Ensaios

O acesso à justiça e a proteção aos direitos humanos na Nigéria

Nlerum S. Okogbule

Problemas e perspectivas

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RESUMO

Este artigo examina a importância do acesso à justiça como instrumento essencial para a proteção dos direitos humanos na Nigéria e demonstra que uma pessoa só pode ver seus direitos fundamentais efetivados se tiver acesso aos tribunais. Em seguida analisa a situação vigente na Nigéria e aponta os inúmeros obstáculos que se interpõem à realização do acesso à justiça. Para confirmar tal constatação, o autor analisa vários desses obstáculos – atrasos injustificados na administração da justiça, custo elevado dos litígios, formalidades técnicas, analfabetismo e o princípio do locus standi. Finalmente, questiona as perspectivas de melhoria no acesso à justiça, constatando que, se fossem implementadas reformas judiciárias, introduzidos mecanismos alternativos de resolução de contendas – com menos ênfase nas normas técnicas – e fortalecido o Programa de Auxílio Jurídico, seria possível assegurar tal acesso, com um impacto positivo sobre a proteção dos direitos humanos no país.

Palavras-Chave

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O desenvolvimento político e constitucional da Nigéria tem se entrelaçado com a idéia de promover e proteger os direitos humanos. Desde as conferências constitucionais anteriores à independência,1  passando pela Primeira República, pela Segunda,2  e pelos vários períodos militares, até o atual governo democrático,3  as questões atinentes aos direitos humanos receberam merecida atenção dos discursos jurídico e político. Há um empenho sistemático, na Nigéria, em assegurar a proteção dos direitos humanos dos indivíduos, dos grupos e das comunidades.

A Comissão Willinck4  e a Comissão Oputa5  constituem testemunhos eloqüentes desse esforço combinado para promover e proteger os direitos humanos e a justiça no país. Enquanto a primeira teve por objetivo aliviar a sensação de marginalização dos grupos minoritários da época colonial, a Comissão Oputa analisou casos de abusos dos direitos humanos ocorridos entre 1o de janeiro de 1984 e 28 de maio de 1999.6  O relatório Oputa não pôde ser divulgado7  e tampouco foram implementadas suas recomendações, mas o simples fato de ter sido constituída tal Comissão revelou a preocupação do governo em corrigir os erros do passado em relação a abusos dos direitos humanos.

Embora seja fácil mencionar tais abordagens formais, o mesmo não se pode dizer da efetiva colocação em prática de mecanismos concebidos para favorecer a realização dos direitos humanos básicos. Isto porque existe ainda um verdadeiro abismo entre as declarações oficiais acerca do respeito pelos direitos humanos e sua efetiva implementação. A explicação para isso é que, aparentemente, há ainda incontáveis obstáculos de direito substantivo e processual ou impedimentos que não apenas inibem a efetiva implementação de tais medidas, mas impedem que as grandes massas da população tenham acesso à justiça na Nigéria.

A questão que então se coloca é: quais são esses impedimentos e como podem ser superados, de modo a garantir o acesso à justiça para a grande maioria dos nigerianos? Há algum mecanismo legal já integrado no sistema que poderia ser ativado para assegurar o acesso à justiça no país? Qual tem sido a resposta dos sucessivos governos à demanda pelo cumprimento dos direitos básicos mediante a ampliação do acesso à justiça?

O objetivo deste artigo é examinar tais questões e delinear um novo rumo em busca de promoção e proteção dos direitos humanos na Nigéria, aumentando o acesso à justiça. Inicialmente, discutiremos o conceito de acesso à justiça e sua relação com os direitos humanos, antes de avançar para uma análise dos diversos obstáculos de direito substantivo e processual que conspiram contra um acesso eficaz à justiça. Na parte final, o artigo aborda como o sistema judiciário pode se tornar mais sensível aos anseios e às aspirações dos nigerianos, assegurando o acesso à justiça para indivíduos e grupos e conseqüentemente melhorando a proteção aos direitos humanos.

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Estrutura conceitual

O acesso à justiça pode ser visto sob duas perspectivas principais: no sentido estrito e no sentido amplo. No sentido estrito, esse conceito pode ser considerado uma extensão do acesso aos tribunais. Uma conotação mais ampla permite abarcar também o acesso à ordem política e aos benefícios decorrentes do desenvolvimento social e econômico do Estado.8

Podemos assim afirmar, em termos genéricos, que o acesso à justiça implica acesso à justiça social e à distributiva. No entanto, é importante sublinhar o fato de essas perspectivas não serem necessariamente desvinculadas, pois a possibilidade de obter justiça distributiva em determinado sistema depende em boa parte do nível e da eficácia da justiça social no país. Por conseguinte, a discussão de um dos aspectos do conceito acarreta referências a um ou mais componentes do outro. E isso se deve ao fato de que, sem acesso à justiça, é impossível gozar de qualquer outro direito – seja ele civil, político ou econômico – ou assegurar sua realização. Assim, embora este artigo pretenda enfatizar o conceito no sentido estrito do termo, sua concepção mais ampla também integrará nossa análise.

Levando isso em conta, pode-se então afirmar que o acesso à justiça se refere simplesmente aos mecanismos de direito substantivo e processual existentes em determinada sociedade, destinados a assegurar aos cidadãos a oportunidade de recorrer ao sistema jurídico em busca de reparação contra a violação de seus direitos. Tem o foco nas normas e nos procedimentos existentes, a serem utilizados pelos cidadãos para ir aos tribunais definir seus direitos e obrigações civis.

Há implicações mais amplas. Já foi dito que o acesso à justiça não se limita aos mecanismos processuais para a resolução de contendas, mas inclui outras variáveis – as condições físicas das instalações em que se ministra justiça; a qualidade dos recursos humanos e materiais disponíveis; a qualidade da justiça efetivamente prestada; o tempo demandado para a prestação da justiça; a moral ilibada do prestador da justiça; a conformidade com os princípios do devido processo legal; a existência de condições, em termos de custos e de tempo, para se buscar justiça; a qualidade dos advogados que assistem às partes litigantes; a incorruptibilidade e a imparcialidade dos operadores do sistema.9

Percebe-se, pois, que acesso à justiça é um conceito abrangente, que inclui a natureza, os mecanismos e até mesmo a qualidade da justiça que se pode obter em determinada sociedade, bem como o lugar do indivíduo no interior desse contexto judicial.

Importante sublinhar também o fato de que o acesso à justiça sem dúvida oferece um indicador importante para avaliar tanto a existência do Estado de Direito quanto a qualidade do governo em determinada sociedade. Isso coloca em foco a insistência atual sobre transparência, accountability e boa governança como panacéia eficaz para o desenvolvimento socioeconômico.10

Embora o conceito de justiça seja em si de difícil definição,11  é possível dizer, com certa liberdade, que ele engloba eqüidade e imparcialidade. Assim, para haver acesso significativo à justiça é imprescindível a presença no sistema desses dois elementos, de modo a garantir a realização dos direitos fundamentais.

Além do mais, para melhorar o acesso à justiça em qualquer sociedade, é necessário dispor de uma infra-estrutura básica e contar com pessoal adequado, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos.

Por exemplo, nos lugares em que os tribunais não dispõem de pessoal suficiente, ou são conduzidos por homens e mulheres moralmente condenáveis, é difícil que o Estado possa assegurar justiça social a seus cidadãos. Funcionários corruptos no Judiciário podem realmente criar impedimentos graves à obtenção da justiça, mesmo que a infra-estrutura e os instrumentos jurídicos sejam operantes e bem-organizados.12

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A interface entre acesso à justiça e proteção aos direitos humanos

A relação do acesso à justiça com a proteção aos direitos humanos decorre do fato de que somente se puderem chegar aos tribunais as pessoas conseguirão defender e reivindicar seus direitos fundamentais. Em outras palavras, as estruturas jurídica e institucional existentes em determinado sistema podem chegar a impedir o acesso dos cidadãos aos tribunais, tornando-os incapazes de buscar o cumprimento e a proteção de seus direitos fundamentais.

Embora alguns desses mecanismos jurídicos e institucionais possam ter sido originariamente criados para atingir determinados objetivos, às vezes chegam a constituir tremendos obstáculos para a promoção e a proteção dos direitos humanos.

Ainda, outros obstáculos surgem da estrutura e da composição dos sistemas políticos e econômicos que operam em determinado país. No caso da Nigéria, tudo indica que uma combinação de obstáculos das duas categorias conduziu a uma incapacidade sistêmica de a ordem jurídica garantir o acesso à justiça no país. A importância dessa segunda categoria de obstáculos deriva do fato de que, para um país do terceiro mundo como a Nigéria, em que o nível de analfabetismo é inaceitavelmente elevado e as pessoas enfrentam excepcionais dificuldades para manter a subsistência, é inevitável que as questões referentes à proteção dos direitos humanos acabem por assumir importância secundária. O professor Claude Ake situou a relevância desses obstáculos no contexto e na perspectiva apropriados ao observar o seguinte:13

Por motivos que não nos cabe detalhar aqui, alguns dos direitos importantes no Ocidente não têm interesse nem valor para a maioria dos africanos. Assim, por exemplo, liberdade de expressão e liberdade da imprensa não significam muito para uma comunidade rural majoritariamente analfabeta e completamente absorvida pelos rigores da luta cotidiana pela sobrevivência […] se for para fazer sentido, uma Declaração de Direitos e Garantias terá de incluir, entre outros, o direito ao trabalho e a um salário digno, o direito à habitação, à saúde, à educação. Esse é o mínimo pelo qual podemos lutar se queremos algum dia ter uma sociedade consciente dos direitos humanos básicos […] na África, para que os direitos liberais façam sentido no contexto de um povo lutando para se manter à tona sob condições econômicas e políticas extremamente adversas, esses direitos têm de ser tangíveis. Tangíveis no sentido de que suas conseqüências práticas sejam visíveis e relevantes para as condições de existência do povo a que se destinam. E, mais importante, tangíveis no sentido de poderem ser vivenciados por seus beneficiários.14

Com efeito, para a grande maioria dos cidadãos, as questões relativas à proteção dos direitos humanos parecem um luxo que dificilmente lhes seria consentido.15  O resultado disso é que freqüentemente são vistas como um passatempo elitista feito para atrair as atenções, mesmo quando o objetivo subjacente é a promoção do bem comum.

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Fatores que inibem o acesso à justiça na Nigéria

Diversos obstáculos conspiram contra o acesso à justiça na Nigéria: alguns de natureza substantiva, outros, processual, e há ainda os que decorrem do atual sistema político e econômico do país. Examinaremos aqui alguns desses fatores, para verificar de que modo continuam a inibir o acesso à justiça na Nigéria.

Atraso na administração da justiça

Dizer que ocorrem atrasos absurdos na administração da justiça na Nigéria é uma afirmativa prosaica. No entanto, é difícil entender como os nigerianos lograram conviver com esse fenômeno durante várias décadas sem encontrar uma solução definitiva. É freqüente nos depararmos com processos comuns de rescisão ilegal de contratos de trabalho, ou mesmo ações pelo cumprimento de direitos fundamentais, que se arrastam por três, cinco ou mais anos. Diversas circunstâncias podem dar origem a esse atraso: advogados que redigem petições para adiar os processos; incapacidade dos magistrados para emitir suas sentenças no prazo; omissão das autoridades policiais ou penitenciárias no encaminhamento de acusados aos tribunais; aplicação do princípio do juiz natural, pelo qual um processo precisa ser reiniciado sempre que for assumido por um novo juiz etc.16  O resultado é que hoje, na Nigéria, já é quase aceito como fato consumado que a tramitação de um processo judicial levará longos anos até chegar à conclusão.17  Sob tais circunstâncias, é natural os cidadãos relutarem em iniciar processos para fazerem valer seus direitos fundamentais.

Não resta dúvida de que tais atrasos não apenas abalam a confiança pública no processo judicial, mas também solapam a própria existência dos tribunais (ver Oputa, 1992, op. cit.). Isso a despeito de a Constituição de 1999 garantir um julgamento rápido em seu Artigo 36, parágrafo 1, que dispõe: “Na determinação de seus direitos e obrigações civis, incluindo qualquer questão ou determinação por parte de ou contra qualquer governo ou outra autoridade, uma pessoa terá direito a um julgamento justo em prazo razoável por um tribunal estabelecido por lei e constituído de modo a assegurar sua autonomia e imparcialidade”.18  No mesmo sentido, o Artigo 36, parágrafo 4, da Constituição prevê que a pessoa acusada criminalmente sempre terá direito a um julgamento justo, em prazo razoável, por vara ou tribunal competente.

Infelizmente, a Constituição não define o sentido da expressão “prazo razoável”, empregada nos parágrafos citados. A Suprema Corte, porém, teve a oportunidade de dar uma definição no caso de Gozie Okeke,19  no pronunciamento do juiz Ogundare:20

Em seu sentido comum, o termo “razoável” significa moderado, aceitável, ou não-excessivo. O que é razoável em relação à questão de um réu ter um julgamento justo em um prazo razoável dependerá das circunstâncias de cada caso, inclusive o local ou o país onde o julgamento ocorrer, além dos recursos e da infra-estrutura disponíveis para os órgãos competentes do país. Assim, é enganoso utilizar o padrão ou a situação de fato de um país específico para determinar se os julgamentos em processos penais de outro país envolvem um atraso injustificável […] Uma demanda por um julgamento rápido que não leve em conta as condições e as circunstâncias do país seria irrealista e pior do que o próprio atraso injustificável do julgamento.

Prosseguindo, o magistrado declarou que, para averiguar se o julgamento de um réu ocorreu em prazo razoável, há de se considerar quatro fatores: “a duração do atraso, as razões dadas pela promotoria para o atraso, a responsabilidade do réu em fazer valer seus direitos e o prejuízo a que o acusado possa estar exposto”.21

De qualquer forma, fica claro que se um julgamento durar mais de três ou quatro anos é difícil dizer que ocorreu “em prazo razoável”. Entre as muitas causas para atrasos no processo judicial, algumas são endêmicas ao próprio sistema – como as regras processuais altamente complexas e técnicas –, enquanto outras são provocadas pelos operadores do sistema – funcionários dos tribunais que dão andamento aos processos judiciais, advogados que requerem infindáveis pedidos que implicam o adiamento do processo e magistrados aos quais falta a virtude da presteza (ver Oputa, op. cit., p. 162).

Embora se possa admitir como inevitável algum atraso em processos cíveis ou penais, tendo em conta a necessidade de assegurar “tempo e condições adequados”22  para as partes se prepararem, um atraso desmedido se torna ofensivo e prejudicial à administração da justiça. Nesse sentido, os tribunais deveriam considerar de forma mais séria a questão dos pedidos que implicam o adiamento do processo; pode-se sugerir que sejam considerados somente os que servirem para auxiliar o processo judicial, devendo-se rejeitar aqueles cujos fins são puramente protelatórios ou que não compreendem assuntos referentes ao mérito da demanda. Afinal, o tribunal tem o poder discricionário de acatar ou indeferir esses pedidos.23

Contudo, por mais que insistamos no desiderato da rápida liberação dos casos, deve-se ter sempre em mente a necessidade de assegurar a todas as partes a oportunidade de apresentar suas posições antes da decisão final do tribunal. Tal como o juiz Mikailu assinalou no caso do governador do estado de Ekiti:24  “Cada uma das partes tem direito a ser ouvida de forma plena, e não deve haver rapidez em excesso nem precipitação, de modo que o tribunal possa chegar a uma decisão justa. Justiça adiada é justiça negada, mas acelerar a justiça pode ter como resultado seu atropelamento”.25

No caso citado, em que o tribunal se recusou a conceder aos réus a oportunidade de apresentar provas, com o objetivo de evitar atrasos indevidos, sustentou-se que tal decisão violou o direito de ser ouvido com as devidas garantias, e foi ordenada a abertura de novo julgamento. Isso se deve ao fato de que, na doutrina, tal direito constitui um dos princípios fundamentais e pétreos do Direito Constitucional nigeriano, e qualquer outra norma que infrinja tal princípio, por mais bem-intencionada que seja, será necessariamente preterida.26

Custas da ação

É bem sabido que, em relação à situação econômica da Nigéria, as custas das demandas judiciais são tão elevadas que, se um cidadão comum precisar enfrentar uma questão legal, dificilmente poderá se dar ao luxo de obter representação adequada. Isso é tanto mais verdadeiro se levarmos em conta que a grande maioria dos nigerianos dedica-se o tempo todo à estrita manutenção da sobrevivência – de si mesmo e de sua família.

Talvez como forma de melhorar sua própria situação econômica, os advogados nigerianos criaram um método para cobrar não apenas seus honorários profissionais mas também uma taxa de transporte cada vez que se apresentam ao tribunal, onerando ainda mais, inevitavelmente, os encargos dos litigantes. Considerando o cenário em que um processo pode se prolongar por quatro ou cinco anos, é possível avaliar melhor a enormidade do ônus financeiro a que as partes em litígio estão sujeitas.

Como se não bastasse, alguns tribunais cobram emolumentos muito altos, tornando com freqüência inviável o acesso para a maioria dos nigerianos. É o caso, em particular, do Tribunal Superior Federal, em que as custas iniciais são proporcionais ao valor da causa pretendido pelos demandantes. Como resultado disso, é extremamente difícil para os nigerianos, em particular os que vivem na região do delta do Níger – vítimas habituais de derramamentos de petróleo, poluição e outras ameaças ambientais –, exercer seus direitos legais quando as atividades relacionadas à exploração petrolífera afetam de forma adversa suas atividades normais.27

De acordo com as atuais normas do Tribunal Superior Federal,28  para uma ação no valor de 10 milhões de nairas, o demandante tem de pagar antecipadamente uma taxa de protocolo superior a 50 mil nairas, como pré-requisito para dar entrada na demanda. Além disso, se a questão depender de laudos periciais e relatórios de avaliação, o cidadão nigeriano, rico ou pobre, deve anexá-los à petição inicial – embora se saiba que os honorários pagos aos profissionais responsáveis podem estar bem acima da capacidade financeira dos demandantes.

Efeitos de alguns dispositivos constitucionais

É irônico que alguns dispositivos constitucionais concebidos em essência para garantir a proteção aos direitos fundamentais tenham de modo involuntário o efeito de ocasionar atrasos no processo judicial. A esse respeito, cabe fazer referência a certos preceitos da Constituição de 1999. O Artigo 36, parágrafo 6.b, por exemplo, estipula que “toda pessoa acusada de delito penal terá direito a tempo e condições adequados para preparar sua defesa”.29

Como têm sido a interpretação e a aplicação desse dispositivo constitucional nos tribunais?

O princípio norteador tem sido garantir que um acusado possa se valer de todas oportunidades disponíveis para apresentar adequadamente sua defesa em um processo penal. Isso implica, por exemplo, que se ele for citado em juízo e não dispuser de um advogado, o tribunal lhe concederá um prazo para contratar os serviços de um profissional.30  De modo similar, se o acusado solicitar um documento específico ou os autos processuais para sua defesa e estes não ficarem disponíveis de imediato, ele deverá dispor de prazo suficiente para providenciar a obtenção de tal documento ou de tais autos, ou mesmo abrir um processo, se tiver essa intenção.31  Em geral, a aplicação dessa norma não deveria provocar atrasos indevidos mas, nas circunstâncias peculiares da Nigéria, com o onipresente “fator nigeriano”,32  muitas vezes ela tem resultado em prolongados adiamentos e freqüentes abusos.

Confiança indevida nas normas técnicas

O direito é uma matéria eminentemente técnica e essa tecnicidade manifesta-se nos diversos procedimentos e normas aplicáveis. Para conseguir chegar aos tribunais, um demandante precisa contratar os serviços de um advogado, que dará início à ação, em seu nome. Por maior que seja seu nível sociocultural, em geral o demandante é incapaz de compreender os intricados procedimentos e normas aplicáveis a seu caso. Com certeza, a situação é bem pior para um analfabeto nigeriano – e, ao nos darmos conta de que a imensa maioria da população nigeriana é composta de analfabetos, podemos entender melhor o verdadeiro quadro.

Se acrescentarmos os problemas procedimentais que muitas vezes ocorrem para a propositura de ações reivindicando o cumprimento de direitos fundamentais, o quadro fica completo. Tem havido alguma controvérsia sobre o procedimento adequado a ser seguido para promover ações de reivindicação dos direitos fundamentais na Nigéria. Esse problema tornou-se ainda mais crítico após entrarem em vigor as Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979.33  Enquanto alguns juízes consideram que o único procedimento aceitável é aquele prescrito na Norma, outros adotam uma posição divergente. Assim, no processo Din vs Attorney-General of the Federation,34  o juiz Nnaemeka Agu declarou: “As Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979 prescreveram oprocedimento correto e único para a efetivação de direitos fundamentais constantes do Capítulo IV da referida Constituição”.35

Esse procedimento é feito em duas etapas: a primeira estipula um pedido prévio ex-parte para requerer a permissão para a efetivação do direito fundamental e, a segunda, subseqüentemente, prevê a apresentação da petição inicial com pedido de citação e com uma declaração feita sob juramento.36

Contudo, no caso subseqüente, de Alhaji Dahiru Saude vs Alhaji Haliru Abdullahi,37 o autor ingressou com uma ação para proteger seus direitos fundamentais, o que gerou o mandado de citação após obter permissão do tribunal; mas o mandado de citação não foi assinado pelo juiz encarregado do processo, conforme determinado pelas Normas. A Suprema Corte considerou irrelevante o procedimento adotado, pois estava clara a intenção de pedir proteção para o cumprimento de direitos fundamentais. Nas palavras do juiz Kayode-Eso:38  “Sou da opinião que não importa muito de que modo a petição foi feita, desde que esteja claro que pede proteção contra a violação de direitos garantidos nos termos da Constituição”. Acrescentou que as Normas do Procedimento para Efetivação estão redigidas de forma clara e não estabelecem que os procedimentos nelas contidos sejam os únicos aceitos para requerer tal proteção.39

Existe também o problema correlato de determinar em que medida uma ação reivindicando o cumprimento de direitos fundamentais pode ser anexada de forma válida a outra demanda, referente a reivindicações substantivas.40  O divisor de águas nessa área é o processo de Alhaji Umaru Tukur contra o governador do estado de Taraba,41  em que o apelante fora deposto da função de emir de Muri e mantido sob prisão domiciliar por vários meses. Ele ingressou com uma demanda no Tribunal Superior Federal nos termos das Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979, para a efetivação de seus direitos fundamentais. A Suprema Corte entendeu que, como a queixa inicial do apelante era sua deposição da função de emir de Muri, as alegadas violações a seus direitos fundamentais – a um julgamento imparcial e à liberdade de ir e vir – eram meramente acessórias à demanda principal e que, nessas circunstâncias, a condução do processo nos termos das Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979 era inadequada.42

Essa insistência em torno de regras técnicas relativas à categorização da demanda entre principal ou acessória vem representando um impedimento grave ao acesso à justiça e à proteção dos direitos fundamentais na Nigéria. Embora seja impossível manter um sistema jurídico com pessoas especificamente treinadas nesse campo sem definir regras técnicas para isso,43  sugerimos que essas tecnicidades sejam minimizadas até um nível aceitável, que facilite o acesso à justiça por parte da grande maioria dos nigerianos.

Locus standi

Outro fator ao qual se recorre com freqüência para impedir o acesso aos tribunais na Nigéria é o já desgastado conceito de locus standi, que pode, de fato, criar significativos obstáculos à questão da proteção dos direitos humanos. Não é fácil definiro conceito de locus standi, mas é possível afirmar que corresponde, essencialmente, às condições existentes para um processo. Refere-se ao direito de uma das partes de um processo ser ouvida perante uma corte ou um tribunal, ou à capacidade legal de iniciar ou propor uma ação perante uma corte de jurisdição competente sem qualquer inibição, obstrução ou impedimento.44  Em outros termos, “para que alguém tenha locus standi em um processo, essa pessoa precisa poder demonstrar que seus direitos e obrigações civis foram infringidos ou correm o risco de sê-lo. Assim, o fato de uma pessoa não ter êxito em uma ação nada tem a ver com a circunstância de ela poder ou não entrar com a ação”.45

Nesse ponto, é pertinente observar que com freqüência são empregados dois testes para determinar o locus standi de uma pessoa: a ação tem de ser justificável e deve haver uma efetiva disputa entre as partes.

Os tribunais também adotaram a posição, a nosso ver correta, de que é melhor permitir que uma parte ingresse com uma ação e seja ouvida do que lhe vedar o acesso aos tribunais.46  Isso porque os tribunais nigerianos têm poderes específicos para lidar com litigantes temerários ou demandas frívolas. A justiça não pode ser racionada.47  O juiz Fatayi-Williams sublinhou esse aspecto quando, no caso do senador Abraham Adesanya,48  declarou:

[…] Reconheço o fato de a Nigéria ser um país em desenvolvimento, com uma sociedade multiétnica e uma Constituição Federal escrita, onde a boataria é o passatempo nos lugares de comércio e construção. Negar a qualquer membro de tal sociedade que tenha conhecimento, ou acredite ou seja induzido a acreditar que ocorreu uma infração de algum dos dispositivos de nossa Constituição […], a ter acesso aos tribunais para dar vazão a suas queixas, com uma desculpa superficial (por falta de suficiente interesse) é oferecer uma receita pronta para um sistemático desencantamento com o processo judicial.49

Além disso, é essencial que o demandante, antes de recorrer aos tribunais, possa demonstrar suficiente interesse jurídico pelo objeto da ação. No entanto, os tribunais proferiram várias decisões para definir a expressão “interesse suficiente” e, ao fazer isso, às vezes atuaram, na realidade contra o acesso à justiça. Assim, por exemplo, no processo movido por Irene Thomas contra Timothy Olufosoye,50  os autores, membros da Congregação Anglicana da diocese de Lagos, contestaram a nomeação do reverendo Joseph Abiodun Adetiloye para a função de bispo de Lagos e requereram aos tribunais sua anulação.

Em sua petição inicial, os autores não disseram se tinham interesse pelo cargo de bispo da diocese, nem de que modo seus (eventuais) interesses teriam sido afetados pela nomeação do reverendo Abiodun Adetiloye. Alegaram que não estavam interessados em um candidato específico, mas questionavam o processo de nomeação do reverendo Adetiloye por infringir dispositivos da Constituição da Igreja da Nigéria (Confissão Anglicana).

A Defesa contestou a validade da ação, sustentando que os autores não detinham locus standipara instituí-la e a Suprema Corte manteve o entendimento de que os recorrentes não detinham locus standi na questão. Em seu voto concordante, o juiz Oputa51  fez esta importante declaração:

A questão então se coloca – quem, ou qual lei, investiu os Autores do direito legal de defender a Constituição da Igreja Anglicana na Diocese de Lagos, ou o simples fato de os Autores serem membros da Congregação Anglicana na Diocese de Lagos ipso facto, e para citar, mutatis mutandis, as palavras memoráveis de meu ilustre colega Bello, JSC no caso Senador Adesanya vs Presidente da Nigéria (1981) 2 NCLR 358, p. 384, quem lhes confere o direito de “fazer o papel de arquivistas e erigir um santuário para preservar os sagrados dispositivos da Constituição da Congregação Anglicana? O que os torna por acaso sentinelas para afastar todos aqueles que suspeitam serem transgressores potenciais da Constituição da Congregação Anglicana? Quem os alista depois no exército para pegar em armas contra todos aqueles que consideram agressores da Constituição da Congregação Anglicana? Ou será que os Autores estão simplesmente se constituindo em uns ‘enxeridos’, a deambular pela Diocese de Lagos processando e perseguindo todos aqueles que considerarem ofensores constitucionais (no caso, da Constituição da Congregação Anglicana)?”52

O juiz Obaseki também manifestou concordância com o voto acima, declarando: “Este tribunal não faz a lei. Sua função é administrar e interpretar a lei. Tal como a lei hoje se configura, não há espaço para se adotar as modernas concepções de locus standi em voga na Inglaterra e na Austrália. A adoção de tais abordagens na Inglaterra encontra apoio na legislação da própria Inglaterra” (grifo nosso).53

Claro está que tais abordagens conservadoras têm o efeito de limitar o acesso à justiça na Nigéria, pois impedem que um nigeriano, ainda que seja deputado federal, tome qualquer medida judicial contra uma infração à Constituição da Nigéria. Felizmente, em época mais recente, os tribunais começaram a adotar uma abordagem mais liberal da questão do locus standi,54  mas ainda são encontrados remanescentes desse conservadorismo.55

Analfabetismo

Conforme já mencionado, outro obstáculo significativo para a consecução do acesso à justiça na Nigéria é o elevado nível de analfabetismo existente. É uma infelicidade que a estrutura socioeconômica do país tenha tornado impossível o acesso à educação para a grande maioria dos nigerianos, a despeito dos diversos planos e programas de desenvolvimento lançados pelos sucessivos governos, todos enfatizando a importância da educação.

Esse problema agravou-se com o atual colapso do sistema público de ensino, inclusive das universidades, o que converteu a educação em uma mercadoria exclusiva a ser adquirida e consumida pela burguesia, em instituições privadas.56

No entanto, nunca será demais enfatizar o inestimável valor da educação e sua capacidade de fortalecer a cidadania. Ao contrário do analfabeto, uma pessoa com bom nível de escolaridade adapta-se mais facilmente às realidades de uma determinada situação e tem capacidade intelectual para insistir na defesa de seus direitos. A educação confere-lhe, assim, o poder de maximizar as oportunidades e os recursos disponíveis em seu meio.

É preciso insistir no fato de que, se a educação é capaz de liberar o indivíduo da ignorância, da pobreza e da doença, sua ausência tem graves implicações mentais, políticas e econômicas, que impedem, em boa medida, o acesso à justiça na Nigéria. Em nível particular, gera pobreza, submissão e mesmo conivência forçada com agentes da opressão e da marginalização. O resultado de tudo isso é que uma grande maioria de nigerianos vive hoje sem acesso à justiça social, alheia às estruturas políticas e econômicas.57

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Perspectivas e propostas de reforma

A questão do acesso à justiça na Nigéria é tão fundamental para a promoção e a proteção dos direitos humanos que se torna necessário avaliar suas perspectivas à luz das deficiências e inadequações ressaltadas acima.

Não resta dúvida de que o atual governo deseja incentivar a promoção e a proteção dos direitos humanos no país, em consonância com as normas democráticas. Exortações58  enfatizando essa preocupação só ganham significado se forem empreendidos esforços consistentes para direcionar a discussão de acordo com as linhas de ação a seguir.

Reforma judiciária

A reforma do processo judicial impõe-se no país, em consonância com a preocupação global referente à proteção dos direitos humanos. Isso se faz necessário porque o papel do Poder Judiciário é central no processo de garantir às pessoas o acesso à justiça. Sugere-se que o ponto de partida para tal reforma seja uma revisão das normas judiciais relevantes que inibem o acesso à justiça. Nesse sentido, será preciso rever os procedimentos abusivos e as normas do Tribunal Superior Federal que impedem uma grande parcela de cidadãos do delta do Níger de reivindicar seus direitos ambientais, tendo em vista as custas iniciais exorbitantes, promovendo a redução dos emolumentos. Com certeza essa medida irá gerar uma sensível redução das agitações e das crises que hoje afligem a região, pois melhorará o acesso aos tribunais e facultará às pessoas prejudicadas a oportunidade de apresentar seus pontos de vista e suas demandas em uma instância judiciária.

Tal como o juiz Fatayi-Williams declarou no caso do senador Abraham Adesanya, é melhor as pessoas terem acesso aos tribunais do que agirem com base em boatos sobre as atividades governamentais. É aí que entra o ativismo do judiciário, pois os tribunais atuarão como efetivos instrumentos de demandas e reivindicações de direitos. É gratificante conhecer a recente declaração do Secretário da Justiça da Federação a respeito da decisão do governo federal de incentivar e apoiar a revisão das Normas do Tribunal. De acordo com ele, os objetivos de tal revisão incluem:59

• reduzir o custo processual do litígio e ampliar o acesso à justiça;

• reduzir os atrasos, assegurando que as decisões sejam proferidas de forma rápida;

• assegurar oportunidades iguais às partes, independentemente de suas posses, para sustentar ou defender seus direitos;

• tornar o sistema judiciário compreensível para seus usuários.

É preciso também empreender esforços deliberados para reduzir a persistente demora em se obter justiça no país. Uma situação em que um simples processo de demissão irregular de um funcionário pode levar de três a cinco anos para ter uma decisão final desmoraliza o sistema jurídico e zomba do compromisso do governo de assegurar um crescente acesso à justiça para a ampla maioria dos nigerianos.

Mecanismos alternativos de resolução de contendas

De modo ainda mais significativo, é indispensável que sejam feitos esforços para aumentar o conhecimento e o recurso efetivo à arbitragem ou a outros métodos alternativos de resolução de contendas no país. Além de serem mais produtivos, tais mecanismos espelham melhor os métodos tradicionais de resolução de contendas que tão bem atenderam às sociedades africanas antes da imposição do sistema de adjudicação inglês.60  Felizmente, observa-se uma tendência crescente de formalizar e popularizar o uso desses mecanismos como alternativas viáveis à solução judiciária de contendas na Nigéria.61

É indiscutível que o recurso a esse mecanismo, aliado a uma melhoria nas condições socioeconômicas e políticas das massas, representarão avanços no sentido de assegurar a ampliação do acesso à justiça para a maioria dos nigerianos.

Reforço do Programa de Assistência Jurídica

Uma instituição importante que pode ser mobilizada para melhorar o acesso à justiça no país é o Programa de Assistência Jurídica, que foi instituído para prover assistência a nigerianos indigentes e impossibilitados de contratar os serviços de profissionais particulares para defender seus direitos.62

Embora o programa não tenha obtido um impacto significativo em sua empreitada ao longo dos anos, em parte devido a problemas de ordem estrutural e operacional,63  sugere-se que se torne mais proativo para atender aos anseios e às aspirações dos nigerianos, possibilitando maior acesso à justiça. Isso acarretará, sem dúvida, uma ampliação do escopo de suas operações, em termos de aumentar o nível e a categoria dos potenciais beneficiários do programa e a cobertura de assuntos, associando uma prática incisiva de esclarecimento da população. Isto porque, esquemas similares se mostraram extremamente bem-sucedidos como instrumento de intensificação do acesso à justiça em países como a Índia.

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Conclusão

Procuramos neste artigo demonstrar o vínculo entre o acesso à justiça e a busca pela promoção e pela proteção dos direitos humanos na Nigéria. Apresentamos também vários obstáculos fundamentais que impedem a consecução dessa meta, altamente desejável, de maior acesso à justiça. Alguns desses obstáculos são de natureza substantiva, enquanto outros são processuais. Salientamos ainda que alguns dos dispositivos constitucionais previstos para assegurar a proteção dos direitos humanos acabaram tendo o efeito involuntário de gerar atrasos indevidos e, por conseguinte, conspirar contra o acesso à justiça.

Subentende-se assim que é preciso encontrar um equilíbrio sutil e benéfico entre o desejo de maximizar a proteção aos direitos humanos e o imperativo de assegurar um acesso mais amplo à justiça na Nigéria.

Assim, o direito de uma pessoa acusada dispor de tempo e condições adequadas para preparar sua defesa não precisa resultar em atrasos injustificáveis na prestação da justiça, que tem sido definida como um tráfego em três vias: a do demandante, a do acusado e a da sociedade em geral.64  Isso requer programas bem pensados, que levem em conta esses fatores e considerações para melhorar a obtenção de justiça.

Somente quando abordarmos a questão nessa vertente é que a preocupação dominante com a melhoria no acesso à justiça na Nigéria poderá ser atendida, de forma a assegurar aos direitos humanos fundamentais seu lugar apropriado na ordem das coisas.

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Notas

1. Incluindo, entre outras, a Conferência Constitucional de Londres e a Conferência de Lagos, que levaram à adoção de diversas constituições para o país: a Constituição Clifford (1922), a Constituição Richards (1946), a Constituição Macpherson (1951) e a Constituição Lyttleton (1954). Ver S. T. Hon, Constitutional Law and Jurisprudence in Nigeria (Port Harcourt, Nigéria: Pearl Publishers, 2004), pp. 4-8.

2. A Primeira República vai de 1960 a 1966; a Segunda, de 1/10/1979 a 31/12/1983. Esses dois períodos de regime civil foram encerrados por golpes militares.

3. O atual governo civil assumiu o poder em 29/5/1999, após cerca de 15 anos de sucessivos regimes militares, famosos por brutais violações dos direitos humanos. Ver S. Tolofari,Exploitation and Instability in Nigeria, The Orkar Coup in Perspective (Lagos: Press Alliance Network, 2004). Esse governo criou a Conferência Nacional para as Reformas Políticas, para controlar a crescente agitação promovida por distintos grupos em diversas regiões do país.

4. Instituída em 1957, fez recomendações de longo alcance para reparar injustiças impostas aos grupos minoritários. Infelizmente, tais recomendações não chegaram a ser implementadas pelo governo antes do golpe militar de 1966.

5. Criada pelo atual governo em 7/6/1999, e chefiada pelo ex-presidente da Corte Suprema nigeriana, Chukwudifu Oputa, teve entre seus objetivos verificar e definir as causas, a natureza e a extensão das violações ou dos abusos dos direitos humanos, identificar pessoas, autoridades, instituições ou organizações responsáveis por tais violações e abusos, além de fazer as recomendações apropriadas.

6. Conforme definido no mandato da Comissão.

7. A Comissão Oputa visitou diversas regiões do país e colheu provas de inúmeras vítimas de abusos contra os direitos humanos, às vezes com dramáticas demonstrações públicas. Infelizmente, seu trabalho foi dificultado por questionamentos judiciais e, por fim, suas recomendações não puderam ser publicadas. Ver Brigadier General A. K. Togun (Rtd.) vs Hon. Justice Chukwudifu Oputa (Rtd.) and 3 Others (2001) 16 NWLR [Nigerian Weekly Law Reports] pt. 740, p. 577; e Chief Gani Fawhinmi and 2 Others vs General Ibrahim Babangida (Rtd.) and 2 Others (2003) 3 NWLR pt. 808, p. 604.

8. Ver C. A. Oputa, In the Eyes of the Law (Friends Law Publishers, 1992), p. 50.

9. Ver M. I. Gwangudi, “Problems Militating against Women’s Access to Justice in Nigeria” (University of Maiduguri Law Journal n. 5, 2002), pp. 13-14.

10. Ver G. Akinrinmade & O. Oloyide, “The Best Models for Good Governance in Africa”, in D. A. Guobadia & E. Azinge (eds.), Globalisation, National Development and the Law, Anais da 40ª Conferência Anual da Nigerian Association of Law Teachers (NIALS), 2005, p. 51.

11. Ver R. W. M. Dias, Jurisprudence (4. ed., Butterworths, 1976), p. 67.

12. Nas palavras de C. Oputa (op. cit, p. 12). “É uma verdadeira calamidade termos um magistrado corrupto, pois o dinheiro – oferecido e recebido – corrompe e polui não apenas os canais da justiça mas seu próprio fluxo. Honestidade e retidão judicial constituem, pois, os requisitos mínimos para o exercício da magistratura”.

13. C. Ake, “The African Context of Human Rights”, documento apresentado na International Conference on Human Rights in the African Context, realizada em Port Harcourt, 9 a 11 de junho de 1987, citado em T. Aguinola Aguda, Human Rights and the Right to Development in Africa (Lagos: Nigerian Institute of International Affairs, 1989), p. 26.

14. Ver também J. N. Aduba, “Human Rights and Social Justice in Nigeria: Issues, Dilemma and Options”, in A. U. Kalu & Y. Osinbajo (eds.), Perspectives on Human Rights (Nigerian Federal Ministry of Justice, 1992), pp. 229-231.

15. Ver T. A. Aguda, The Crisis of Justice (Akure, Nigéria: Eresu Hills Publishers, 1986), pp. 31-33.

16. O autor deste artigo trabalha no momento em um caso iniciado em 1984, referente à herança de um imóvel, que continua pendente no Tribunal de Justiça de Okehi, no estado de Rivers, na Nigéria, essencialmente como conseqüência da aplicação do princípio de novo no julgamento. Cada vez que o processo chega a certo nível, é nomeado um novo magistrado para a vara em questão, e o processo tem de ser reiniciado. Tem sido este o destino do processo em questão, com alto custo financeiro para as partes em litígio.

17. Ver os exemplos dados por Akinnola Aguda, 1986, op. cit., pp. 15-16.

18. Este dispositivo foi objeto de interpretação e aplicação judiciais em vários casos. Ver, por exemplo: Ifeanyi Nwankwu and Another vs Oraegbunam Anieto, Esq. (2002) 2 NWLR pt. 752, p. 729; Governor of Ekiti State and 4 Others vs Prince James A. Osayomi and 2 Others (2005) 2 NWLR 67, pp.71-72.

19. Caso Gozie Okeke vs The State (2003) 15 NWLR pt. 842, p. 25.

20. Id., pp. 84-85.

21. Id., p. 85.

22. Conforme previsto no Artigo 36.4 da Constituição. Ver adiante uma discussão sobre o sentido dessa expressão.

23. A Suprema Corte reafirmou esse princípio no recente caso Alsthom S.A. vs Doutor Olusola Saraki (2005) 3 NWLR pt. 911, p. 208, ratios 3, 4 e 5. Ver também Fred Chiedozie vs Dayo Omosawan and 2 Others (1999) 1 NWRL pt. 586, p. 317.

24. Caso Governor of Ekiti State and 4 Others vs Prince James A. Osayomi and 2 Others (2005) 2 NWLR pt. 909, p. 67.

25. Id., p. 90. O juiz Adolphus Karibi-Whyte muito habilmente justificou a decisão: “O aforismo de que justiça adiada é justiça negada é tão preciso quanto o dito de que justiça apressada provoca inevitáveis injustiças. A imperfeição da memória humana ao recordar os eventos, em identificar os principais participantes e avaliar as impressões após longo tempo representa em si um risco tão grande quanto a impressão resultante de um evento muito próximo que leve ao exagero, e quando uma identificação errônea é assumida, irrefletidamente, como correspondendo à verdade. Assim, nem o adiamento imoderado nem o processamento acelerado da justiça asseguram a administração correta da justiça”. Ver A. G. Karibi-Whyte, “An Examination of the Criminal Justice System”, in Y. Osinbajo & A. U. Kalu (eds.), Law Development and Administration in Nigeria (Federal Ministry of Justice, 1990), pp. 55-77.

26. Ver Adebayo Ogundoyin and 2 Others vs David Adeyemi (2001) 13 NWLR pt. 730, p. 403.

27. Ver J. F. Fekumo, “The Problem of Jurisdiction in Compensation for Environmental Pollution and Degradation in Nigeria: A Fundamental Rights Enforcement Alternative”, comunicação apresentada à Conferência Anual da Ordem dos Advogados da Nigéria, realizada em Abuja, de 22 a 27 de agosto de 2004, p. 26.

28. Portaria 53 (1) e Anexo 2 do Tribunal Superior Federal (Normas do Processo Civil), 2000.

29. Esse dispositivo abre um amplo caminho para proteger e salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos.

30. Isso porque “o direito a ter um advogado encontra-se na raiz do julgamento imparcial e é sua fundamentação necessária”. Des. Per Ogwuegbu, em Solomon Ogboh and Another vs. The Federal Republic of Nigeria (2002) 10 NSCQLR pt. 1 pp. 498-509.

31. Trata-se da única maneira de dar pleno sentido ao dispositivo que assegura uma audiência eqüitativa.

32. Ver N. S. Okogbule, “The Nigerian Factor and the Criminal Justice System” (University of Benin Law Journal n. 7, 2004), p. 165.

33. Instituída pelo presidente da Suprema Corte da Nigéria, atendendo ao disposto no Artigo 42.3 da Constituição de 1979, essa regra entrou em vigor em 1º de janeiro de 1980.

34. (1986) 1 NWLR pt. 17, p.471.

35. Id., p. 478.

36. De acordo com as regras 2 e 3 das Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979. Para uma avaliação das Normas, ver M. O. Unegbu, Enforcement of Fundamental Rights in Nigeria, Notes, Cases and Precedents (Deeplaw Professional Publishers, 1997).

37. (1989) 4 NWLR pt. 116, p.387.

38. Id., p. 419.

39. Id., ibid.

40. Ver Borno Radio Television Corporation vs Basil Egbuonu (1991) 2 NWLR pt. 171, p.81; Federal Republic of Nigeria and Another vs Lord Chief Udensi Ifegwu (2003) 15 NWLR pt. 842, p. 113.

41. Alhaji Umaru Tukur vs The Governor of Taraba State and 2 Others (1997) 6 NWLR pt. 510, p.549. A decisão anterior da Suprema Corte sobre outro aspecto do caso vem relatada em (1989) 4 NWLR pt. 117, p. 517.

42. Esse caso tem um histórico conturbado. Ele começou no Tribunal Superior Federal, nos termos das Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979, e a Suprema Corte acabou sustentando que o Tribunal Superior Federal não tinha jurisdição sobre a matéria, pois esta dizia respeito fundamentalmente à questão da chefia. Outra ação foi então instituída no Tribunal de Justiça de Yola, onde a Suprema Corte sustentou que, para uma ação ser iniciada com base nas Normas dos Direitos Fundamentais (Procedimento para Efetivação) de 1979, a questão principal teria de ser o cumprimento de um direito reconhecível; e que esse processo deveria ter sido iniciado com um mandado de citação.

43. Com efeito, qualquer profissão merecedora do nome deve estar fundamentada em normas técnicas, preceitos e expressões, e o direito não é uma exceção.

44. Ver Alhaji Adetoro Lawal vs Bello Salami and Other (2002) 2 NWLR pt. 752, p. 687; Babatunde Adenuga and 5 Others vs J. K. Odumeru and 7 Others (2003) 8 NWLR pt. 821, p.163; Attorney-General of Akwa Ibom State and Another vs I. G. Essien (2004) 7 NWLR pt. 872, p. 288.

45. Attorney-General of Akwa Ibom State and Another vs I. G. Essien, acima.

46. A justificativa dessa norma consiste em promover o respeito pelo Estado de Direito.
Ver Senator Abraham Adesanya vs President of the Federal Republic of Nigeria (1981)
2 NCLR 358.

47. A justiça tem de ser acessível a todos, independente do status socioeconômico do indivíduo. Ver, porém, J. N. Aduba, “The Impact of Poverty on the Realisation of Fundamental Human Rights in Nigeria”, in Y. Osinbajo & A. Kalu (eds.), Democracy and the Law (Federal Ministry of Justice, 1991), p. 200, a respeito da incapacidade de os pobres exigirem o cumprimento de seus direitos fundamentais.

48. Id., ibid., no caso Senator Abraham Adesanya vs President of the Federal Republic of Nigeria.

49. Id., p. 131.

50. Caso Chief Irene Thomas and 5 Others vs Timothy Olufosoye (1985) NWLR pt. 18, p. 669.

51. Parafraseando o parecer de Bello, então juiz da Suprema Corte, no processo do senador Adesanya contra o presidente da Nigéria, acima, nota 45.

52. A atual aceitação da abordagem liberal na interpretação dos dispositivos constitucionais deveria necessariamente conduzir à aceitação do locus standi sempre que o processo contestar infrações constitucionais.

53. Id. nota 50, p. 686. Ver ainda: A. Guobadia, “Constitutional Adjudication: Locus StandiRecent Trends in Nigerian Courts”, in The Nigerian Juridical Review, v. 3, 1978-1988, pp. 37-53; S. T. Hon, op. cit., nota 1, pp. 409-410; I. E. Sagay, A Legacy for Posterity: The Work of the Supreme Court (1980-1988) (Nigerian Law Publications, 1988), pp. 263-274.

54. Ver o caso J. K. Owodunni vs Registered Trustees of Celestial Church of Christ and 3 Others (2000) 79 LRCN, p. 2406.

55. Tal como na decisão do caso Babatunde Adenuga, acima, nota 44.

56. Ver A. G. Shettima, “Socio-Economic Obstacles to the Realisation of a Just Society: The Nigerian Experience”, in Y. Osinbajo et al. (eds.), Human Rights, Democracy and Development in Nigeria (Lagos: Legal Research and Resource Development Centre, 1999), pp. 100-104.

57. Ver T. A. Aguda, 1989, op. cit. (nota 12), pp. 29-30.

58. As declarações que frisam o compromisso do governo em manter o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos – em particular por ocasião de conferências, sessões solenes de homenagem a magistrados que se aposentam e na abertura do ano judiciário – já se tornaram lugar-comum nos pronunciamentos de representantes do governo.

59. Ver A. Olujinmi, Agenda for Reforming the Justice Sector in Nigeria (Federal Ministry of Justice, 2004), p. 6. É significativo que esses objetivos estejam em consonância com nossas sugestões no presente artigo, e espera-se que venham a se traduzir em uma implementação efetiva em futuro não muito distante.

60. Ver A. O. Obilade, “The Relevance of Customary Law to Modern Nigerian Society”, in Y. Osinbajo & A. U. Kalu (eds.), Towards a Restatement of Nigerian Customary Laws (Lagos: Federal Ministry of Justice, 1991), pp. 1-4; A. A. O. Okunniga, Transplants and Mongrels and the Law: The Nigerian Experiment (Inaugural Lecture Series 62, University of Ife Press, 1983), pp. 20-21.

61. As vantagens desses mecanismos são ressaltadas em A. I. Chukwuemerie, Studies and Materials in International Commercial Arbitration (Port Harcourt, Nigéria: Lawhouse Books, 2002),
pp. 1-31. Ver também G. C. Nwakoby, “Exploring Arbitration: A Commentary” (Modern Practice Journal of Finance and Investment Law, jan.-abr. 2004, v. 8, n. 1-2, p. 1), pp. 8-16. Sobre o Forum Multi-Portas de Lagos, ver K. Aina, “The Lagos Multi-Door Courthouse and the Judge:
A New Beginning” (Modern Practice Journal of Finance and Investment Law, jul.-out. 2004, v. 8, n. 3-4, p. 340).

62. Ver o preâmbulo ao Cap. 206, Leis da Federação da Nigéria, 1990.

63. Tais problemas incluem orçamentos insuficientes, falta de pessoal e escopo limitado de suas operações. Ver I. O. Omoruyi & O. Enabulele, “The Effectiveness of the Legal Aid as a Means of Access to Justice in Nigeria” (Benin Journal of Public Law, v. 2, n. 1, 2004), pp. 144-146.

64. Ver Ogbodu vs The State (1987) 2 NWLR pt. 54, p. 20.

Nlerum S. Okogbule

Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Jurisprudência e Direito Internacional da Rivers State University of Science & Technology, Port Harcourt, Nigéria. É também advogado credenciado junto à Suprema Corte da Nigéria e sócio-gerente do escritório de advocacia Okogbule & Okogbule, Port Hartcourt, Nigéria.

Artigo original em inglês. Traduzido do inglês por Francis Aubert.