um continuou seus estudos no Japão. Três outros estudaram no Vietnã, e dois na Alemanha Oriental. Prak Chan Thul e W. Kvasger, “Some question KR judges’ Soviet-era schooling”, The Cambodia Daily, 16 de maio de 2006, p.1.

31. Center for Advanced Study e The Asia Foundation, Democracy in Cambodia: a survey of the Cambodian electorate, Camboja, 2001, p. 26 (doravante CAS).

32. R. Ehrenreich Brooks, “The new imperialism: violence norms and the ‘Rule of Law’”, Michigan Law Review, v. 101, 2003, pp. 2275 e 2285.

33. Ledgerwood, nota 25 acima.

34. J. Ledgerwood e J. Vijghen, “Decision-making in rural khmer villages” em J. Ledgerwood (ed), Cambodia emerges from the Past: eight essays, DeKalb Illinois, Southeast Asia Publications, 2002, pp. 109 e 116 (doravante Ledgerwood e Vijghen).

35. O artigo 13 da Constituição do Kampuchea Democrático declarava: “Deve haver completa igualdade entre todo o povo kampucheano (…)”: “The Constitution of Democratic Kampuchea” em The Cambodian Constitutions (1953-1993), Raoul M. Jennar (ed), disponível em: <http://www.dccam.org>, acessado em 25 de agosto de 2007. Um empregado estrangeiro de uma ONG local ficou surpreso quando o diretor executivo lhe pediu para retirar a palavra “igualdade” da capa que ele havia projetado para o relatório anual do grupo. O diretor explicou que a palavra o lembrava do período do Khmer Vermelho. (Anotações sobre conversa com Henry Hwang, em arquivo da autora).

36. R. Y. Fajardo, Kong Rady e Phan Sin, Pathways to justice: access to justice with a focus on the poor, women and indigenous peoples, Camboja, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Ministério da Justiça do Camboja, 2005, p. 11 (conclusão de que “a maior parte da população rural (…) não participa do background cultural do sistema legal formal”.) (doravante Pathways to Justice). Ademais, entre os habitantes do campo, há uma barreira adicional de pobreza extrema, com 75% trabalhando no setor agrícola, embora a agricultura represente apenas 35% do produto interno bruto. Isso se traduz em uma renda nacional per capita de apenas $0,82 por dia. Até mesmo os servidores públicos, como professores, enfermeiros e policiais, recebem menos de um dólar por dia. Ibid, pp. 65-66.

37. I. Harris, “Onslaught on beings’: a Theravada Buddhist Perspective on accountability for crimes committed in the Democratic Kampuchea period” em J. Ramji e B. Van Schaack, Bringing the Khmer Rouge to justice: prosecuting mass violence before the Cambodian Courts, Lewiston, The Edwin Mellen Press, 2005, pp. 76-80 (doravante Harris).

38. W. A. Collins, “Dynamics of dispute resolution and administration of justice for Cambodian villagers”, a Preliminary Assessment Funded by USAID pursuant to Project Number 422-0111, Phnom Penh, 1997 (em arquivo da autora) (doravante Collins).

39. Ibid., p. 40. O processo de somroh-somruel tem raízes antigas; Harris descobriu que o Camboja Ankoriano possuía um sistema legal sofisticado. Harris, op. cit., p. 74. Ele observa também que as políticas e leis coloniais francesas erodiram o papel dos monges como solucionadores tradicionais de disputas. Ibid., p. 79.

40. Pathways to justice, pp. 67-68.

41. Harris, p. 79.

42. Harris, p. 80.

43. Marija de Wijn, Global justice and legitimacy in Cambodia: the Khmer Rouge trials and local concepts of justice (Tese de Estudos de Desenvolvimento Internacional), Universidade de Amsterdã, 2005, p. 76.

44. O objetivo desta seção é levantar os diferentes fundamentos culturais da resolução de disputas. Contudo, o somroh-somruel não é de forma alguma um sistema perfeito. Com freqüência, ceder à parte mais poderosa é considerado um resultado apropriado da mediação. Além disso, a justiça pelas próprias mãos é também um problema. O Departamento de Estado americano relata: “A justiça pelas próprias mãos persistia, assim como o assassinato de supostos feiticeiros e feiticeiras. Durante o ano, a violência da turba resultou em pelo menos 22 mortes de suspeitos de roubos e ferimentos graves em muitos outros […]”U.S. State Department Country Report on Human Rights Practices, Camboja, 2006, disponível em <http://www.state.gov>, acessado em 25 de agosto de 2007.

45. Pathways to justice, p. 11 (o PNUD observa que “a maior parte da população rural desconhece os procedimentos formais e a lei”.); de Wijn, op cit, p. 76 (escreve que “o processo legal oficial é bastante alheio à realidade das aldeias, assim como seus procedimentos não estão claros para muitos dos seus habitantes” […]). Nossa pesquisa mostrou que havia pouca compreensão do papel dos juízes ou promotores, dos passos básicos de um processo judicial ou de conceitos de ordem mais elevada que subjazem aos procedimentos de um tribunal (tais como porque um tribunal exige provas). Em termos estatísticos, está claro que os tribunais resolvem muito menos disputas todos os anos do que outras autoridades locais. Pathways to justice, p. 179.

46. Ver por exemplo, Dickenson nota acima.

47. Gottesman, p. 11.

48. Ibid., P. 13.

49. Voice of the Asian-Pacific Human Rights Network, “Rule of Law an elusive concept in Cambodia”, 17 de março 2006, disponível em <http://www.hrdc.net/sahrdc/>, acessado em 25 de agosto de 2007.

50. Nota 13 acima.

51. Em 2005, o Representante Especial do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU no Camboja escreveu: “Embora o fracasso de submeter os responsáveis à justiça seja freqüentemente atribuído à escassez de recursos, à má capacidade das instituições de imposição da lei e à ausência de um judiciário em bom funcionamento, o fracasso dessas instituições na sustentação da lei também pode ser atribuído a uma prática aceita de impunidade e conluio da polícia, dos militares e dos órgãos de segurança”. Continuing patterns of impunity, p.33.

52. Justice for the poor?, p. 5 (observa que “instituições de justiça novas ou reformadas no molde liberal estão propensas a fracassar, a não ser que sejam apoiadas pela transformação das relações de poder que precederam e, em larga medida, precipitaram seu desenvolvimento no Ocidente”).

53. Problemas semelhantes foram observados em Ruanda, onde os pesquisadores descobriram que um judiciário local altamente politizado prejudica a capacidade dos tribunais internacionais de promover o Estado de Direito, independente dos fundos adicionais investidos. Alison Des Forges, Tim Longman, “Legal responses to genocide in Rwanda” em E. Stover, H. Weinstein (eds.), op. cit., Reino Unido, Cambridge University Press, 2004, p.62 (doravante Des Forges e Longman).

54. Cambodian Human Rights Action Committee et al., Joint statement: urgent action needed on rules for Khmer Rouge Tribunal, 2007, disponível em <http://www.justiceinitiative.org>, acessado em 25 de agosto de 2007 (observa que: “Espera-se também que as Câmaras Extraordinárias contribuam para o desenvolvimento de padrões internacionais e funcionem como um catalisador para o fortalecimento do Estado de Direito e como um modelo para a reforma judicial, ambos altamente necessários para o Camboja”).

55. O voto sobre culpa ou inocência será obtido por uma supermaioria – a maioria de juízes mais um (quatro de cinco juízes na câmara de julgamento, ou cinco de sete juízes na Câmara Suprema). Agreement between the United Nations and the Royal Government of Cambodia concerning the prosecution under Cambodian Law of Crimes Committed During the Period of Democratic Kampuchea, 6 de junho de 2003, disponível em <http://www.eccc.gov.kh>, acessado em 25 de agosto de 2007 (doravante Agreement).

56. Agreement, supra.

57. The World Bank et al, A fair share for women: Cambodia gender assessment, 2004, disponível em <http://go.worldbank.org>, acessado em 25 de agosto de 2007, p. 8.

58. Justice for the poor?, op. cit., p. 5. Ver também, CAS, p. 48 (observa que “se um deixa o espaço da aldeia, a mediação torna-se mais difícil e mais cara, sem uma grande chance de sucesso”).

59. Collins, op. cit., p. 15.

60. Justice for the poor?, p. 5.

61. Ibid.

62. Pathways to justice, nota 45 acima. Ver também, Des Forges e Longman, op cit., p. 56 (muitos respondentes dessa pesquisa consideraram a abordagem legal contenciosa aplicada no Tribunal Penal Internacional para Ruanda “estranha aos métodos tradicionais de resolução de conflitos em Ruanda, nos quais as comunidades se reúnem e determinam a natureza dos eventos e as punições e reparações necessárias para restabelecer o equilíbrio social”).

63. Xinhua, “Cambodia’s ruling party airs support for trial of former DK leaders”, People’s Daily Online, 7 de janeiro de 2007, disponível em <http://english.people.com.cn>, acessado em 25 de agosto de 2007; Ek Madra, “Spat over bill threatens Khmer Rouge trial”, Reuters, 4 de abril de 2007, disponível em <http://www.swissinfo.org>, acessado em 25 de agosto de 2007; Sophie Huntington, “The Khmer Rouge Tribunal as an opportunity for more than answers”, Searching for the truth magazine, Debate, nº. 80, agosto de 2006.

64. Hinton, op. cit., p. 1 e P. Short, Pol Pot: the history of a nightmare, Londres, John Murray Press, 2004, pp. 321-322.

65. Porém, são necessárias pesquisas estatisticamente mais relevantes sobre essas questões para tirar conclusões mais amplas. Houve várias tentativas de avaliar as opiniões dos cambojanos sobre um tribunal para o Khmer Vermelho. Mesmo assim, não há estudos disponíveis que tenham sido realizados de uma maneira cientificamente significativa. Em conseqüência, não há informações suficientes para tirar conclusões exatas sobre as opiniões da população cambojana sobre esse tópico. Os outros estudos que conheço são: B. Münyas, Youth for peace, a study on genocide in the mind of Cambodian youth, Camboja, Peace Research and Publications, 2005 (doravante Münyas); Khmer Institute of Democracy, Survey on the Khmer Rouge Regime and the Khmer Rouge Tribunal, Cambodia, 2004, disponível em: <http://www.bigpond.com.kh/users/kid>, acessado em 25 de agosto de 2007; S. Linton, Reconciliation in Cambodia, Phnom Penh, Documentation Center of Cambodia, 2004; L. McGrew, Truth, justice, reconciliation, and peace in Cambodia—20 years after the Khmer Rouge, December 1999-February 2000, relatório inédito, de posse da autora; de Wijn, op. cit.; W. Burke-White, “Preferences matter: conversations with the Cambodian people on the prosecution of the Khmer Rouge leadership”, em J. Ramji e B. Van Schaack, Bringing the Khmer Rouge to justice: prosecuting mass violence before the Cambodian courts, Lewiston, The Edwin Mellen Press, 2005; J. Ramji, “Reclaiming Cambodian history: the case for a truth commission”, Fletcher Forum of World Affairs, v. 24, 2000, pp. 137-158.

66. Depois que nossas entrevistas haviam terminado, os dois pesquisadores cambojanos da equipe, Vireak e Vichhra, fizeram uma classificação de suas impressões subjetivas do grau de interesse dos entrevistados pelas Câmaras Extraordinárias – suas classificações foram praticamente as mesmas. Em nossa pesquisa qualitativa, descobrimos que cerca de 20% de nossos entrevistados não estavam interessados ou se opunham à Corte, cerca de 45% estavam interessados na Corte, mas não muito, e cerca de 35% apoiavam e se interessavam muito pela Corte. Análise detalhada de posse da autora.

67. E. Stover, “Witnesses and the promise of justice at The Hague” em E. Stover e H. Weinstein (eds.), My neighbor, my enemy: justice and community in the aftermath of mass atrocity, Reino Unido, Cambridge University Press, 2004, p. 114.

68. Hinton, op. cit., p. 98.

69. Münyas, op. cit., p. 15 (observa também que uma história mais longa, introduzida em 2002, foi retirada pelo governo após críticas da oposição – além disso, poucos professores ousam falar sobre o Khmer Vermelho hoje devido às dificuldades para distinguir entre história e política).

70. D. Orentlicher, “Settling accounts: the duty to prosecute human rights violations of a prior regime”, Yale Law Journal, v. 100, 1991, p. 2537.

71. Fletcher e Weinstein, op. cit., p. 591.

72. E. Kinetz e Prak Chan Thul, “For Cham Muslims, justice may not be a tribunal”, The Cambodia Daily, 31 de outubro de 2006.

73. Ida Bostian, “Cultural relativism in international war crimes prosecutions: the International Criminal Tribunal for Rwanda”, ILSA Journal of International and Comparative Law, v. 12, n. 1, outono de 2005.

74. Luco, op. cit.

75. Ver por exemplo, John D. Ciorciari, “The Khmer Rouge Tribunal”, Phnom Penh, Documentation Center of Cambodia, 2006, disponível em <http://www.dccam.org>, acessado em 25 de agosto de 2007.

76. Com efieto, há muitos grupos distintos no Camboja que podem ter visões diferentes do passado: cambojanos urbanos e rurais, jovens e velhos, cambojanos que vivem no exterior e aqueles que moram no Camboja, Khmer Vermelhos que vivem no norte/nordeste e no resto do país, e perpetradores de baixo escalão e aldeões que moram na mesma comunidade. De certo modo, todas essas opiniões precisam ser “reconciliadas”. Não é esse o sentido de “reconciliação” aqui discutido.

77. Linton, op. cit., p.106. Weinstein e Stover falam sobre reconciliação como “pessoas re-fazendo conexões anteriores, tanto funcionais como afetivas, através das fronteiras étnicas, raciais ou religiosas”. Stover e Weinstein, op. cit., pp. 3 e 13.

78. “Chegar a um acordo” com o passado é uma expressão que parece quase psicanalítica; esse tipo de terminologia é particularmente difícil de aplicar no Camboja.

79. Ver Budhism for Development, disponível em <http://www.bfdkhmer.org/>, acessado em 31 de agosto de 2007.

80. Entrevista da autora com Look Heng Monychenda; anotações arquivadas pela autora.

81. Ibid.

82. Luco, op. cit., pp. 16 e 21-22.

83. Hinton, op. cit., p. 95.

84. Stover e Weinstein, op. cit., p. 323.

85. Justice for the poor?, op. cit., p. 16.

86. Miklos Biros et. al., “Attitudes toward justice and social reconstruction in Bosnia Herzegovina and Croatia” em E. Stover e H. Weinstein (eds.), My neighbor, my enemy: justice and community in the aftermath of mass atrocity, Reino Unido, Cambridge University Press, 2004, p. 185.

87. Hinton, op. cit., p. 277.

88. Ibid., p. 279.

89. Linton, op. cit., p. 169.

90. Anotações para a reunião do CJI no hotel Sunway, 15 de dezembro de 2006; em arquivo da autora.

91. Jason S. Abrams e Steven R. Ratner, Accountability for human rights atrocities in International Law: beyond the Nuremberg Legacy, Nova York, Oxford, Oxford University Press, 2001, p. 136.

92. Fletcher e Weinstein, op. cit., pp. 597, 600 (observam que, “quando a culpa é atribuída a pessoas específicas, então indivíduos e grupos têm a oportunidade de racionalizar ou negar sua participação própria responsabilidade pelos crimes cometidos em seu nome”).

93. Ben Kiernan e Taylor Owen, “Bombs over Cambodia: new information reveals that Cambodia was bombed far more heavily than previously believed”, The Walrus, outubro de 2006, disponível em <http://www.walrusmagazine.com>, acessado em 25 de agosto de 2007 (doravante Owen e Kiernan); Kimmo Kiljunen (ed), Kampuchea: decade of genocide, Report of a Finnish Inquiry Commission, Londres, Zed Books, 1984 (doravante Kiljunen) e Becker, op. cit., p. 156.

94. Owen e Kiernan, op. cit., p. 2.

95. Ibid.

96 Kiljunen, nota 93 acima.

97. Kiernan e Owen, p.2.

98. O ex-senador e candidato à presidência George McGovern disse certa vez que considerava a ascensão do Khmer Vermelho um dos maiores custos do envolvimento dos Estados Unidos na Indochina. S. Power, A problem from hell: America in the age of genocide, Nova York, Basic Books, 2002, p. 133 (doravante Power).

99. Short, pp. 301-2.

100. Power observou que o então assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos Zbigniew Brzezinski “via o problema [cambojano] sob o prisma sino-soviético. Uma vez que os interesses americanos estavam com a China, eles estavam, indiretamente, com o Khmer Vermelho”. Ver Power, p. 147.

101. Embora ocupado pelo Kampuchea Democrático diretamente, em 1979, o assento na ONU foi depois ocupado por uma força de coalizão, mas o Khmer Vermelho mantinha superioridade militar no interior da aliança e continuou a manter seus diplomatas em todos os postos no exterior para o novo grupo. Ver Becker, p. 457. Só a China deu bilhões de dólares de ajuda ao regime de Pol Pot nos anos 80, enquanto eles continuavam a travar uma guerra contra o governo khmer apoiado pelos vietnamitas. Ver também Fawthrope e Jarvis, p. 178.

102. Editorial do New York Times, “A trial for Pol Pot”, New York Times, 24 de junho de 1997, Sec. A. Ver também Fawthrope e Jarvis, p. 5.

103. Owen e Kiernan, p. 2.

104. Entrevista com Look Heng Monychenda; anotações no arquivo da autora.

105. Ver em geral, Owen e Kiernan, op. cit., que dizem coisa semelhante.

106. Com efeito, a história da criação da Corte confirma isso; as Câmaras Extraordinárias foram concebidas como um processo legal desde o início e agilizadas por funcionários da ONU e ONGs internacionais. Ver em geral T. Hammarberg, Efforts to establish a tribunal against the Khmer Rouge leaders: discussions between the Cambodian Government and the UN, disponível em <http://www.ui.se/uikr.pdf>, acessado em 25 de agosto de 2007; United Nations Report, Report of the Group of Experts for Cambodia, Established Pursuant to General Assembly Resolution 52/135, at U.N. GAOR, 53d Session, Agenda Item 110(b), at ¶ 5, U.N. Doc. A/53/850, 1999.

107. E. Davis, Keeping the bones, 2007, disponível em <http://leahbowe.com/deathpower/>, acessado em 25 de agosto de 2007.

108. V. Peskin, “Courting Rwanda: the promises and pitfalls of the ICTR Outreach Program”, Journal of International Criminal Justice, v. 3, 2005, pp. 950-961 e 955-57.

109. Stanford Encylopedia of Philosophy, “Punishment”, disponível em <http://plato.stanford.edu>, acessado em 25 de agosto de 2007.

110. American Model Penal Code, s. 1.01 (1).

111. O co-promotor internacional nas Câmaras Extraordinárias começou a alegar isso. Robert Petit foi citado dizendo: “Nosso papel é muito preto e branco – descobrir se alguém é inocente ou culpado para além de toda dúvida razoável”. O.Ward, “Long road back to the killing fields”, Thestar.com, 11 de fevereiro de 2007, disponível em <http://www.thestar.com>, acessado em 25 de agosto de 2007.

112. Ver em geral, H. Strang e L. W. Sherman, “Reintegrative shaming experiments (rise): the victim’s perspective”, Canberra RISE Working Papers, n. 2, Australian National University, 1997, disponível em <http://www.aic.gov.au/rjustice>, acessado em 25 de agosto de 2007 (doravante Strang e Sherman).

113. M. Gladwell, “Here’s why: a sociologist offers an anatomy of explanations”, The New Yorker, 10 de abril de 2006, disponível em <http://www.gladwell.com/>, acessado em 25 de agosto de 2007 (escreve que “em todo o mundo moderno, as vítimas são os atores esquecidos no drama da justiça penal, explorados por suas provas, mas abandonados quanto ao resto”).

114. Ibid.

115. Fletcher e Weinstein, p. 594 (concluem que todos os sérvios bósnios e croatas bósnios participantes do estudo “expressaram a preocupação de que o Tribunal ad hoc para a ex-Iuguslávia fosse uma organização ‘política’; nesse contexto, ‘política’ significava tendenciosa e, portanto, incapaz de oferecer julgamentos justos”).

116. Idem, p. 583 (questiona o pressuposto de que os tribunais internacionais podem contribuir para a cicatrização social, a reconciliação, os sentimentos das vítimas e o Estado de Direito). Ver em geral, Christina M. Carroll, “An assessment of the role and effectiveness of the International Criminal Tribunal for Rwanda and the Rwandan National Justice System in Dealing with the Mass Atrocities of 1994”, Boston University International Law Journal, v. 18, nº.2, 2000, pp. 163-200.

117. M. Drumbl, “Punishment postgenocide: from guilt to shame to ‘Civis’ in Rwanda”, New York University Law Review, v. 75, nº. 5, 2000, p. 1258 e 1225.

118. BBC News Online, “Khmer Rouge film reveals horrors”, 16 de dezembro de 2006, p. 1, disponível em <http://news.bbc.co.uk>, acessado em 25 de agosto de 2007.

119. Munyas, op. cit.

120. Stover e Weinstein, pp. 11, 15 e 18.

121. Ver E. Davis, Artigo sobre Bokor, 2007, disponível em <http://leahbowe.com/deathpower/>, acessado em 25 de agosto de 2007.

122. L. Fletcher e H.Weinstein, “A world unto itself? The application of international justice in the former Yugoslavia” em E. Stover e H. Weinstein (eds.), My neighbor, my enemy: justice and community in the aftermath of mass atrocity, Reino Unido, Cambridge University Press, 2004, p. 29.

123. Stover e Weinstein, p. 323.

124. Em março de 2007, noticiou-se que grandes doadores prometeram 601 milhões de dólares para um ano de ajuda ao Camboja. Em abril, a China anunciou mais 600 milhões em doações e empréstimos. Human Rights Watch, op. cit. Ver também Voice of the Asian-Pacific Human Rights Network, op. cit. (observa que “a comunidade internacional gastou alguma coisa entre US$5-7 bilhões no Camboja na última década”).

125. A idéia é estabelecer de um processo penal começou com uma sugestão de Thomas Hammarburg, que trabalhava então para o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU no Camboja. T. Hammarberg, “Efforts to establish a tribunal against the Khmer Rouge leaders: discussions between the Cambodian Government and the UN”, trabalho apresentado no seminário organizado pelo Instituto Sueco de Assuntos Internacionais e o Comitê Sueco para Vietnã, Laos e Camboja sobre o Processo Proposto contra os Líderes do Khmer Vermelho Responsáveis for Crimes contra a Humanidade, Estocolmo, 29 de maio de 2001, disponível em <http://www.ui.se/uikr.pdf>, acessado em 25 de agosto de 2007, p. 8. Depois que uma carta de solicitação foi escrita pelos então co-primeiros-ministros (com Hammarburg), as possibilidades foram estudadas pelo Grupo de Especialistas da ONU que passou menos de dez dias Camboja. Group of Experts Report, op. cit., par. 7. Depois que suas sugestões foram rejeitadas, as negociações entre o governo cambojano e a ONU começaram a sério. A partir de então, tanto quanto eu saiba, jamais foi feito um estudo para determinar que características de um processo judicial seriam mais significativas para os cambojanos.

Tara Urs

Tara Urs passou dois anos no Camboja, trabalhando com a equipe de uma ONG local e como associada à Open Society Justice Initiative, tentando envolver os cambojanos em geral num diálogo sobre as Câmaras Extraordinárias. Ela formou-se cum laude na Escola de Direito da Universidade de Nova York, onde foi pesquisadora da cadeira Arthur Garfield de Liberdades Civis.

Email: tara.urs@gmail.com

Original em inglês. Traduzido por Pedro Maia Soares.