Ensaios

Disputando a aplicação das leis

Marta Rodriguez de Assis Machado, José Rodrigo Rodriguez, Flavio Marques Prol, Gabriela Justino da Silva, Marina Zanata Ganzarolli e Renata do Vale Elias

A constitucionalidade da lei Maria da Penha nos tribunais brasileiros

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo mapear as principais posições sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) no sistema judiciário brasileiro. A lei, fruto de lutas políticas do movimento feminista brasileiro, tem sido objeto de discussões na esfera pública e de ações que visam consolidar sua constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. As posições identificadas foram as seguintes: i) o questionamento da lei in totum, por conferir tratamento diferenciado à mulher; ii) o questionamento da lei por vedar a aplicação da Lei 9.099/95; iii) posições que discutem a competência legislativa para definir crimes de menor potencial ofensivo; iv) posições de submissão à hierarquia do Poder Judiciário; e v) posições que assumem a constitucionalidade da lei sem fundamentação. Ao analisar os argumentos utilizados nos Tribunais de Justiça, pretendemos mostrar que a criação do direito não se resume ao momento legislativo, sendo também o Judiciário palco de disputas.

Palavras-Chave

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1. Introdução

Sancionada pelo Presidente da República há mais de cinco anos, a Lei Maria da Penha é a primeira lei brasileira que, de maneira ampla, traz medidas que visam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei 11.340/2006 foi batizada de Lei Maria da Penha em razão do episódio que vitimou Maria da Penha Maia Fernandes1 e que obteve ampla repercussão no país, sendo fruto de décadas de reivindicações do movimento feminista brasileiro para que ocorresse a regulamentação do Artigo 226, 8º, da Constituição Federal, que exige do Estado “assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integrarem, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988). Foi também influenciada pelas exigências feitas por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção da Mulher (1979), a Convenção de Belém do Pará (1994) e a Conferência de Beijing (1995). Representa incontestavelmente um marco na história do enfrentamento do problema social da violência de gênero no Brasil.

A Lei Maria da Penha trouxe medidas de diversos tipos e introduziu modificações significativas na forma como o ordenamento jurídico brasileiro trata o problema. Trouxe, por exemplo, inovações conceituais, como o reconhecimento das diferentes formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) e a definição da violência doméstica e familiar contra a mulher independentemente da orientação sexual do agressor ou da vítima. Introduziu as medidas protetivas de emergência em favor das vítimas (tais como a suspensão do porte de armas do agressor, o afastamento do agressor do lar e o distanciamento da vítima) e permite a decretação da prisão preventiva do agressor quando houver riscos à integridade física ou psicológica da vítima. Deu especial atenção à forma de atendimento prestado nas delegacias especializadas; previu o atendimento por equipes multidisciplinares; criou regras de ampliação do acesso à Justiça às mulheres, como a necessidade de acompanhamento da vítima por advogado ou defensor a todos os atos de processo (Artigo 27 da Lei Maria da Penha); criou mecanismos de assistência à mulher vítima de violência doméstica; conferiu às mulheres a garantia da manutenção do vínculo trabalhista quando necessário o afastamento do local de trabalho; e previu, ainda, a criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com competência cível e criminal (Artigos 14 e 33), sendo que os juízes desses juizados são competentes para apreciar tanto crimes, quanto questões de direito de família.

Não obstante a complexidade e a abrangência desse conjunto de medidas, a Lei Maria da Penha tem uma forte ênfase no endurecimento do tratamento penal à questão. Afasta a competência dos Juizados Especiais Criminais para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher (Artigo 41 da Lei Maria da Penha). Por fim, expressamente proíbe penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa (Artigo 17 da Lei Maria da Penha).

O afastamento da competência dos Juizados Especiais Criminais, criados e regulamentados pela Lei 9.099/95, foi um dos temas mais controversos no debate que antecedeu a promulgação da lei e é também um dos mais sensíveis envolvendo a sua aplicação.

A Lei 9.099/95 regulamentou o Artigo 98 da Constituição Federal, o qual estabelece a competência dos Juizados Especiais Criminais para julgar infrações penais de menor potencial ofensivo. Atualmente, a Lei 9.099/95 define os Juizados como competentes para julgar as contravenções penais e os crimes de menor potencial ofensivo, isto é, aqueles aos quais a lei comine pena máxima não superior a dois anos (Artigo 61 da Lei 9.099/95). Ela estabelece um procedimento especial e mais célere para processá-los e introduz algumas medidas chamadas de “despenalizadoras”.

Segundo a Lei 9.099/1995, antes do início da ação penal, é possível haver a composição civil entre as partes, a qual, se alcançada, acarreta a extinção da punibilidade, ou a transação penal, em que um membro do Ministério Público pode propor ao autor da infração a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, oferecendo em troca o não início da ação penal (Artigo 76 da Lei 9.099/95). Além disso, prevê, depois de iniciada a ação penal, a possibilidade de suspensão condicional do processo, mediante o estabelecimento de uma série de condições ao acusado, que, se cumpridas pelo período determinado, acarretam também a extinção do processo penal.

A Lei 9.099/95 introduziu, também, uma mudança que não tem relação direta com o procedimento, mas que tem impacto na questão ora estudada: previu em seu Artigo 88 que dependerá de representação da vítima a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas, revogando a disposição do Código Penal que previa que tais crimes seriam processados mediante ação penal pública incondicionada.

Desse modo, a previsão contida no Artigo 41 da Lei Maria da Penha implicou não apenas a vedação de alternativas à pena e ao processo penal trazidas na Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica contra a mulher, mas também a volta das lesões corporais leves ao regime de processamento da ação penal incondicionada, isto é, crime que independe da autorização da vítima para ser processado.

Desde que entrou em vigor, a Lei Maria da Penha gerou controvérsias entre os aplicadores do direito. Alguns juízes problematizaram a constitucionalidade ou a aplicabilidade de dispositivos inseridos pela Lei Maria da Penha – em especial os relativos à vedação da Lei 9.099/95 e ao regime de processamento das lesões corporais leves – e tais discussões alcançaram grande repercussão na esfera pública.

Em face desse cenário adverso, em dezembro de 2007, a Presidência da República apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 (ADC 19), com o objetivo de redimir as controvérsias judiciais e afastar a insegurança jurídica sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, especialmente dos Artigos 1°, 33 e 41.

Em 2010, ainda diante de um contexto de dúvida sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, a Procuradoria-Geral da República ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de Medida Cautelar (BRASIL, ADI 4424, 2010e), a fim de uniformizar sua interpretação, pois, de acordo com a petição inicial proposta perante o STF, a legislação poderia dar ensejo a duas interpretações distintas sobre a aplicação da Lei Maria da Penha: a de que o crime de violência doméstica enseja (i) ação penal pública condicionada à representação da vítima ou (ii) ação penal pública incondicionada.2 Como veremos mais adiante, para o Procurador-Geral da República, a única interpretação compatível com a Constituição é a que entende ser crime de ação penal pública incondicionada.

O surgimento de posições de resistência à aplicação da Lei Maria da Penha, especialmente focadas no argumento de sua inconstitucionalidade, e o ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o STF3 acabaram por gerar uma sensação de desconfiança a respeito da aplicação da referida lei pelo Judiciário na esfera pública, em especial por atores do movimento social.

Desse modo, se analisar o processo de aplicação da Lei Maria da Penha pelo Judiciário brasileiro já se constituía um objeto de pesquisa relevante, ele se tornou especialmente importante em razão dos conflitos suscitados por essa lei.

Neste ponto, é importante esclarecer porque a arguição de inconstitucionalidade pode se tornar um instrumento que obstaculiza a efetivação da Lei Maria da Penha. No Brasil, o modelo de controle de constitucionalidade permite que qualquer juiz ou Tribunal, por meio do controle difuso, utilize o argumento da inconstitucionalidade para afastar a incidência de uma lei. Segundo esse modelo, o STF pode realizar o controle difuso, discutindo a constitucionalidade de uma norma em relação a um caso determinado (os efeitos da decisão limitam-se ao caso), assim como pode discutir a constitucionalidade em abstrato (controle concentrado).

No controle abstrato se produz efeitos para todos os casos. A decisão retira definitivamente normas do ordenamento jurídico, declarando inconstitucional determinado dispositivo legal, ou condiciona sua constitucionalidade à determinada interpretação, uniformizando a forma como a lei é interpretada para que essa esteja de acordo com determinado(s) dispositivo(s) da Constituição.4 Como se vê, este modelo torna o Poder Judiciário brasileiro extremamente poroso ao debate sobre a constitucionalidade das leis, o que pode resultar, no limite, na não aplicação pelos juízes de primeira e segunda instâncias de um diploma legislativo aprovado pelo Parlamento.

Diante de tais especificidades do controle de constitucionalidade brasileiro, o objetivo deste texto é reagir a esta preocupação acerca da efetivação da Lei Maria da Penha, a partir de dados extraídos da segunda instância. Para realizar tal tarefa, será apresentada a seguir uma avaliação parcial da aplicação desta lei no Brasil focada em alguns Tribunais de Justiça brasileiros.

Dado o contexto em que se insere nossa pesquisa, apresentaremos os resultados extraídos do nosso banco de dados relativos à discussão sobre a constitucionalidade travada em nove Tribunais de Justiça brasileiros, abrangendo o período que vai desde a promulgação da Lei Maria da Penha até dezembro de 2010.

Analisaremos os argumentos e posições defendidas pelos desembargadores dos Tribunais de Justiça, o conteúdo da Ação Direta de Constitucionalidade 19 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424 e o teor da discussão por elas gerada no STF.

Ao final, discutiremos, a partir dos dados obtidos sobre a aplicação da Lei Maria da Penha pelos Tribunais, se existia, antes do julgamento das ações pelo STF, a formação de uma jurisprudência contrária à aplicação da Lei Maria da Penha sob a alegação de inconstitucionalidade e qual a relação entre a discussão havida nos Tribunais de Justiça e no STF.

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2. Resultado da Pesquisa Empírica nos Tribunais de Justiça

Esta pesquisa analisou 1.822 decisões relacionadas à aplicação da Lei Maria da Penha, selecionadas a partir dos acervos digitais, disponíveis online, dos seguintes Tribunais de Justiça: Acre, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima, Rio Grande do Sul e São Paulo.5 No quadro geral da pesquisa, foram considerados os mais diferentes aspectos envolvidos na aplicação da Lei Maria da Penha (sendo a discussão da sua constitucionalidade um deles), o que – esperamos – fornecerá um mapa geral da aplicação da Lei Maria da Penha nas diferentes regiões do Brasil.

No presente texto, tendo estas decisões como base para análise, traçaremos um quadro geral sobre a resistência apresentada à Lei Maria da Penha por conta de questionamentos à sua constitucionalidade. De todas as decisões que foram analisadas, 272 discutem a constitucionalidade da Lei Maria da Penha (aproximadamente 15%). Os dados a seguir expostos concentram-se apenas em como os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos diferentes Estados brasileiros discutem e decidem acerca da constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Os resultados que obtivemos permitem elaborar a seguinte avaliação: embora seja possível que o argumento da inconstitucionalidade funcione como estratégia para bloquear a aplicação da Lei Maria da Penha, os dados analisados mostram que ele não chegou a se consolidar como jurisprudência nos Tribunais. Isto é, ainda que haja indícios de que a Lei Maria da Penha, mesmo que parcialmente, esteja sendo colocada em questão, quer porque o debate nos Tribunais reverbera na esfera pública, quer pela própria repercussão das discussões nos Tribunais, os dados empíricos que analisamos não permitem constatar que haja resistência generalizada nos Tribunais. Em outras palavras, se há resistência à efetivação dos dispositivos legais da Lei Maria da Penha e se é possível que isto esteja ocorrendo em maior escala nas primeiras instâncias (o que não é captado pela presente pesquisa), tal resistência não está refletida no debate jurisprudencial sobre sua constitucionalidade.

Segundo nossos dados, na esmagadora maioria dos casos em que se questionou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, esses argumentos foram afastados pelos Tribunais; em apenas seis desses casos o Tribunal julgador entendeu estar diante de um dispositivo inconstitucional. Em 14 decisões, o Tribunal julgador não acatou a tese da inconstitucionalidade levantada, mas determinou uma “interpretação conforme a Constituição”.

Notamos, também, a presença de 17 decisões em que os magistrados declaram sua posição pessoal sobre a inconstitucionalidade da norma, mas acabam por decidir pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Em 15 desses casos, os magistrados declaram ter feito isso por submissão à hierarquia das cortes. Em um caso, o magistrado defende a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, mas decide aplicá-la por ser mais benéfica ao réu. Em outro, o desembargador-relator considera a Lei Maria da Penha inconstitucional, mas decide fazer uma “interpretação conforme a Constituição”. As posições que consideram a Lei Maria da Penha inconstitucional parecem ser, além de minoritárias, defendidas apenas por alguns magistrados, situados em determinados Estados da federação. Para aprofundar a compreensão do tema de que tratamos aqui, seria necessário analisar o perfil da argumentação sobre a constitucionalidade em cada Estado, segundo cada magistrado. Tal tarefa, contudo, não será levada a cabo neste texto.

Foi importante verificar, além do resultado dos julgamentos, os argumentos utilizados nos Tribunais para discutir o tema da constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Encontramos questionamentos em torno da constitucionalidade da lei que se referem a três temas: i) questionamento da lei in totum, por dar tratamento diferenciado à mulher; ii) questionamento da lei por vedar a aplicação da Lei 9.099/95; iii) questionamento sobre a competência para legislar.

Com relação às posições dos desembargadores diante desses temas, elas podem ser agrupadas da seguinte forma: a) posições favoráveis à constitucionalidade da Lei Maria da Penha que são fundamentadas a partir dos elementos pertinentes a cada uma das questões apontadas acima (e não raro envolvem mais de uma delas); b) posições contrárias à constitucionalidade da Lei Maria da Penha que, da mesma forma, são fundamentadas a partir dos elementos pertinentes a cada uma das questões apontadas acima (e também não raro envolvem mais de uma delas); c) posições que sustentam uma interpretação da Lei Maria da Penha conforme a Constituição (no geral, a Lei Maria da Penha é constitucional, excetuando apenas alguns dispositivos); d) posições de desembargadores que não deixam de emitir sua opinião pela inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, mesmo que em seguida a tenham aplicado, submetendo-se à hierarquia das Cortes; e) posições de desembargadores que assumem que a Lei Maria da Penha é constitucional, mas acabam por não fundamentar sua posição.

Os argumentos favoráveis ou contrários à constitucionalidade da Lei Maria da Penha serão sistematizados e expostos nos próximos itens. A posição de desembargadores que aplicam uma interpretação conforme a Constituição está exposta no interior do item 3.2, infra, pois isso ocorreu, majoritariamente, nos casos em que se discutiu a validade da vedação da Lei 9.099/95. Por fim, encontramos decisões em que os desembargadores, diante da questão levantada pela parte, apenas aplicam a Lei Maria da Penha, não se manifestando sobre o ponto da constitucionalidade ou tomando-a como certa.

É interessante observar que muitos dos argumentos levantados pela pesquisa são aqueles reproduzidos nas ações sobre constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADC 19 e ADI 4424) que chegaram ao STF e por ele foram julgadas.

2.1 Questionamento da Lei Maria da Penha in totum por dar tratamento diferenciado à mulher

O argumento levantado com mais frequência contra a constitucionalidade da Lei Maria da Penha nos casos em que analisamos é o de que a ideia de criar tratamento diferenciado para a mulhervítima de violência doméstica seria inconstitucional, por violar o princípio da igualdade entre os sexos, previsto no Artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal.

Tal posição encontra pouco eco entre os desembargadores, que, em sua maioria, justificam a diferenciação promovida pela Lei Maria da Penha, com base no histórico de agressões sofridas pelas mulheres por seus companheiros e no grande número de mulheres que ainda são agredidas.

É comum que os desembargadores façam alusão à existência de estatísticas e pesquisas que “revelam que a mulher é a principal vítima da violência doméstica e familiar”, o que justificaria uma “proteção especial do Direito Penal”, a fim de minimizar as desigualdades. Conforme afirma a desembargadora Lais Rogéria Alves Barbosa,

as regras de experiência têm demonstrado que, notoriamente, é bastante significativo e crescente o número de mulheres que sofrem lesões de toda ordem, praticadas pelos seus companheiros, principalmente nas camadas mais carentes da sociedade
(BRASIL, Apelação Criminal 70029413929, 2009a).

Deste modo, desenvolve-se uma argumentação que justifica a sua constitucionalidade justamente na medida em que a Lei Maria da Penha promoveria a igualdade material entre homens e mulheres frente ao problema social que é a violência doméstica. Defendem os magistrados que votam nesse sentido que não bastaria a igualdade formal assegurada pela Constituição Federal; a igualdade deveria ser assegurada no plano fático, por meio de uma legislação que preveja medidas concretas.

Para eles, a situação de hipossuficiência e desigualdade da mulher deveria ser analisada na peculiaridade de cada caso. Alguns juízes chegam a afirmar que se estaria diante de uma “ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, que necessitava, com urgência, de instrumentos adequados de proteção, com vistas a se coibir este tipo de violência, restabelecendo a igualdade material entre os sexos” (BRASIL, Apelação Criminal 200905003254, 2010a).

A frequência desse argumento varia bastante nos Tribunais estudados. Observa-se ser uma argumentação recorrente no TJSP, que fundamenta na expressa referência à igualdade material cerca de 40% das decisões em que se discute a constitucionalidade da Lei Maria da Penha; já no TJMS, é utilizada em aproximadamente 12% das decisões que debatem a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Consideramos como uma variação deste argumento as decisões que, embora não utilizem diretamente a expressão igualdade material, afirmam ser a Lei Maria da Penha constitucional por conta da realidade e história brasileiras, em que milhares de mulheres são vítimas de violência doméstica. São estes os termos do fundamento utilizado em aproximadamente 15% das decisões sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha do TJRS. Este fundamento aparece também no TJMS, mas em menos de 5% das decisões que tratam do tema.

Em muitas decisões, também se argumenta que a Lei Maria da Penha é constitucional, pois teria o Estado competência para “estabelecer leis protetivas a grupos de indivíduos vulneráveis em razão do gênero” (BRASIL, Apelação Criminal 70030827380, 2009b). A proteção ao idoso conferida pela Lei 7.716/89 e à criança e ao adolescente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90), o enfrentamento da discriminação por raça, cor, etnia ou religião constante da Lei 7.716/89 são citados como exemplos constitucionais do “poder legiferante do Estado para criar leis que estabeleçam tratamento diferenciado para grupos minoritários de cidadãos” (BRASIL, Habeas Corpus 70031748676, 2009c). Segundo a desembargadora Lais Rogéria Alves Barbosa, o Estado, ao proteger a mulher, atenderia a sua “condição de gênero”, assistindo à família ao criar mecanismos para coibir a violência na esfera de suas relações conforme previsto no Artigo 226, §8° da CF.

A Lei Maria da Penha seria constitucional, portanto, por dar efetividade à própria Constituição, concretizando a proteção à família preconizada pelo referido Artigo, uma vez que “a prática da violência doméstica acarreta, via de regra, consequências danosas em toda instituição familiar”, representando violação direta da dignidade da pessoa humana, na forma descrita nos Artigos 2º e 3º, §1º, da citada lei, e, principalmente, pela previsão contida no Artigo 1º, III da Constituição Federal. A Lei Maria da Penha seria, portanto, uma forma de assegurar a proteção de cada um dos indivíduos no âmbito familiar (BRASIL, Apelação Criminal 2009.025378-7, 2009d).

Tal argumento é bastante utilizado pelo TJRS, o qual fundamenta cerca de 20% das decisões sobre constitucionalidade desse Tribunal. Em outros, como o TJSP e o TJMS, o argumento é pouco recorrente – nesses dois casos, apenas 5% das decisões sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha se utilizam dele.

Algumas decisões fazem referências expressas aos tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte, afirmando, por exemplo, que “em última análise, a Lei Maria da Penha surgiu para adimplir Convenção Internacional subscrita pela própria União” e “fulcra-se em fatos históricos, empíricos e estatísticos, a justificar que o sexo feminino, por conta dessa diferenciação, tenha a seu dispor um instrumento de modo a resguardar o equilíbrio da equação homem-mulher” (BRASIL, Apelação Criminal 70028874113, 2010b). A Lei Maria da Penha, protetiva, teria incorporado à legislação interna normas internacionais editadas em prol das mulheres para prevenir e punir a violência contra a mulher.

Ainda que sejam majoritários os argumentos defendendo que o legislador ordinário pode promulgar diplomas legais que estabelecem diferenciações porque a Constituição Federal visa a garantir, por meio de seu Artigo 5º, a igualdade material entre homens e mulheres, há divergências quanto a isto, como nas decisões proferidas pelo desembargador Romero Osme Dias Lopes, que considera que a Constituição Federal veda inúmeras formas de discriminação, inclusive a sexual, e que este diploma elenca como garantia fundamental a proibição do legislador estabelecer diferenciações entre homens e mulheres, de modo que não caberia à lei ordinária contrariar preceito constitucional. Segundo ele, os homens também poderiam ser vítimas de violência doméstica, de modo que a diferenciação é completamente descabida. Cita ainda posições teóricas no sentido de que as medidas afirmativas na verdade são incentivos à discriminação (BRASIL, Recurso em Sentido Estrito 2007.023422-4, 2007a).

Embora numericamente insignificantes, o impacto que decisões como esta podem causar, tanto influenciando outras decisões, como movimentando o debate na esfera pública, não é mensurável ou passível de previsão. Tais consequências não serão debatidas neste trabalho, mas poderão ser objeto de estudos futuros. Além disso, a decisão cujo trecho foi reproduzido é emblemática por utilizar argumentos que surgiram no início da promulgação da Lei Maria da Penha.

Cabe destacar que a Turma do desembargador supracitado (Segunda Turma Criminal do TJMS) suscitou a Arguição de Inconstitucionalidade em Recurso em Sentido Estrito 2007.023422-4/0002, julgada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça em janeiro de 2009. A arguição pretendia o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, aduzindo “que tal lei é inócua, disseminadora de injustiça, antissocial, retrógrada e travestida de vingança social” (BRASIL, Arguição de Inconstitucionalidade em Recurso em Sentido Estrito 2007.023422-4/0002, 2009g). A decisão do Tribunal do Pleno do TJMS, no entanto, afirmou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, argumentando que possui amparo constitucional e que foi editada frente a uma situação fática de desigualdade, a partir da percepção do alarmante aumento de situações de violência, “ponderada a facilidade do cometimento e a fragilidade psicológica das vítimas seviciadas, que não encontravam um remédio específico apto a tutelar e coibir eficazmente as particularidades da situação delituosa”.

Quanto aos aspectos formais, que dizem respeito às questões que abordaremos a seguir, a decisão considerou que a Constituição outorgou competência ao legislador ordinário para a definição jurídica de “crimes de menor potencial ofensivo”. O legislador, ao promulgar a Lei Maria da Penha, teria o intuito de tratar de forma mais severa aquele que pratica infrações no âmbito familiar contra a mulher justamente pelo fato de os institutos “despenalizadores” previstos na Lei 9.099/95 não terem se mostrado eficazes no combate aos crimes desta natureza.

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2.2 Questionamento da Lei Maria da Penha por vedar a aplicação da Lei 9.099/95

O principal questionamento em relação à Lei Maria da Penha utilizado nos Tribunais estaduais e, como veremos, refletido nas ações perante o STF, volta-se ao Artigo 41 da referida Lei, que veda a aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica contra a mulher.

É o posicionamento, por exemplo, do desembargador Adilson Vieira Macabu, que acolhe, em algumas decisões, a declaração de inconstitucionalidade do Artigo 41 da Lei Maria da Penha, pois o referido Artigo causaria “lesão aos princípios constitucionais da igualdade e da isonomia entre pessoas de sexos diferentes e de cônjuges, bem como afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. A Constituição Federal, ao prescrever no seu Artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, teria impedido que se estabelecesse, nas leis infraconstitucionais, “diferenciações normativas”. Segundo o desembargador, trata-se de proteger as pessoas contra discriminações, e ele afirma que não há forma de se sustentar que, num crime cometido contra o idoso, o agressor possa se beneficiar das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 e o mesmo não possa ocorrer quando a vítima for uma mulher. O desembargador questiona se as mulheres sempre estarão em situação de inferioridade (BRASIL, Apelação Criminal 6208/2008, 2008, Apelação Criminal 3144/2009,2009e).

Todavia, a maior parte das decisões considera que tal dispositivo é constitucional. Os argumentos mais desenvolvidos são os que recuperam a intenção do legislador de, efetivamente, afastar dos casos de violência doméstica contra a mulher as medidas “despenalizadoras” da Lei 9.099/95, como a transação penal e a suspensão condicional.

Para justificar que não há violação do princípio da proporcionalidade por conta da vedação expressa no Artigo 41, independentemente da pena aplicada, remete-se constantemente ao intuito do legislador de alterar o quadro da violência cometida no âmbito da família propondo “mudanças que efetivamente pudessem contribuir para fazer cessar, ou, ao menos reduzi-la drasticamente” (BRASIL, Apelação Criminal 20100178957, 2010c). Tal argumento é bastante utilizado pelo TJRJ e pelo TJSP, respectivamente em torno de 25% e 15% das decisões, e pouco utilizado nos TJRS e do TJMS – cerca de 5% das decisões.

O argumento acerca da gravidade do crime também aparece para fundamentar as decisões pela constitucionalidade do dispositivo. Assim, entende-se que a Lei Maria da Penha, ao afastar a incidência da Lei 9.099/95, visou punir de forma mais severa os crimes de violência contra a mulher cometidos na esfera familiar. Alguns magistrados defendem que tal vedação é fundamental à eficácia da proteção à mulher, afirmando que, se prevalecesse entendimento contrário, a Lei Maria da Penha se tornaria inócua, exatamente porque seu diferencial estaria na vedação das medidas “despenalizadoras” da Lei 9.099/95.

Sobre a vedação da aplicação da Lei 9.099/95, alguns desembargadores desenvolvem um tipo de posição intermediária: não entendem a Lei Maria da Penha como inconstitucional, mas consideram serem aplicáveis alguns institutos da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica, criando exceções ao Artigo 41. Entendem que a constitucionalidade da Lei Maria da Penha não faz com que todos os institutos previstos pela Lei 9.099/95 sejam vedados nos casos de violência doméstica contra a mulher. Argumentações neste sentido são usadas em decisões do TJMS, assim como em outros Tribunais, como no TJRJ e no TJRS.

Assim, afirma o desembargador Carlos Eduardo Contar, do TJMS: “Na verdade, o que até então não se fez foi analisar se todos os mecanismos processuais contidos na Lei 9.099/95 são materialmente contrários à proteção resguardada pelo art. 226, § 8º, da Carta Magna.” (BRASIL,Apelação Criminal 2008.022719-8, 2009f). Em seguida, o desembargador passa a argumentar que a constitucionalidade da Lei Maria da Penha está no fato de se reconhecer que alguns institutos da Lei 9.099/95 não seriam suficientes para a proteção das vítimas de violência doméstica, de modo que somente tais previsões deveriam ser aplicadas, mas não a Lei 9.099/95 como um todo. Para ele, somente estariam vedadas medidas que fossem substancialmente atentatórias à proteção dada às vítimas de violência doméstica. Defende que a suspensão condicional do processo não teria nada de contrário a esta proteção, porque exige o cumprimento de certos requisitos e obediência a determinadas condições (BRASIL, Apelação Criminal 2008.022719-8, 2009f).

Desta forma, o Tribunal aplica a Lei Maria da Penha e institutos da Lei 9.099/95 por meio da chamada “interpretação conforme a Constituição”. Essa posição foi adotada por desembargadores do TJMS, mesmo após a decisão do Pleno do Tribunal (BRASIL, Arguição de Inconstitucionalidade em Recurso em Sentido Estrito 2007.023422-4/0002, 2009g) que afirmou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Encontramos também casos em que os desembargadores afirmam interpretação conforme a Constituição, pois, segundo eles, para o reconhecimento da inconstitucionalidade, o processo teria de ser remetido para o órgão Pleno do Tribunal respectivo e isto retardaria em muito a marcha processual. Isto acontece porque os Tribunais de Justiça são divididos em Turmas e Câmaras, que são grupos menores de desembargadores responsáveis por julgar processos comuns. Todavia, o Artigo 97 da Constituição Federal afirma que somente o Pleno do Tribunal, ou seja, composto por todos os desembargadores, poderia julgar arguições de inconstitucionalidade.

2.3 Questionamentos da Lei Maria da Penha que envolvem a competência para definir crimes de menor potencial ofensivo

Encontramos também argumentos sobre a inconstitucionalidade que defendem ser competência somente do legislador constituinte a definição de crimes de menor potencial ofensivo. O desembargador Adilson Vieira Macabu afirma que a Lei Maria da Penha violaria o Artigo 98, I da Constituição Federal, porque, segundo ele, a competência dos Juizados Especiais Criminais seria determinada em decorrência da natureza da infração penal e, portanto, teria caráter absoluto, não sendo possível a exclusão em razão do sujeito passivo. (BRASIL, Apelação Criminal 6208/2008, 2008).

Esse argumento não é utilizado pela maioria dos Tribunais de Justiça, mas é bastante utilizado em decisões dos TJRJ, TJMS e TJSP. Na grande maioria das decisões, os desembargadores decidem que tal competência é do legislador ordinário, contrariando o alegado pela parte.

O entendimento majoritário, portanto, defende que a Constituição teria delegado ao legislador ordinário a função de definir as infrações de menor potencial ofensivo, conforme o referido Artigo 98, inciso I. Assim, se na Lei Maria da Penha optou-se por afastar expressamente a aplicação da Lei 9.099/95, essas infrações não podem ser consideradas como de menor potencial. Cabe, portanto, à lei infraconstitucional definir quais infrações penais estão sujeitas aos institutos “despenalizadores” da Lei 9.099/95.

2.4 Posições de submissão à hierarquia do Poder Judiciário e decisões que não fundamentam suas posições

Em algumas decisões, os desembargadores acabam por não se pronunciar acerca da questão da constitucionalidade da Lei Maria da Penha alegando submissão à hierarquia das Cortes, embora estejam vinculados ao julgamento de Tribunais superiores apenas quando o STF decide por meio do controle concentrado ou quando há decisão do Pleno do Tribunal respectivo. Entendemos ser esse o sentido das decisões em que os magistrados levantam como argumento: i) o fato de já ter sido a constitucionalidade julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); ii) o de a Lei Maria da Penha não ter sido julgada inconstitucional pelo STF; ou iii) ter sido julgada pelo Pleno do Tribunal de Justiça respectivo.

Destaca-se a posição de alguns desembargadores que decidem no seguinte sentido: como a Lei Maria da Penha, apesar de “controvertida”, não foi até o momento declarada inconstitucional pelo STF (na época as ações ainda estavam pendentes de julgamento), que é o “guardião da Constituição”, então seus dispositivos estariam ainda em vigor e deveriam ser aplicados por juízes e Tribunais (BRASIL, Apelação Criminal 70036402121, 2010d, Apelação Criminal 70029410172, 2009h).

Alguns desembargadores manifestam expressamente concordância com o entendimento do juiz de primeiro grau ou ainda com os argumentos da defesa acerca da inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, mas acabam por decidir pela sua constitucionalidade, pois esta posição estaria de acordo com o entendimento jurisprudencial majoritário. Contudo, em vários desses casos, os magistrados fazem questão de consignar expressamente sua posição pessoal contrária à Lei Maria da Penha e a sua suposta desconformidade com o texto constitucional.

No TJMS, o desembargador Romero Osme Dias Lopes frisa em cinco oportunidades que considera a referida lei inconstitucional, mas, para ele, a discussão seria irrelevante diante do entendimento do STJ e do próprio TJMS, que passou a reconhecer integralmente a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

O desembargador, que já havia decidido pela inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha conforme explicado no item 2.1, viu-se obrigado a modificar seu entendimento após o julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade julgada em janeiro de 2009 pelo TJMS.

Dessa forma, ele acaba por julgar pela constitucionalidade de alguns Artigos da referida lei, inclusive a vedação contida em seu Artigo 41, em obediência ao disposto no Artigo 97 da Constituição Federal. Mesmo assim, o desembargador faz questão de reproduzir o julgamento da 2ª Câmara do TJMS (BRASIL, Recurso em Sentido Estrito 2007.023422-4, 2007a) em que se manifestou e decidiu pela inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, por “desrespeitar um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso IV), ferir o princípio da igualdade, bem como o princípio da proporcionalidade”.

Com exceção dos casos em que há violência sexual ou lesões graves, na opinião do desembargador, “a mulher vítima de violência doméstica não quer que seu companheiro ou marido seja preso, muito menos condenado criminalmente”. Dessa forma, a solução estaria não no Direito Penal, “mas na criação de políticas públicas com compromisso de recuperar o respeito mútuo que deve imperar no seio familiar”. Para ele, a condenação do agressor “só piora a relação familiar”, de forma que a vontade da mulher é a de que o Estado intervenha para “apaziguar o problema familiar” fazendo com que as agressões cessem, mas sem que o agressor companheiro seja preso.

No mesmo sentido de justificar a decisão por submissão à hierarquia do Poder Judiciário, o desembargador Carlos Eduardo Contar, também da 2a Câmara Criminal do TJMS, fundamenta a constitucionalidade da Lei Maria da Penha unicamente por se tratar de questão que fora previamente enfrentada em Arguição de Inconstitucionalidade no próprio TJMS, apesar de seu entendimento pessoal de que se trata de texto inconstitucional.

Assim, os dois desembargadores da 2ª Câmara Criminal do TJMS que defendem abertamente a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha acabam por aplicá-la, por considerarem que não cabe mais a discussão frente ao entendimento já consolidado na Arguição de Inconstitucionalidade julgada pelo Pleno do próprio Tribunal.

Também em outro Tribunal de Justiça, o TJRS, o desembargador Manuel José Martinez Lucas justifica a sua decisão a favor da constitucionalidade da Lei Maria da Penha unicamente porque, “estranhamente”, afirma ele, este é o posicionamento da esmagadora maioria. Para ele, trata-se de dispositivo que afronta o “direito fundamental de igualdade entre homens e mulheres” ao considerar que o “próprio inciso constitucional determina que cabe apenas à Constituição regular essa igualdade e somente quando a Constituição autorizar é que homens e mulheres serão tratados de forma desigual” (BRASIL, Apelação Criminal 70029189206, 2009i). Declara ver-se “obrigado” a mudar seu posicionamento ao reconhecer que está “praticamente isolado” e justifica a mudança “por questão de política judiciária e a fim de evitar uma discussão inócua”. Levanta também o argumento de que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada pelos juízes e Tribunais do país se o STF, “guardião da Constituição”, não declarou sua inconstitucionalidade.

No conjunto dos casos analisados, também encontramos decisões em que os desembargadores, diante da questão levantada pela parte, apenas aplicam a Lei Maria da Penha, mas não se manifestam sobre a constitucionalidade ou a tomam como certa, mesmo diante da alegação da parte, e decisões que afirmam que a Lei Maria da Penha é constitucional sem fundamentação.

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3. A Lei Maria da Penha e o STF

Como já dissemos, desde sua promulgação, em 2006, a Lei Maria da Penha foi objeto de discussão no STF em ocasiões diversas. O Habeas Corpus 106212 (BRASIL, 2011), julgado em março de 2011 pelo STF, discutiu divergência importante em relação à referida lei: a da constitucionalidade do Artigo 41 da Lei Maria da Penha (que afasta a aplicação da Lei 9.099/95). A decisão do STF nesse julgamento, por unanimidade, indeferiu o HC 106212, entendendo que o Artigo 41 da Lei Maria da Penha é constitucional.

A questão, todavia, foi examinada como matéria incidental e não afetou a tramitação das ações de controle concentrado de constitucionalidade que já haviam sido propostas: em dezembro de 2007, foi proposta pela Presidência da República a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 (BRASIL, ADC 19, 2007b), e, em 2010, a Procuradoria-Geral da República ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 424 (BRASIL, ADI 4424, 2010e).

A ADC 19 e a ADI 4424, cujas proposições guardam entre si um lapso temporal de aproximadamente três anos, foram julgadas simultaneamente pelo STF em fevereiro de 2012. Ambas as ações foram julgadas procedentes, sendo a ADC 19 por votação unânime e a ADI 4424 por maioria de votos (vencido o presidente do Tribunal, o ministro Cezar Peluso). Embora os pedidos fossem diferentes, estavam fortemente relacionados. As duas ações foram ajuizadas com o objetivo de redimir as controvérsias judiciais e afastar a insegurança jurídica sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. A ADC 19 versava especialmente sobre a constitucionalidade dos Artigos 1º, 33 e 41, e na ADI 4424 requeria-se que fosse conferida “interpretação conforme a Constituição aos Artigos 12, I, 16 e 41 da Lei 11.340/2006”. A diferença entre o pedido da ADC 19 e da ADI 4424 sugere que novas controvérsias se apresentaram quanto à aplicação da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, no pedido referente à ADI 4424, inclui-se o diagnóstico de que há controvérsia no Judiciário quanto à natureza da ação nos crimes de lesão corporal leve, cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.

3.1 Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 (ADC 19)

Ao discorrer sobre o seu cabimento, a parte autora da ação descreveu o cenário negativo de aplicação da Lei Maria da Penha, apresentando decisões de juízos singulares questionando a constitucionalidade da mesma em virtude de alegada afronta “(i) ao princípio da igualdade (Artigo 5°, I, CF); (ii) à competência dos juizados especiais criminais (Artigo 98, I, CF); e (iii) à competência atribuída aos Estados para fixar a organização judiciária local (Artigo 125, §1° e Artigo 96, II, “d”, CF)”. Foram apresentadas decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais sobre este tema e também outras que reafirmam a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, restando clara a controvérsia judicial que ensejava a ADC 19 e que, portanto, requeria o pronunciamento do STF.

Os principais argumentos utilizados para sustentar a constitucionalidade dos referidos Artigos foram: a) o tratamento diferenciado à mulher previsto na Lei Maria da Penha se justifica a partir do ponto de vista histórico, pois as mulheres compõem um grupo social discriminado, sendo que a igualdade não pode ser entendida apenas do ponto de vista formal; b) frente à situação desigual da sociedade brasileira, ainda patriarcal, são imprescindíveis as ações afirmativas para proteção da mulher; c) competência para legislar é privativa da União; d) há responsabilidade do país em relação a tratados internacionais.

3.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424)

Com vistas à uniformização da interpretação da Lei Maria da Penha, a parte autora pediu: i) a vedação da aplicação da Lei 9.099/95 e de qualquer de seus dispositivos em relação aos crimes cometidos sob a Lei Maria da Penha, em qualquer hipótese; ii) que fosse determinada a natureza de ação pública incondicionada nos crimes de lesão corporal de natureza leve cometidos no âmbito daquela lei; iii) que fosse, desse modo, reservada a aplicação dos Artigos 12, I, e 16 da Lei Maria da Penha (sobre a necessidade de a renúncia à representação se dar sempre diante de um juiz) aos demais crimes cujo processamento esteja condicionado à representação (como é o caso, por exemplo, do crime de ameaça, previsto no Artigo 147 do Código Penal Brasileiro). Os três objetivos da ação referem-se, dessa forma, às consequências do afastamento da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica contra a mulher, em especial à modificação que esta instituiu quanto à natureza do crime de lesão corporal leve.

Argumentou-se na ação que o processamento dos casos de violência doméstica pela Lei 9.099/95 implicava um quadro de impunidade dos agressores e não rompia com a lógica do ciclo de violência contra a mulher. Condicionar a ação à representação da vítima seria desconsiderar a situação especial das vítimas de violência doméstica e os problemas que vinham sendo causados justamente pela aplicação da Lei 9.099/95 a esses casos – segundo a ação, conciliações insatisfatórias, desestímulo das mulheres em procurar o Judiciário e casos tratados como simples “querelas domésticas”. Isso tudo teria resultado em um quadro de impunidade que reforçava a violência contra a mulher. Considerou-se que a necessidade de representação se revela como um empecilho à tutela da saúde, vida e ausência de discriminação da mulher. A ação menciona ainda a existência de pesquisas que indicaram que, durante essa época, 70% dos casos em tramitação no juizado especial criminal envolviam situações de violência doméstica contra a mulher, e, em regra, o resultado era a conciliação, o que desestimulava as mulheres a ajuizarem ação contra o agressor, bem como reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcais.

A fim de demonstrar a controvérsia judicial sobre o tema, o pedido descreveu os argumentos que fundamentam a posição contrária, de que os crimes de lesões corporais praticados contra a mulher no ambiente doméstico e familiar seriam, assim como os demais casos de lesão corporal, processados por meio de ação de natureza pública condicionada à representação da vítima. Segundo a descrição, tal posição se assenta nos seguintes aspectos: necessidade de preservação da entidade familiar e de respeito à vontade da mulher; o fato de que muitos casais se reconciliam após momentos de crise; eventual condenação indesejada do réu.

Delineiam-se, dessa forma, duas posições nesse debate: a de que a ação é pública incondicionada e a de que a ação é pública condicionada à representação da vítima. No pedido da ação, a última foi identificada como corrente majoritária, especialmente porque houve decisão do STJ, em fevereiro de 2010, neste sentido. Ainda segundo o pedido,

Restou vencida, portanto, a corrente jurisprudencial que entendia que, diante da vedação expressa contida no art. 41 da Lei Maria da Penha e tendo em conta o cenário histórico de intervenção legislativa no problema da violência doméstica, o crime de lesões corporais leves dela decorrente deixou de depender de representação da vítima, ‘cuja vontade, quase sempre viciada, encobria opressões e ameaças do agressor para não ser processado’
(BRASIL, ADI 4424, 2010e).

Além disso, relembrou-se o papel da denúncia feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por Maria da Penha Maia Fernandes. A Comissão identificou um padrão discriminatório quanto à tolerância da violência doméstica contras as mulheres no Brasil e recomendou reformas na legislação. A argumentação é justificada em grande parte pelas convenções internacionais (Convenção Americana sobre Direitos Humanos e Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como Convenção de Belém do Pará, que foi a primeira a reconhecer a violência contra a mulher como fenômeno generalizado), além de citar precedentes do próprio STF.

O pedido afirma que considerar a ação relativa ao crime de lesão corporal leve como pública condicionada, bem como aplicar a Lei 9.099/95 aos crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha: i) ferem a dignidade humana e violam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que estabelece o respeito à integridade física, psíquica e moral; ii) ferem o princípio da igualdade; e iii) constituem proteção deficiente dos direitos constitucionais.

Segundo os autores, condicionar a ação penal à representação da ofendida seria ignorar as implicações dessa forma específica de agressão e perpetuar a situação de violência contra a mulher, por conta de ausência de resposta penal adequada.

Argumenta-se que os efeitos nocivos da representação para as mulheres acarretam, na prática, uma desigualdade de gênero. Em outras palavras, violariam o princípio da igualdade, ao dar ensejo a um quadro de impunidade que reforça a violência contra a mulher. O pedido segue, ainda, posição presente no relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que afirma que uma das maiores deficiências das legislações que visam combater a violência contra a mulher é estabelecer como objetivo primordial a preservação da entidade familiar e não a proteção de seus integrantes viverem livres de violência e discriminação. Por fim, recusa a tese de que se trata de interesse individual da mulher, uma vez que teria havido uma opção constitucional de defesa dos direitos humanos, incluindo os das mulheres, e cita pesquisa que afirma que a renúncia redunda em 90% de arquivamento de ações penais. Quanto à proibição de proteção deficiente dos direitos constitucionais, a ação argumenta que a necessidade de representação se revelaria como um empecilho à tutela da saúde, vida e ausência de discriminação da mulher.

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3.3 O Julgamento das Ações no STF

Como já dito anteriormente, em fevereiro de 2012, o STF julgou procedente, simultaneamente, a ADI 4424 e a ADC 19.6 O ministro Marco Aurélio de Melo foi o relator das ações e defendeu o provimento de ambas.

O primeiro conjunto de argumentos analisado pelo ministro Marco Aurélio refere-se à constitucionalidade do Artigo 1º da Lei Maria da Penha. Para ele, não há que se falar em inconstitucionalidade do referido Artigo porque, para frear a violência doméstica, não se revela desproporcional ou ilegítima a diferenciação com base no sexo da vítima, e a mulher seria vulnerável quando se trata de violência ocorrida no âmbito familiar. As agressões sofridas por mulheres ocorreriam em número significativamente maior do que aquelas sofridas por homens, e, segundo ele, quando as últimas acontecem, elas não se baseiam em valores culturais e sociais e na usual diferença de força física entre as pessoas de sexos opostos. Também considera que a Lei Maria da Penha está em consonância com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O ministro aponta que, constitucionalmente, não é possível admitir que direitos fundamentais sejam protegidos de forma insuficiente. Neste sentido, afirma que a Lei Maria da Penha foi promulgada considerando a realidade de invisibilidade das vítimas de violências ocorridas em seus próprios lares. A norma mitigaria a situação de discriminação social e cultural existente no país e seria necessária enquanto esse quadro perdurasse. Ele também aponta que outros diplomas normativos foram editados visando à proteção dos grupos vulneráveis, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Idoso.

O ministro Marco Aurélio considera constitucional o Artigo 33 da Lei Maria da Penha, o qual determina que os casos em que houver a aplicação da referida lei sejam julgados pelas varas comuns até que sejam estruturados os juizados de violência doméstica. Segundo o ministro, não haveria afronta aos Artigos 96, I, a, e 125, §1º da Constituição Federal, que conferem aos Estados a competência para estabelecer a organização judiciária, uma vez que a Lei Maria da Penha teria atribuído uma faculdade aos estados, e não uma obrigação, conforme consta no Artigo 14 da referida lei.

Como último ponto em relação à ADC 19, o ministro afirma que o Artigo 22 da Constituição Federal determina incumbir privativamente à União a disciplina do direito processual. Desse modo, a atribuição dos Estados atinente à respectiva organização judiciária não afastaria a prerrogativa da União de estabelecer regras sobre o processo e, em consequência, editar normas que acabam por influenciar a atuação dos órgãos jurisdicionais locais.

Quanto à ADI 4424, Marco Aurélio considera que sua discussão deve levar em conta dados da realidade. Segundo ele, na ampla maioria dos casos, a ofendida retira a representação anteriormente feita em desfavor do agressor, nutrida de esperanças de que a violência não voltará a acontecer, e cita Estela Cavalcanti, em “Violência Doméstica na Lei Maria da Penha”, que aponta que o índice de renúncia chega a 90% dos casos. Marco Aurélio defende que a retirada da representação não se constitui em expressão da vontade livre da vítima, mas em expressão de sua esperança de que o agressor evolua e não mais a agrida. Entretanto, de acordo com Marco Aurélio, o que acontece na maioria dos casos é que a violência se agrava ainda mais, uma vez que se perdem os freios inibitórios que poderiam fazer com que o agressor não reiterasse seu comportamento.

O ministro defende que tornar a ação incondicionada não faz com que o Estado viole a vontade e autonomia da mulher, pois esta não seria uma forma de tutela, mas sim de proteção, e que deixar a cargo da mulher autora da representação a decisão do início da persecução penal significa desconsiderar o temor, a pressão psicológica e econômica, as ameaças sofridas e a assimetria de poder decorrente de condições histórico-culturais. Isto, segundo o voto do ministro, contribui para a diminuição da proteção da vítima e para a prorrogação da situação de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana.

Marco Aurélio reitera que não se pode considerar a Lei Maria da Penha de forma dissociada da Constituição Federal e dos tratados internacionais, que permitiriam as discriminações positivas, voltadas a atender as peculiaridades de grupos menos favorecidos e a compensar desigualdades de fato decorrentes da cristalização cultural do preconceito.

Desse modo, vota para dar provimento à ADI 4424, considerando conforme à Constituição Federal os Artigos 12, I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, isto é, considerando constitucional a não aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes em que se aplica a primeira lei.

Em relação à ADC 19, os demais ministros acompanharam o voto do relator, tecendo breves considerações que guardaram muita proximidade com o seu argumento. Um argumento utilizado recorrentemente é o da igualdade material, formulado como tratar desigualmente os desiguais. Diversos ministros (entre eles, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto) afirmaram que a Lei Maria da Penha se caracteriza como uma ação ou política afirmativa em prol das mulheres que se justificaria a partir de um quadro social de desigualdade. Também é significativo que alguns ministros justificaram a constitucionalidade da Lei Maria da Penha ou de algum de seus dispositivos pela referência à proteção prevista pela Constituição à família (ministros Fux e Lewandowski). Há, ainda, referência aos tratados e conferências internacionais.

A ministra Cármen Lúcia, em seu voto, afirmou a necessidade de se tratar com seriedade o problema da violência doméstica e ressaltou que a existência da ação em julgamento significa que a luta pela igualação e pela “dignação” das mulheres está longe de acabar. Para ela, “um homem branco médio ocidental jamais poderá escrever ou pensar a igualdade e a desigualdade como uma de nós – porque o preconceito passa é pelo olhar”. Nesse sentido, a ministra afirma que as mulheres, inclusive ela, ainda que dispondo de um cargo oficial, são vistas de forma diferenciada, como usurpadoras do lugar do homem. Assevera que o fato de ainda haver mulheres sofrendo violência diz respeito a todas as mulheres, não se tratando de uma questão individual. Este ponto reflete sua discordância do ministro Fux, que afirmou que mulheres que sofrem violência doméstica não seriam iguais às que “tem uma vida comum”.

A ministra afirma que a Lei Maria da Penha é importante para garantir a dinâmica da igualdade, e que embora se afirme que uma ministra do STF não sofre preconceito, isso não é real, pois ainda que não sofra como outras mulheres, há ainda aqueles que acham que o STF não é lugar de mulher. A discriminação hoje não seria tão manifesta, o que não significa que não exista. Cármen Lúcia considera que historicamente a violência física dentro de casa aniquilou gerações e gerações de mulheres e que a necessidade da Lei Maria da Penha alerta para a continuidade da luta pela igualdade. Ela finaliza seu voto com a consideração de que as mulheres foram desigualadas por processos sociais históricos e por isso têm que ser tratadas de forma diferente.

O ministro Cezar Peluso defendeu a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, ou seja, votou pelo provimento da ADC 19, considerando que “a Lei Maria da Penha, na verdade, representou uma estratégia normativa do ordenamento jurídico brasileiro para, antes de ofender, aplicar na prática o princípio da igualdade”.

No entanto, ele foi o único a votar contra o provimento da ADI 4424. Segundo o ministro, sua posição não deveria ser entendida como “uma mera oposição à grande maioria, mas como um alerta ao legislador que, no caso, segundo todas as presunções, tinha boas razões para dar caráter condicionado à ação penal”. Para ele, não era possível supor que o legislador tenha sido leviano em sua opção porque, ao elaborar a Lei Maria da Penha, partiu dos elementos que surgiram em audiências públicas, elaborados por pessoas da área da sociologia e das ciências humanas que teriam contribuído com dados capazes de justificar a necessidade de representação da vítima no processo penal.

Refutando expressamente argumento utilizado pelo ministro Lewandowski sobre eventual existência de vício da vontade da mulher ofendida no momento da representação, o ministro Peluso afirmou que isso não é uma regra, ressaltando a importância do “exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana que é a responsabilidade do seu destino”. De acordo com o ministro, muitas mulheres não denunciam os agressores por escolha própria. Assim, a figura da representação teria sido prevista partindo do pressuposto de que “o ser humano se caracteriza justamente por ser sujeito da sua história, pela capacidade que ele tem de se decidir por um caminho”.

Afirma o ministro que o legislador deveria considerar alguns riscos que surgiriam após a decisão do STF de consolidar a tese da natureza incondicionada da ação: o primeiro seria a possibilidade de intimidação da mulher, por ela não poder influir no andamento da ação penal ou paralisá-la; o segundo risco seria o de sobrevir sentença condenatória com consequências imprevisíveis no seio da família em casos nos quais há consolidação de convivência pacificada entre uma mulher e seu parceiro.

O ministro considera ainda que o fato de a ação ser pública incondicionada poderia desencadear maior violência por parte do ofensor. A publicidade da ação penal não constituiria, segundo o voto, um impedimento a essa violência – pelo contrário, poderia aumentar a possibilidade de sua ocorrência, já que o agressor saberia estar sujeito a uma situação que escapa à possibilidade de intervenção, ou seja, que independe de uma eventual mudança de comportamento em relação à vítima. Para o ministro, o Judiciário não poderia assumir os riscos dessa decisão, que implicaria na perda da “visão da situação familiar”. Ele ressalta que o legislador buscou compatibilizar valores: a proteção da mulher e a necessidade da manutenção da situação familiar em que ela está envolvida – que não se resume apenas à condição da mulher ou de seu parceiro, mas também se refere aos filhos e a outros parentes.

Com o voto dissidente do ministro Peluso, o Supremo Tribunal Federal se manifestou formalmente, por maioria de votos, pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Foi interessante notar, a partir da análise dessa decisão, que vários argumentos que descrevemos neste texto, utilizados pelos desembargadores nos Tribunais de Justiça dos diversos Estados brasileiros estudados, repetiram-se na posição dos ministros desta Corte, principalmente aqueles que advogam pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

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4. Conclusão

O debate sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha não se reflete na formação de uma jurisprudência contrária a sua aplicação na segunda instância. Das 1.822 decisões analisadas nesta pesquisa, apenas 272 – 15% delas – discutem este problema. Destas, em 14 decisões os desembargadores aplicam parcialmente a Lei Maria da Penha, segundo o que denominam interpretação conforme a Constituição, e em apenas seis declarou-se efetivamente sua inconstitucionalidade.

Percebemos que a resistência à aplicação da Lei Maria da Penha concentra-se no tema da aplicação da Lei 9.099/95 (é isso que se discute nos 14 casos de interpretação conforme e em três dos casos de inconstitucionalidade). Isso significa que, nos casos em que o Tribunal de alguma forma resiste à aplicação da Lei Maria da Penha, o foco da discussão é a maior penalização do agressor e não a existência em si de mecanismos diferenciados de proteção à mulher. Além disso, tais posições são proferidas apenas por certos juízes de alguns Estados brasileiros.

Dos seis julgados mencionados acima, três deles foram proferidos por Adilson Vieira de Macabu, do TJRJ, para quem a vedação do Artigo 41, por impedir a aplicação das normas da Lei 9.099/95, fere o princípio da igualdade. As outras três decisões são de Romero Osme Dias Lopes, do TJMS, que utilizou exatamente o mesmo argumento. Esse desembargador, no entanto, acaba mudando suas decisões em função de posições de Tribunais superiores. Encontramos algumas decisões similares a estas, que chama a atenção para a influência que, em alguma medida, exercem os mecanismos de uniformização de jurisprudência.

Embora prevaleça a decisão por sua constitucionalidade, é de se mencionar que há votos vencidos que defendem a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha em todos os Tribunais. Diante desses dados, podemos dizer que, embora não tenhamos encontrado resistência generalizada à Lei Maria da Penha, não se pode assumir que o debate sobre sua constitucionalidade estivesse encerrado na jurisprudência de nossos Tribunais antes do julgamento da ADC 19 e da ADI 4424 pelo STF. Além disso, esta pesquisa alcança apenas as discussões que chegaram aos Tribunais e não abrange o que vem acontecendo em primeira instância, onde se tem notícia de casos de violência doméstica sendo processados pelo rito do Juizado Especial Criminal. Isso pode perfeitamente estar acontecendo, sem que uma das partes, insatisfeita com o desfecho, leve o caso à segunda instância.

Quanto às posições e aos argumentos utilizados, destacamos que há especificidades por Estado e em relação a alguns juízes dos Tribunais de Justiça. Ou seja, determinados argumentos aparecem apenas em alguns Tribunais e não aparecem ou aparecem residualmente em outros.

Lembramos que estamos tratando apenas dos desembargadores dos Tribunais de Justiça, de modo que não podemos nos aprofundar e afirmar se esta variação de argumentos encontrados decorre do tipo de questão levantada pela parte que levou o caso ao Tribunal ou da forma como cada desembargador decidiu fundamentar suas posições sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Provavelmente, esses dois fatores atuam simultaneamente.

De qualquer forma, parece-nos interessante verificar como algumas questões aparecem em alguns Tribunais e não aparecem em outros, ou aparecem com frequências bastante diversas. Por exemplo, o argumento mais utilizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para fundamentar a constitucionalidade da Lei Maria da Penha considera que esta lei promove licitamente a igualdade material entre homens e mulheres. Tal argumento foi utilizado em cerca de 30% das decisões do Tribunal referentes à constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O mesmo ocorre no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que utiliza o fundamento da promoção da igualdade material em torno de 40% das decisões sobre a questão. Em outros Tribunais sua importância é menor. Nas decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, por exemplo, o argumento aparece como forma de fundamentação pela constitucionalidade em aproximadamente 18% das decisões, proporção bem menor não somente em relação àquela referente aos Tribunais já apresentados. O argumento mais utilizado por este Tribunal é o da constitucionalidade da Lei Maria da Penha por já ter sido a mesma declarada pelo Pleno do Tribunal – cerca de 50% das decisões.

No Estado do Rio de Janeiro, o argumento pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha, por conta da promoção da igualdade material, aparece em aproximadamente 30% das decisões que versam sobre a constitucionalidade no Tribunal de Justiça daquele Estado. Nestas decisões, o argumento mais utilizado é o de que a competência para definição de quais são os crimes de menor potencial ofensivo é de fato do legislador ordinário – cerca de 45% das decisões se utilizam deste argumento. A proporção da utilização do mesmo argumento é bem diferente da encontrada em outros Estados: o Tribunal de Justiça de São Paulo se utiliza dele em 15% das decisões, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul em 10% e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 10%.

Pode-se notar, em geral, a variação entre os argumentos mais utilizados por cada Tribunal: o argumento que afirma que a Lei Maria da Penha é constitucional, pois visa cumprir o Artigo 226, §8º da Constituição Federal é usado em aproximadamente 20% das decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em casos que discutem a constitucionalidade da referida lei; já os Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul fundamentam a constitucionalidade utilizando tal argumento apenas em aproximadamente 5% das decisões.

Encontramos em 25% das decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que discutem a constitucionalidade da Lei Maria da Penha o argumento de que esta lei é constitucional, pois o legislador pretendeu punir de forma mais severa os autores de agressões contra a mulher, evitando supostos abusos dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95. Isso seria legítimo, tendo em vista que este crime constitui grave violação aos direitos humanos, bem como porque se trata de crime recorrente.

Argumento semelhante é bastante utilizado nas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, em cerca de 15%, enquanto é bem pouco utilizado nas decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em 7% das decisões, e nas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que ele é utilizado somente em 4% das decisões.

Podemos afirmar, como diagnóstico da aplicação da Lei Maria da Penha nos Tribunais estudados, que não houve na segunda instância uma resistência generalizada à aplicação da Lei Maria da Penha em função de sua suposta inconstitucionalidade, nem a formação de uma corrente jurisprudencial forte sustentando esta tese. No entanto, como dissemos, o fato de que esta pesquisa não compreende a primeira instância, a própria existência de posições contrárias à Lei Maria da Penha e a possibilidade de que estas decisões ganhem influência na jurisprudência não nos permitem negligenciar ou minimizar a discussão.

A recente decisão do STF (fevereiro de 2012) enfrentou e neutralizou as disputas interpretativas referentes à Lei Maria da Penha que foram mapeadas por este estudo ao declarar a constitucionalidade da lei e de dispositivos específicos (como é o caso do Artigo 41).

Isso, todavia, não implica a eliminação de controvérsias em torno da Lei Maria da Penha nos Tribunais brasileiros. Não há um ponto final ao debate jurídico dogmático. É necessário acompanhar quais disputas se delinearão após a nova circunscrição do debate com a decisão do STF.

É preciso ressaltar que este estudo concentrou-se nas resistências de aplicação relacionadas apenas à discussão sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Outras disputas – igualmente relevantes para a delimitação do campo de aplicação da referida lei, como é o caso, por exemplo, das condições de aplicação das medidas protetivas – ganham forma jurídica a partir de outra chave de discussão dogmática e devem ser consideradas para a formação de uma avaliação da aplicação da Lei Maria da Penha nos Tribunais brasileiros.

Importante, ainda, é aprofundar o estudo do problema para compreender melhor as resistências que possivelmente permanecem atuantes, por exemplo, em outras instâncias ou trazidas por meio de outros argumentos. Nossas conclusões neste artigo jogam luz apenas em um dos aspectos relativos à aplicação da Lei Maria da Penha, olhando somente para órgãos de segunda instância. Um diagnóstico mais abrangente do problema merece ainda ser elaborado, olhando-se para outras questões e para os filtros que possivelmente atuam antes que os casos cheguem aos Tribunais.

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Notas

1. A denúncia realizada por Maria da Penha Maia Fernandes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) avaliou que houve tolerância do Estado quanto à violência doméstica. Maria da Penha é uma biofarmacêutica brasileira que foi vítima de dupla tentativa de homicídio por seu marido em 1983 e que recorreu à Comissão em 1998 diante de irregularidades e demora injustificada do sistema judicial brasileiro.

2. Como discutiremos adiante, a Lei Maria da Penha, em seu Artigo 41, exclui expressamente a aplicação da Lei 9.099/95. Por consequência, excluiria também a aplicação do artigo 88 dessa lei aos casos de violência doméstica contra a mulher, o que significa dizer que as lesões corporais leves praticadas nesse contexto não seriam sujeitas a representação, como as demais. O Artigo 41 da Lei Maria da Penha, além de ter sido objeto de questionamento pela jurisprudência, como trataremos com mais detalhe ao longo deste texto, gerou dúvidas no que diz respeito à dispensa da representação da vítima. Isso porque o Artigo 16 da Lei Maria da Penha estabelece que, se a vítima dos crimes de que a Lei trata quiser renunciar à representação, terá que comparecer perante ao juiz, em audiência específica com tal finalidade. Diante dos dois dispositivos, levantou-se dúvida sobre o tipo de ação a que se submete a lesão corporal dolosa leve contra a mulher – incondicionada (observando-se a vedação de aplicação do Artigo 88 da Lei 9.099/95 nos casos tratados pela Lei Maria da Penha) ou condicionada à representação da vítima, de acordo com interpretação baseada no Artigo 16 da Lei Maria da Penha. Outra interpretação, entretanto, afirma que não se trata de incoerência da Lei Maria da Penha, mas que a representação mencionada pelo Artigo 16 se aplicaria para outros crimes, que não o da lesão leve, como por exemplo a ameaça (que também requer representação da vítima).

3. O Brasil é constituído por 27 unidades federativas estaduais. Cada uma delas possui um Tribunal de Justiça (TJ) competente para julgar, principalmente, recursos de decisões de juízos singulares de primeira instância. Os juízes que atuam nos Tribunais de Justiça são chamados de desembargadores. Como instâncias máximas do Poder Judiciário, encontram-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). O primeiro é responsável por julgar principalmente todos os recursos oriundos dos TJ. Por outro lado, o STF é responsável por julgar casos que envolvam questões constitucionais.

4. Entre as maneiras de se promover o controle concentrado de constitucionalidade, destacam-se, para as finalidades deste texto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A ADI tem como objetivo declarar em abstrato a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, enquanto a ADC tem como objetivo declarar em abstrato a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a, da Constituição Federal do Brasil). A ADI também é utilizada com o objetivo de que se confira à lei ou ao ato normativo federal ou estadual determinada interpretação “conforme à Constituição”, mecanismo hermenêutico utilizado por magistrados no Brasil, a partir do qual se confere à norma em questão uma interpretação que coaduna com os dispositivos constitucionais. A legitimidade para propor tais ações é restrita. No caso da ADI e da ADC, são competentes para propor a ação: a) o Presidente da República; b) a mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputados; d) a Mesa da Assembleia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; e) o Governador do Estado e do Distrito Federal; f) o Procurador Geral da República; g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; h) partido político com representação no Congresso Nacional; i) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

5. A seleção de jurisprudência via acervo digital possui algumas limitações, sendo a principal delas a insegurança a respeito da disponibilização de todas as decisões referentes aos termos procurados. Ainda que não se possa tirar conclusões a respeito do universo de casos efetivamente julgados, estamos diante de todos os casos que os Tribunais disponibilizaram ao público.

6. O acórdão do julgamento pelo STF ainda não fora publicado à época da finalização deste texto. A descrição do julgamento se faz aqui tomando por base a declaração e leitura pública dos votos pelos ministros durante a sessão de julgamento, veiculada integralmente pela TV Justiça e disponível em: <http://www.youtube.com/playlist?list=PL18BEF1AC0B1D43AA&feature=plcp>. Último acesso em: 2 Nov. 2011.

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Referências

Bibliografia e outras fontes

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Marta Rodriguez de Assis Machado

Marta Rodriguez de Assis Machado é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Pesquisadora permanente do Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (CEBRAP). Mestre e doutora em Direito pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Email: marta.machado@fgv.br

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.

José Rodrigo Rodriguez

José Rodrigo Rodriguez é professor, editor da Revista Direito GV, coordenador de publicações da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador permanente do Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP. Mestre em Direito pela USP e Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Email: jrodrigorodriguez@gmail

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.

Flavio Marques Prol

Flavio Marques Prol é mestrando em Direito pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. Atualmente é pesquisador júnior do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (CEBRAP).

Email: flavio.prol@usp.br

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.

Gabriela Justino da Silva

Gabriela Justino da Silva é graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora júnior do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (CEBRAP) e bolsista de iniciação científica pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Email: gabriela.justino@gmail.com

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.

Marina Zanata Ganzarolli

Marina Zanata Ganzarolli é bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora júnior do CEBRAP e bolsista de iniciação científica pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Email: marizg@gmail.com

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.

Renata do Vale Elias

Renata do Vale Elias é graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora júnior do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (CEBRAP) e foi bolsista de iniciação científica pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Email: renata.vale.elias@gmail.com

Original em português.

Recebido em janeiro de 2012. Aprovado em abril de 2012.

* Essa pesquisa empírica, realizada pelo Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em parceria com a Direito GV e em colaboração com o Instituto Latinoamericano da Freie Universität Berlin, está inserida em um contexto maior do projeto temático da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) do Núcleo Direito e Democracia, no qual se analisa a relação entre movimentos sociais, direito e o conceito de autonomia. Esta pesquisa é parcialmente fi nanciada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico), processo n. 402419/2010-3. A equipe envolvida nesta pesquisa empírica conta ainda com as seguintes pesquisadoras: Fabiola Fanti, Carolina Cutrupi Ferreira, Carla Araujo Voros, Haydée Fiorino e Natália Neris da Silva Santos. Agradecemos especialmente a Carolina Cutrupi Ferreira pela ajuda na extração e discussão dos dados ora apresentados.