Ensaios

Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos

Clóvis Roberto Zimmermann

O caso do Bolsa-Família do governo Lula no Brasil

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RESUMO

O Bolsa Família tornou-se um dos principais programas de combate à fome no Brasil, pois para muitas famílias pobres, os benefícios desse Programa são a única possibilidade de obtenção de uma renda. Todavia, sob a ótica dos direitos humanos, esse Programa ainda apresenta uma série de obstáculos, os quais são analisados neste ensaio.

Palavras-Chave

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“Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como à sua família, saúde e bem-estar, especialmente alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e os serviços sociais necessários”
(Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948).

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Introdução

O debate em torno das políticas públicas e os direitos humanos é relativamente novo na área dos direitos humanos bem como no âmbito acadêmico, especialmente nas ciências sociais. No século passado, teorias de enfoque empírico comportamental dos atores políticos e sociais tiveram maior relevo, motivo pelo qual houve um desprestígio da ação estatal. Em função da queda dos países do bloco soviético, da conseqüente substituição das instituições comunistas e da criação de novos blocos econômicos, como a União Européia, as instituições enquanto tais ganharam maior importância nas ciências sociais.1  Segundo Bucci,2  a necessidade de estudos sobre as políticas públicas estaria ocorrendo na medida em que se busca a concretização dos direitos sociais. No campo dos direitos econômicos, sociais e culturais, as diretrizes voluntárias aprovadas em 2004 pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a alimentação),3  assinalaram o papel das instituições na realização do direito humano à alimentação Adequada: “Os Estados […] deveriam avaliar o mandato e o rendimento das instituições públicas correspondentes e, caso seja necessário, criá-las, reformá-las ou melhorar a sua organização e estrutura para contribuir para a realização progressiva do direito a uma alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional”.4  As mesmas diretrizes estabeleceram inclusive alguns critérios para o funcionamento dessas instituições, de modo especial, a participação cidadã: “Os Estados deveriam velar para que as instituições pertinentes possibilitem a participação plena e transparente do setor privado e da sociedade civil, e em particular de representantes dos grupos mais afetados pela insegurança alimentar”.5

Nesse contexto, o Programa de Transferência de Renda Bolsa Famíliatornou-se um dos principais instrumentos de combate à fome e de garantia do direito humano à alimentação no Brasil. A proposta vem sendo amplamente elogiada por cientistas sociais e por diversos meios de comunicação em nível mundial. Em recente artigo, publicado pela revista britânica the Economist (15.09.2005), o Bolsa Família é apresentado como uma nova forma de atacar um problema antigo, ou seja, a fome. A revista enfatiza que o Bolsa Família vem sendo o melhor caminho para ajudar os pobres, em comparação com os programas existentes anteriormente. Outros estudos realizados no Brasil destacam que o Programa representa um apoio significativo no sentido de garantir uma alimentação mínima a muitas famílias pobres brasileiras.6  Na opinião de Silva, Yasbek & Giovanni,7  o Bolsa Família possui um significado real para os beneficiários, uma vez que para muitas famílias pobres do Brasil, esse Programa é a única possibilidade de obtenção de uma renda. Quanto à questão da qualidade do Programa e da quantidade de pessoas beneficiadas (mais de 8,5 milhões de famílias até janeiro de 2006), o Programa significa um avanço em relação às propostas antecedentes. Entretanto, na ótica dos direitos humanos, o referido Programa ainda apresenta uma série de entraves, os quais serão analisados neste artigo.

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As políticas públicas de proteção social no Brasil

A principal característica das políticas públicas de proteção social no Brasil é a incompatibilização entre os ajustes estruturais da economia à nova ordem econômica internacional, os investimentos sociais do Estado e a garantia dos direitos sociais. Nesta ordem, o pensamento neoliberal até que concebe a necessidade de prestar ajuda aos pobres, mas possui enormes dificuldades em reconhecer as políticas públicas como um direito humano. Em função disso, o princípio das políticas de proteção social obedece muito mais ao discurso humanitário e ao da filantropia. “Esta lógica, que subordinou políticas sociais aos ajustes econômicos e às regras de mercado, moldou para a política social brasileira um perfil despolitizado, privatizado e refilantropizado”.8  É por isso que as intervenções estatais de combate à fome e à pobreza no Brasil caracterizam-se, conforme Magalhães,9  pela timidez, precariedade e intermitência, não assegurando os direitos sociais básicos à população pobre. O modelo bismarckiano baseado na contribuição individual introduzido no Brasil não chegou a ser totalmente institucionalizado e atualmente atravessa uma crise em decorrência da grande informalidade na economia. Para Souza,10  uma das conseqüências desse tipo de política é que os benefícios das políticas públicas de proteção social ficam por vezes limitados à elite, ao invés de serem generalizados às camadas mais desfavorecidas da sociedade. Por outras vezes, as políticas sociais brasileiras são caracterizadas por um alto grau de seletividade, voltadas para situações extremas, muito focalizadas, direcionadas aos mais pobres dentre os pobres, apelando muito mais à ação humanitária e/ou solidária da sociedade do que o provimento de políticas sociais por parte do Estado. Ainda, para Yasbek,11  os fundamentos na solidariedade e em seus componentes éticos e humanizados reforçam o deslocamento de ações de proteção social para a esfera privada,12  colocando inclusive em questão os direitos ora garantidos. Em virtude disso, faltam às políticas sociais no Brasil claras referências a direitos, sobretudo porque o sistema de proteção social brasileiro carece de mecanismos institucionais de exigibilidade administrativa dos direitos. Na verdade, há uma imensa discrepância entre os direitos garantidos constitucionalmente e/ou em diversos acordos internacionais do Estado brasileiro e as possibilidades reais de acesso às políticas sociais enquanto direito humano.

Programas de combate à fome e à pobreza em nível municipal

A adoção de programas de combate à fome e à pobreza em nível municipal através da introdução de programas de transferência de renda tiveram como base a proposta do senador Eduardo Suplicy (PT), apresentada no ano de 1991, ao preceituar legalmente uma renda mínima para todos os cidadãos brasileiros. O projeto do senador Suplicy motivou a publicação de vários artigos na grande imprensa e provocou intensos debates, dividindo opiniões, resultando em adesões e divergências. Esse projeto acabou por abrir novos caminhos no enfrentamento da fome e da pobreza no plano local. A partir de 1995, vários municípios brasileiros, a começar por Campinas, Ribeirão Preto e Brasília introduziram Programas de Renda Mínima, com o intuito de combater a fome e a pobreza. Fonseca13  ressalta que os projetos instituídos distanciam-se da proposta do senador Suplicy, pois introduzem-se o condicionamento e a exigência do compromisso, por parte das famílias pobres, de manterem suas crianças na escola14  para receberem o pagamento de uma Renda Mínima. Os mentores intelectuais desse tipo de auxílio argumentam que a pobreza familiar exerce uma grande influência sobre o ingresso precoce das crianças no mercado de trabalho, já que os custos para manterem as crianças na escola são muito altos. Argumenta-se ainda que, entrando cedo no mercado de trabalho, as crianças saem igualmente cedo da escola, tornando-se adultos com algum tipo de experiência no mercado de trabalho. Porém, devido à baixa escolaridade, acabam tendo somente acesso a empregos precários e conseqüentemente a uma baixa renda. Estando inclusos nesses círculos viciosos, esses novos adultos terminariam contribuindo para a manutenção dos mecanismos de reprodução da pobreza, já que a pobreza de hoje geraria a de amanhã.15  Mesmo que as intenções dessa condicionalidade sejam positivas, esse tipo de política reforça os velhos mecanismos de dependência e da falta de provisão de autonomia aos pobres nas políticas sociais brasileiras.

Além de exigir a manutenção das crianças na escola, a maioria dos Programas de Renda Mínima exige um tempo de residência fixa no município beneficiado, variando normalmente de 2 a 5 anos, como pré-requisito para que a família seja incluída no Programa, objetivando assim inibir a migração de pessoas ao local somente para obterem o benefício. Além disso, grande parte dos Programas estabelece um valor máximo a ser entregue às famílias, sendo que a maioria deles utiliza o teto de meio salário mínimo per capita. Segundo Sposati,16  existe uma tendência de rebaixamento desse valor, o que, conforme a autora, torna esse auxílio uma espécie de “esmola institucionalizada”. Em virtude dos seus critérios de elegibilidade, os Programas de Renda Mínima limitam-se a um público extremamente restrito, havendo uma verdadeira seleção entre os “mais pobres dentre os pobres”17  como conseqüência da falta de uma política baseada em direitos.

O estudo de Lavinas18  indica que os Programas de Renda Mínima no âmbito municipal são de reduzida possibilidade de generalização, uma vez que esses estariam restritos aos municípios com maior disponibilidade de recursos, enquanto os municípios com menor capacidade fiscal – a grande maioria no Brasil – ficariam impossibilitados de instituir tais Programas. Diante disso, Lavinas destaca a necessidade de uma participação maior tanto dos governos estaduais como do governo federal na implementação de medidas de combate à fome e à pobreza no Brasil.

Programas de combate à fomee à pobreza em nível federal

Segundo Bruera,19  começou-se a introduzir no Brasil, a partir dos anos noventa, uma política nacional de segurança alimentar, resultado da campanha de mobilização social, criada pela Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, tendo como protagonista o sociólogo Herbet de Sousa, o Betinho. Durante o governo de Itamar Franco (1992-1994), fundou-se o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), um órgão composto por representantes do governo e da sociedade civil, que se tornou um organismo de consulta e de coordenação das políticas governamentais no âmbito da segurança alimentar e do combate à fome.

O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) apostou, durante seu primeiro mandato, através do Plano Real e do conseqüente crescimento econômico advindo daquele plano, na estabilização da economia como forma de combater a fome e a pobreza no Brasil. Naquele período, qualificou-se “simbolicamente” os impactos da estabilização econômica através do propagado aumento do consumo de produtos, inclusive alimentícios, como o frango e o iogurte. Devido a essa prioridade política governamental, os avanços na construção de uma política de segurança alimentar perderam força. Para Flávio Valente,20  tratava-se de uma visão economicista para a resolução dos problemas da fome e da pobreza. Segundo o mesmo autor, a linha de ação do primeiro ano de mandato de Fernando Henrique Cardoso priorizou a “[…] estabilização econômica brasileira a partir da inserção acriteriosa da economia brasileira na economia globalizada, relegando a um segundo plano o enfrentamento imediato das precárias condições de vida de uma grande maioria da população brasileira”.21

A partir do segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, há uma mudança de orientação, de modo que as políticas de segurança alimentar adquiriram relevância explícita. Dentro da vasta gama de programas públicos, destaca-se a criação de uma Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Em decorrência dessa política, vários programas de distribuição de benefícios monetários às famílias pobres com crianças e adolescentes foram instituídos, sobretudo como incentivo ou indução ao acesso a políticas universais como saúde e educação.

Em 1996, foi lançado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI),22  com o objetivo de eliminar o trabalho de crianças e adolescentes em carvoarias, pedreiras, sisais, canaviais, laranjeiras e olarias. Em 1997, após vários debates, foi lançado o Programa de Garantia de Renda Mínima, que foi vinculado a ações socioeducativas, entrando em operação em 1999. Esse Programa foi reformulado em 2001, passando a se chamar Bolsa Escola23  vinculado ao Ministério da Educação. Em 2001, foram lançados os Programas Agente Jovem24  e Bolsa Alimentação,25  ligados ao Ministério da Saúde. Em 2002, foi criado o Programa Auxílio Gás,26  vinculado ao Ministério das Minas e Energia.

Antes de instituir os programas acima relacionados, o governo federal mantinha um Programa de distribuição de cestas básicas (chamado primeiramente de Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos – PRODEA, e, posteriormente, rebatizado como Cesta de Alimentos) voltado para o atendimento de diversos segmentos da população em situação de risco, quais sejam: famílias em condições de indigência; vítimas das conseqüências da seca; trabalhadores rurais sem terra e populações indígenas em estado de carência alimentar. O Programa atingiu o auge em 1998, quando chegou a distribuir cerca de 30 milhões de cestas básicas para 3,9 milhões de famílias, medida essa certamente motivada pelas eleições presidenciais daquele período.

Em 2001, o Programa de Doação de Cestas Básicas foi finalmente desativado, entrando em cena os programas de transferência direta de renda às famílias carentes. Nessa mudança de orientação – substituição da distribuição direta de produtos, em espécie, por recursos financeiros – não houve inicialmente uma continuidade: o Programa de Cestas Básicas foi interrompido e os de transferência de renda para os segmentos da população até então beneficiados ainda não havia sido colocados em prática.

Os estudiosos das políticas sociais brasileiras observam uma inexistência interativa entre os mais diversos programas e ações governamentais. Nos últimos dois anos da gestão Fernando Henrique Cardoso, esses projetos foram implementados por distintos ministérios e secretarias, não havendo uma ação interministerial coordenada. Muitas vezes, tais programas chegavam a concorrer entre si quando da liberação de recursos, como por exemplo: Programa Bolsa Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Bolsa-Alimentação. Tais programas foram executados por diferentes ministérios, impedindo a otimização das ações, resultando em alto custo operacional, em pouca efetividade e na falta de referência a direitos.27  Além disso, os municípios recebiam uma quota máxima de famílias a serem contempladas pelos benefícios acima citados. Com isso, novas famílias, mesmo que fossem extremamente vulneráveis e, portanto, portadoras desse direito, não podiam ser inseridas nos Programas. Na perspectiva dos direitos, essas famílias deveriam ter a possibilidade de requerer os benefícios e serem contempladas pelos Programas em um curto período de tempo.

Para o relator especial sobre o direito à alimentação da Comissão de Direitos Humanos da ONU, Jean Ziegler,28  os efeitos desses Programas na melhoria das condições de vida das famílias carentes foi relativamente pequeno: “Em relação ao impacto do programa nas famílias pobres, deve-se reconhecer que a presente transferência de R$ 15,00 por criança ao mês tem um impacto relativamente modesto sobre os níveis gerais de desnutrição e pobreza, embora forneça alguma renda extra para comprar alimentos”,29  Em virtude dos critérios de elegibilidade, da falta de intersetorialidade e da não garantia do acesso aos programas como um direito, houve o atendimento de apenas uma pequena parcela da população pobre. A inovação representada pela transferência de renda não foi suficiente para atingir o público alvo, ou seja, a maioria da população pobre. Por conseguinte, os programas sociais desenvolvidos seguiram a mesma lógica de intervenções públicas tradicionais, reproduzindo o modelo de fragmentação, segmentação, de focalização e da falta de acesso aos programas enquanto um direito humano.

O Programa Fome Zero do governo de Luiz Inácio Lula da Silva

A meta principal do presidente eleito para o mandato de 2003 a 2006, Luiz Inácio Lula da Silva, foi a implementação do Programa Fome Zero. Para tal propósito, logo ao tomar posse do cargo presidencial, Lula criou um Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA), cuja meta principal era formular e coordenar a implantação de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A criação do Ministério em questão foi uma inovação em termos de políticas públicas de erradicação da fome no seio da sociedade brasileira. No entanto, após um ano de existência, em 23 de janeiro de 2004, esse ministério foi extinto, tendo sido substituído pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Com essa medida, pretendeu-se incrementar a intersetorialidade das ações governamentais voltadas para a inclusão social, o combate à fome, a erradicação da pobreza e de desigualdades sociais. Ao novo Ministério foram transferidas as competências do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, do Ministério da Assistência Social e da Secretaria-Executiva do Programa Bolsa Família, vinculada à Presidência da República. Entre as principais atribuições do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, está a coordenação das políticas nacionais de desenvolvimento social, de segurança alimentar e nutricional, de assistência social e de renda da cidadania. Além do mais, cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome articular ações entre os governos estaduais, municipais e do Distrito Federal, assim como estreitar o relacionamento com a sociedade civil no estabelecimento das diretrizes dessas políticas.

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Do Programa Cartão Alimentação ao Bolsa Família

Dentre as principais, e uma das primeiras ações executadas pelo Programa Fome Zero, destaca-se a implantação do Programa Cartão Alimentação, posteriormente substituído, em 20 de outubro de 2003, pelo Programa Bolsa Família.30  Esse Programa teve inicialmente o intuito de centralizar os inúmeros programas de distribuição de renda existentes. Desse modo, o Bolsa Família é fruto da unificação dos programas de transferência de renda do governo federal, ou seja, Bolsa Alimentação (Ministério da Saúde), Auxílio Gás (Ministério das Minas e Energias), Bolsa Escola (Ministério da Educação) e o Cartão Alimentação (Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome). O objetivo dessa união foi a redução dos gastos administrativos, a partir de uma gestão coordenada e integrada intersetorialmente. Sob o ponto de vista dos direitos humanos, essa unificação foi um avanço, pois a centralização em um único programa evita a fragmentação e permite maior clareza em relação aos órgãos públicos responsáveis pela implementação. Em outros termos, com essa centralização há uma maior facilidade em definir a qual órgão uma pessoa deve recorrer em caso de solicitação do Programa, medida esta imprescindível para facilitar o acesso dos grupos sociais mais vulneráveis.

O cadastramento dos beneficiários do Bolsa Família é de responsabilidade da Prefeitura Municipal, cabendo à sociedade civil a tarefa de controlar as políticas através de conselho ou por um comitê instalado pelo Poder Público municipal. Nota-se aqui uma diferença em relação ao antigo Programa Cartão Alimentação,31  haja vista que no Bolsa Família a participação da sociedade civil fica restrita ao controle das políticas públicas, deixando de exercer papéis de caráter deliberativo. A restrição da participação da sociedade constitui um problema grave sob a ótica dos direitos humanos, uma vez que o Comentário Geral n. 12, elaborado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas exige o cumprimento dos princípios de transparência, participação popular e descentralização política na formulação e na implementação de políticas públicas destinadas à realização do direito à alimentação. “A formulação e a implementação das estratégias nacionais para o direito à alimentação requerem obediência total aos princípios de responsabilidade, transparência, participação, descentralização, capacidade legislativa e independência do judiciário”.32  O Comentário assinala que a participação é essencial para a realização dos direitos humanos, para a eliminação da pobreza e para garantir os meios de vida satisfatórios para todas as pessoas. Nesse sentido, o Estado, ao formular as políticas públicas e a legislação marco, deve propiciar a participação ativa da sociedade civil.

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Entraves ao Programa Bolsa Família sob a ótica dos direitos humanos

O Comentário Geral n. 12 das Nações Unidas, já mencionado anteriormente, define que “o direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada”. Para atingir tal propósito, cada Estado fica obrigado a assegurar a todos os indivíduos, que se encontrem sob sua jurisdição, o acesso à quantidade mínima essencial de alimentos. Ressalta-se que essa quantidade deve ser suficiente, garantindo que todos esses cidadãos estejam de fato livres da fome. Segundo Valente,33  o “direito de estar livre da fome” é o patamar mínimo da dignidade humana, o qual não pode ser dissociado do direito à alimentação adequada em quantidade, mas também em qualidade.

Dentre as principais concepções existentes para garantir que as pessoas tenham o “direito de estar livre da fome”, exigências do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC), ratificado pelo Estado Brasileiro sem reservas em 1992, encontram-se os Programas de Transferência de Renda, como por exemplo, os Programas de Renda Mínima e Renda Básica Universal.34  Vários estudiosos do assunto enfatizam a relevância das políticas públicas de proteção social, especialmente os Programas de Renda Mínima no combate à fome e à pobreza.35  Esping-Andersen36  ressalta a importância do sistema de proteção social europeu, através dos Programas de Renda Mínima, no que diz respeito à autonomia e à independência dos seres humanos perante os mecanismos destrutivos do mercado. Quanto a esse aspecto, Habermas37  destaca que as instituições de proteção social são parte integrante do Estado democrático constitucional, contra as quais não existem alternativas visíveis.

Provimento do Bolsa Família como um direito humano

Como aconteceu em governos anteriores, a maior debilidade do Bolsa Família38  ocorre pelo fato do Programa não ser baseado na concepção de direitos, pois o acesso ao Programa não é garantido de forma incondicional aos portadores de um direito. Em outros termos, o Bolsa Família não garante o acesso irrestrito ao benefício, já que existe uma limitação da quantidade de famílias39  a serem beneficiadas em cada município. Essa limitação ocorre, como já se afirmou, porque a cada município designa-se um número máximo de famílias a serem contempladas pelo benefício. A partir do momento em que essa quota é preenchida, fica “impossibilitada” a inserção de novas famílias, mesmo que sejam extremamente vulneráveis e, portanto, portadoras desse direito. Em virtude disso, o Bolsa Família não é concebido com base na concepção de garantir o benefício a todos que dele necessitem. Adota, ao contrário, uma seletividade por vezes excludente. A conseqüência dessa concepção é que famílias e pessoas pobres acabam não sendo incluídas no Programa, mesmo que sejam miseráveis e tenham a necessidade urgente de serem beneficiadas. Um exemplo disso são as mais de 1.200 famílias sem teto abrigadas em barracas de lona plástica no Setor Grajaú em Goiânia.40  Além disso, moradores de rua, indígenas, quilombolas, catadores de lixo e outros grupos extremamente vulneráveis ainda continuam sendo excluídos do Programa. Sob a ótica dos direitos, essas pessoas deveriam ter a possibilidade de requerer o benefício do Bolsa Família e serem contempladas pelo Programa em um curto período de tempo. Ainda, caso o benefício não fosse concedido, deveria haver a possibilidade de o requerer judicialmente.

Diante dos fatos expostos, percebe-se que a lógica do Programa está fundamentada no discurso humanitário da ajuda e da assistência41  ao invés do provimento de direitos. Na concepção dos direitos, o Bolsa Família deve garantir o acesso ao Programa e ao direito humano à alimentação como um direito de todas as pessoas elegíveis, sendo necessária a possibilidade de provisão dos benefícios a todos aqueles que estão em estado de vulnerabilidade. Da mesma forma, não deve haver a provisão de um tempo máximo de acessibilidade ao Programa, ao contrário, o mesmo deve ser concebido para atender as pessoas enquanto houver um quadro de vulnerabilidade, se necessário, a vida toda.

O princípio da universalidade e as condicionalidades

O artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhece o direito fundamental de toda pessoa de estar livre da fome e obriga os Estados-Parte a adotarem medidas e programas concretos para atingir esse fim. Da mesma forma, o Comentário Geral n. 12 estabelece que o direito à alimentação adequada é de essencial importância para a fruição dos demais direitos. Deve ser estendido a “si mesmo e sua família”, não implicando qualquer restrição para a aplicação desse direito a indivíduos ou famílias chefiadas por mulheres. Em outras palavras, o direito à alimentação adequada destina-se a toda e qualquer pessoa, independente da etnia, gênero, raça e contribuição individual. Trata-se de um direito individual a ser garantido de maneira universal e incondicional ao ser humano. Segundo Flávia Piovesan, a universalidade “chama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade”.42

O Bolsa Família impõe determinadas condicionalidades para o provimento do benefício, quais sejam: acompanhamento da saúde e do estado nutricional das famílias, a freqüência escolar e o acesso à educação alimentar.43  Sob a ótica dos direitos, a um direito não se deve impor contrapartidas, exigências ou condicionalidades, uma vez que a condição de pessoa deve ser o requisito único para a titularidade de direitos. A responsabilidade em garantir o provimento e a qualidade desses serviços aos portadores desses direitos compete aos poderes públicos responsáveis. A obrigação do cumprimento das condicionalidades (garantir escolas, postos de saúde) nessa perspectiva, cabe a esses poderes, e não às pessoas.44  Por isso, o Programa deve reconsiderar suas concepções acerca da imposição de condicionalidades e de obrigações aos beneficiários, pois a titularidade de um direito jamais deve ser condicionada. O Estado não deve punir e, em hipótese alguma, excluir os beneficiários do Programa, quando do não cumprimento das condicionalidades estabelecidas e/ou impostas. Dever-se-ia responsabilizar os municípios, estados e outros organismos governamentais pelo não cumprimento de sua obrigação em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos com condicionalidades.

O montante do Bolsa Família em comparação com os custos da Cesta Básica

Estudiosos dos Programas de Transferência de Renda e proteção social no Brasil reconhecem o baixo valor repassado pelo Estado aos beneficiários do Bolsa Família. Diante desse quadro, propõe-se como critério para a avaliação das políticas públicas de Transferência de Renda o custo da Cesta Básica Nacional. No caso do Brasil, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) acompanha mensalmente a evolução de preços de treze produtos de alimentação, assim como o gasto mensal que uma pessoa teria para comprá-los. As pesquisas do DIEESE avaliam o quanto um trabalhador/a em idade adulta precisaria para satisfazer as necessidades alimentares mínimas (Ração Essencial Mínima). A Cesta Básica Nacional calcula o sustento e o bem-estar de uma pessoa em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de proteínas, calorias, ferro, cálcio e fósforo. De acordo com esse parâmetro, os valores dos Programas de Renda Mínima, como o Bolsa Família, deveriam ter como critério o custo da Cesta Básica Nacional.

Entretanto, o valor do Programa Bolsa Família viola o direito humano à alimentação, uma vez que o mesmo é insuficiente para aliviar a fome de uma família brasileira, conforme demonstram os dados da Cesta Básica Nacional do DIEESE. A pesquisa da Cesta Básica Nacional, realizada pelo mesmo órgão, em junho de 2005 em dezesseis capitais do Brasil, considera que um trabalhador em idade adulta necessitaria do valor de R$ 159,29 para satisfazer as necessidades alimentares mínimas (Ração Essencial Mínima). O valor dessa cesta seria então suficiente para o sustento de uma pessoa em idade adulta.

Aumentar o valor da transferência do Bolsa Família para o equivalente da Cesta Básica Nacional do DIEESE (o valor do Bolsa Família é de no máximo R$ 95,00 por família, sendo que o mesmo deveria ser de no mínimo R$ 159,29 por pessoa adulta) deve ser uma medida a ser adotada para que o Estado Brasileiro realize minimamente o direito humano à alimentação, principalmente no que tange à sua obrigação em adotar medidas concretas para acabar com a fome. O Brasil como signatário do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais está obrigado a assegurar que os indivíduos e as suas famílias tenham acesso a uma quantidade mínima essencial de alimento, que seja suficiente para garantir que estejam livres da fome. Nas atuais modalidades, o Bolsa Família apenas contribui para mitigar e aliviar a fome.

Descentralização e exigibilidade administrativa

A efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais e em especial o direito humano à alimentação passa pela necessidade de se constituir uma nova institucionalidade na provisão desses direitos, a qual seja caracterizada pela descentralização, participação social, exigibilidade administrativa e alocação transparente dos recursos. Segundo Valente45  existe a necessidade de articular os programas federais com as iniciativas estaduais e locais. Na opinião de Salamanca,46  as prefeituras desempenham, mesmo na era da globalização econômica, um papel fundamental na exigibilidade dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Souza47  assinala que a experiência brasileira de governança local tem sido marcada por “forte inovação institucional” e por um complexo sistema de relações intergovernamentais, principalmente entre a União e os governos municipais. Tais inovações teriam ocorrido inicialmente pelo processo de redemocratização e, posteriormente, por decisões tomadas pelos próprios governos, tanto em nível federal como em nível local. “Apesar da capacidade desigual dos municípios brasileiros em tomarem parte nessa nova institucionalidade, existem indicações que apontam para mudanças na forma como a governança local está ocorrendo”.48  Segundo essa autora, tais indicações apontam para um maior envolvimento dos governos e das comunidades locais na provisão de serviços sociais universais e de bens públicos de uso comum, inclusive do Bolsa Família, indispensável à realização do direito à alimentação.

Para atingir tal objetivo, o Bolsa Família deve ser provido por uma nova institucionalidade, ou seja, por órgãos ou instituições nos municípios com determinações de responsabilidades transparentes e bem definidas, cuja finalidade seria a de facilitar não somente o acesso das pessoas ao Programa, mas também a possibilidade de se exigir o mesmo perante os órgãos governamentais. Nesse sentido, deveriam ser estudadas formas de instituição imediata de instrumentos que garantam a exigibilidade administrativa dos direitos dos titulares do Bolsa Família. Além disso, deve haver informações e órgãos públicos aos quais recorrer, para evitar a discriminação quanto ao acesso e/ou em caso de interrupção do Programa. Essas informações devem estar disponíveis de forma clara e acessível aos sujeitos de direito, principalmente aos mais vulneráveis. Até o presente momento, o Bolsa Família não garante mecanismos de acessibilidade universal ao Programa, principalmente para que os sujeitos de direito reclamem e exijam seus direitos quando esses estão sendo violados e/ou não estão sendo garantidos.

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Considerações finais

Em relação aos programas sociais anteriores ao Bolsa Família, este representa um avanço significativo no combate à fome no Brasil. Esse Programa tem possibilitado uma melhoria na alimentação de muitas famílias pobres brasileiras. Todavia, sob a ótica dos direitos humanos, o Bolsa Família ainda apresenta uma série de empecilhos. Sob essa perspectiva deve-se considerar que a um direito humano não deve haver a imposição de contrapartidas, exigências ou condicionalidades. Mais grave do que a exigência de contrapartidas é a punição de um portador de direito, especialmente a exclusão de um beneficiário do Programa pelo não cumprimento das condicionalidades. Isso constitui uma grave violação aos direitos humanos, uma vez que, como se indicou acima, um direito humano não pode estar atrelado ao cumprimento de exigências e outras formas de conduta. Além da questão das condicionalidades, o valor do benefício auferido pelo Programa Bolsa Família é insuficiente para garantir que todas as pessoas do país estejam livres da fome. Ou seja, o montante transferido pelo Programa é muito baixo para garantir o direito a uma alimentação Adequada, principalmente no que tange à provisão da quantidade mínima de alimentos. Diante desse fato, o critério a ser utilizado para a avaliação do valor do Programa deve ser o custo da Cesta Básica Nacional, que calcula o valor que cada pessoa adulta precisa mensalmente para satisfazer as necessidades alimentares mínimas.

Além de aumentar o valor, o Programa deve garantir mecanismos específicos de acessibilidade com claras referências aos órgãos públicos responsáveis pelo seu provimento. A acessibilidade significa que todos os sujeitos de direito possam ser incluídos no Programa quando seus direitos estão sendo violados, ou não estão sendo garantidos. Na concepção dos direitos humanos, essas pessoas devem ter a possibilidade de requerer o benefício e serem contempladas pelo mesmo num curto período de tempo. Caso o benefício não seja concedido, deve haver a possibilidade de que o mesmo seja requerido judicialmente.

Por fim, sob a ótica dos direitos, os programas sociais brasileiros devem ser desenhados, formulados e concebidos de forma universal, irrestrita, em que a condição de pessoa seja o requisito único para o aferimento de um direito. Além do provimento universal, os programas sociais devem garantir mecanismos de acesso em caso de violação, que sejam hábeis, rápidos, visando garantir a inclusão dos portadores de direito nos programas sem maior morosidade e burocracia.

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Notas

1. Com isso, há uma maior ênfase no papel do Estado e nas instituições, fazendo surgir a teoria neoinstitucionalista e suas três versões, quais sejam: o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico. A teoria neoinstitucionalista traz de volta ao debate das políticas públicas o papel central das instituições e dos diferentes modelos de gestão. O papel central das instituições é frisado numa expressão de March & Olsen “the organization of political life makes a difference” – o que faz a diferença é a organização da vida política (v. James March & Johan Olsen, Rediscovering institutions – The organizational basis of politics, New York, The Free Press, 1989, p. 159). Em função disso, enfatizam-se as diferentes tipologias de políticas públicas, seguindo uma tipologia de Esping-Andersen. Por um lado, as instituições são tidas como reguladoras de conflitos de interesse, vistas por alguns pesquisadores pela “abertura” de canais institucionais de participação de atores políticos. Por outro lado, alguns autores ressaltam o ideário da “limitação” dos canais de participação e do aumento da eficiência da ação estatal mediante a substituição racional da política (visão tecnocrática).

2. V. Maria Paula Dalari Bucci, “Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos,” In: Bucci et al. (Org.), Direitos humanos e políticas públicas, São Paulo, Pólis, 2001, p. 7.

3. Na Cúpula Mundial da Alimentação, cinco anos depois, celebrada em 2002, os chefes de Estado e de Governo convidaram o Conselho FAO a estabelecer um grupo de trabalho intergovernamental, o qual contou inclusive com a participação da sociedade civil. O objetivo desse grupo de trabalho foi o de elaborar um conjunto de diretrizes voluntárias para apoiar os esforços dos Estados Membros a atingir a realização progressiva do Direito à Alimentação Adequada no contexto da segurança alimentar nacional.

4. V. FAO, Diretrizes voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à uma alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional, Roma, 2004, Diretriz 5.1.

5. Ibid., Diretriz 5.4.

6. V. Clóvis Roberto Zimmermann, Combate à fome e o direito humano à alimentação no Brasil: O Programa Fome Zero do governo Lula, Passo Fundo: Passografic, 2004, p. 81.

7. Maria Ozanira da Silva e Silva; Maria Carmelita Yasbek; Geraldo di Giovanni, A política social brasileira no século XXI: A prevalência dos programas de transferência de renda, São Paulo: Cortez, 2004, p. 212.

8. Maria Carmelita Yasbek, “O Programa Fome Zero no contexto das políticas sociais brasileiras”, São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 18 , n. 2, 2004, p. 105.

9. Rosana Magalhães, “Integração, exclusão e solidariedade no debate contemporâneo sobre as políticas sociais”, Cadernos de Saúde pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, pp. 569-579, mai-jun, 2001, p. 577.

10. Marcelo M. Coelho de Souza, A transposição de teoria sobre a institucionalização do welfare state para o caso dos países subdesenvolvidos (texto para discussão n° 695), Rio de Janeiro: IPEA, 1999, p. 13.

11. Maria Carmelita Yasbek, op. cit., p. 105.

12. O sistema de proteção social brasileiro insere-se, pela suas características gerais, no que se convencionou a chamar de estado de bem-estarresidual. Essa definição implica que, quando os seres humanos não conseguem realizar seu direito à alimentação através do mercado, como acontece na perda do emprego, sobram a estas pessoas duas entidades que auxiliam em situação de fome e pobreza: igreja e família. Neste caso, não é a rede de proteção social do Estado que presta auxílio, mas entidades beneficentes da igreja e os próprios familiares. O Estado se abstém de garantir direitos às pessoas necessitadas, sendo que a responsabilidade recai sobre entidades privadas e particulares da sociedade.

13. V. Ana M. Medeiros da Fonseca, Família e política de renda mínima, São Paulo: Editora Cortez, 2001, p. 219.

14. Na maioria dos Programas de Garantia de Renda Mínima instituídos, os municípios somente transferem valores monetários às famílias com crianças em idade escolar, sendo que outros grupos necessitados, como os idosos, pessoas com deficiências e outros mais, não têm direito a esse benefício.

15. Idem.

16. Aldaíza Sposati, “Sobre os programas brasileiros de garantia de renda mínima – PGRM”, In: Aldaíza Sposati, (Org.), Renda mínima e crise mundial: Saída ou agravamento, São Paulo, Editora Cortez, 1997, p. 123.

17. Em Campinas, cidade que em 2000 contava com 969.396 habitantes, o Programa de Renda Mínima beneficiou, em 2002, somente cerca de 2.500 famílias.

18. Lena Lavinas Programas de garantia de renda mínima: Perspectivas brasileiras (Texto para discussão n. 596). Rio de Janeiro: IPEA, 1998.

19. Hernán Bruera, “Impacto de las institutiones y politicas públicas en el derecho a la alimentación”, In: FAO (org), Estudio de caso sobre el derecho a la alimentación en Brasil(Documento de Trabajo), 2003, p. 44.

20. Flávio Valente, “O Direito à Alimentação”, In: Benvenuto, Jayme/ Zetterström, Lena (Org.),Extrema pobreza no Brasil, São Paulo: Loyola, 2002, p. 79.

21. Idem.

22. O PETI atende famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo, com filhos na faixa etária entre 7 a 14 anos que se encontrem trabalhando em atividades consideradas penosas ou degradantes. O valor do benefício è de R$ 25,00 (zona rural) e de R$ 40,00 (zona urbana).

23. O Bolsa Escola foi concebido a partir das experiências municipais e transfere R$ 15,00 para cada filho entre 6 e 15 anos até o limite de três filhos por família. Exige-se a contrapartida da família manter as crianças na escola, objetivando o estímulo à educação e evitando o trabalho infantil.

24. O Agente Jovem destina-se a jovens de 15 a 17 anos em situação de pobreza e risco social pertencentes a famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo. O valor  repassado mensalmente é de R$ 65,00.

25. O Bolsa Alimentação atende a gestantes, nutrizes e crianças de seis meses até seis anos de idade pertencentes a famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo, pagando R$ 15,00 por filho, até o limite de três filhos.

26. O Auxílio Gás destina-se a famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo, transferindo R$ 7,50 por mês.

27. Para uma discussão sobre as políticas sociais no governo de Fernando Henrique Cardoso, v. Maria Ozanira da Silva e Silva (Org.), O comunidade solidária: o não enfrentamento da pobreza no Brasil, São Paulo: Cortez, 2001.

28. Jean Ziegler, Relatório do relator especial sobre o direito à alimentação (Relatório sobre missão ao Brasil), Genebra: Nações Unidas, E/CN. 4/2003/54/Add. 1, 2003, p. 16.

29. Ibid., p. 13.

30. O Programa Bolsa Família transfere aos beneficiários um valor fixo de R$ 50,00 para famílias com renda mensal de até R$ 50,00 por pessoa, tenham elas prole ou não. Além desse valor fixo, as que têm filhos entre 0 e 15 anos terão um benefício variável, de R$ 15,00 por criança, sendo computado o limite máximo de três filhos. Desse modo, somando-se todos os benefícios existentes, o Bolsa Família distribui o montante máximo de até R$ 95,00 por família. Para aquelas com renda per capita mensal superior a R$ 50,00 e menor ou igual a R$ 100,00 por indivíduo, o Bolsa Família deposita mensalmente o benefício variável de R$ 15,00 por filho com idade de  0 a 15 anos, até o limite de três benefícios. Fontes governamentais estimam que, em novembro de 2005, o Programa Bolsa Família transferia em média R$ 65,00 por família. Em janeiro de 2006, o Programa beneficiava um público de 8.644.202 famílias.

31. A implantação do Cartão Alimentação era viabilizada através de um Comitê Gestor local. A criação, escolha e eleição do Comitê Gestor era uma condição fundamental à implantação do Cartão Alimentação. Sem a participação da sociedade, ficava impossibilitada a implantação do mesmo. O Comitê, depois de instalado, tinha a função de selecionar as famílias a serem beneficiadas pelo Programa Cartão Alimentação em determinado município. Ou seja, esse Comitê tinha um caráter deliberativo na implementação do Programa.

32. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos/Onu. Comentário Geral número 12 – O direito humano à alimentação (art.11), Genebra: ONU, 1999, artigo 25.

33. Valente, op. cit., p. 53.

34. Os Programas de Renda Mínima distinguem-se da Renda Básica Universal. Os primeiros caracterizam-se pela transferência de renda mediante determinadas condições, ou seja, famílias com rendimentos inferiores ao que é considerado o nível de pobreza oficial, pessoas que estejam desempregadas, que possuam endereço residencial, que mandem os filhos à escola etc. O segundo programa não estabelece condicionalidades para o acesso ao benefício previsto, isto é, todas as pessoas de um país têm direito a esse benefício, independentemente do status econômico, social e cultural.

35. Lavinas, op. cit., e Jürgen Kohl, “Armut und Armutsforschung in der Europäischen Union“, In: Glatzer, Wolfgang; Habich, Roland; Mayer, Karl Ulrich (Org.), Sozialer Wandel und gesellschaftliche Dauerbeobachtung, Opladen: Leske + Budrich, 2002, pp. 163-179.

36. Esping-Andersen, The three worlds of welfare capitalism, Cambridge: Polity Press, 1990.

37. Jürgen Habermas, Die neue Unübersichtlichkeit, Frankfurt: Editora Suhrkamp, 1985, p. 152.

38. A própria denominação Bolsa apresenta sérios problemas sob a ótica dos direitos humanos, pois uma Bolsa indica algo temporário, passageiro, que possui um prazo para terminar, sem levar em conta a situação de vulnerabilidade das pessoas. Um direito não pode ser concebido na forma de uma bolsa, temporariamente, mas como algo permanente, a ser aferido enquanto houver um quadro de vulnerabilidade ou exclusão social.

39. O governo adota, na teoria, o conceito de família ampliada, isto é, unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e mantendo sua economia pela contribuição de seus membros. Entretanto, na prática utiliza-se o conceito de família nuclear.

40. Mais de 22,1% dos sem-teto declararam possuir renda per capita zero, entretanto nenhuma dessas famílias está recebendo os benefícios do Programa Bolsa Família (v. Clóvis Roberto Zimmermann, “Violação dos direitos humanos e discriminação dos sem teto em Goiânia”, Revista Espaço Acadêmico, Maringá, 08 nov. 2005, disponível em: , Acesso em: 08 nov. 2005.

41. Em virtude disso, esse Programa obedece aos critérios adotados pelo pensamento liberal, em que a tarefa de promoção social é transferida à sociedade ao invés de ser de competência do Estado.

42. Flávia Piovesan, “Direitos econômicos, sociais e culturais e direitos políticos”, Sur: Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Ano 1, n. 1, 2005, p. 22.

43. Em recente artigo, o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, defendeu as condicionalidades como uma forma de aplicação rigorosa do princípio republicano. Para efetivar o controle do Programa, foi criada uma Rede de Fiscalização do Bolsa Família, a qual envolve a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas, além de promotores e procuradores de justiça federais de todas as comarcas do território nacional. Ademais, programas complementares estão sendo implementados para efetuar o controle das condicionalidades (v. Patrus Ananias, “Bolsa Família é uma história de conquistas”, Fortaleza, Disponível em: , Acesso em: 04 nov. 2005.) Em decorrência disso, os gastos públicos com esse programa tornam-se bastante elevados, principalmente devido aos custos operacionais necessários para realizar o processo de seleção dos beneficiários e o controle das condicionalidades. Por isso, em muitos casos, os custos operacionais são maiores do que a própria transferência às famílias.

44. Há casos em que não existem escolas ou postos de saúde nas proximidades da moradia de pessoas pobres. Numa situação dessas, fica impossibilitado o próprio cumprimento das condicionalidades, pois o Estado nem mesmo oferece os serviços que ele ao mesmo tempo exige dos beneficiários.

45. Valente, op. cit, p. 103

46. Rosa Emília Salamanca, “Política pública y derechos econòmicos, sociales y culturales”, In: PIDHDD – Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarollo (Org.),Para exigir nuestro derechos. Manual de exibilidad en des, Bogotá: PIDHDD, 2004, p. 271.

47. Celina Souza, “Governos locais e gestão de políticas sociais universais”, São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 18, n. 2,  2004, pp. 27-41.

48. Ibid., p. 40.

Clóvis Roberto Zimmermann

É doutor em Sociologia Política pela Universidade de Heidelberg na Alemanha e assessor de políticas públicas e direitos humanos da organização não governamental de direitos humanos FIAN Brasil (Rede de ação e informação pelo direito a se alimentar) em Goiânia, Brasil.

Original em português.