Responsabilidade das Empresas

O Marco Ruggie

David Bilchitz

Uma proposta adequada para as obrigações de direitos humanos das empresas?

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RESUMO

John Ruggie, Representante Especial sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas, propõe um marco normativo em que sustenta que a responsabilidade fundamental das empresas é respeitar os direitos humanos. Este artigo procura inicialmente analisar essa afirmação à luz do direito internacional dos direitos humanos: argumentaremos que enquanto a concepção de Ruggie da responsabilidade de respeitar inclui também uma responsabilidade de proteger, a natureza da responsabilidade permanece em larga medida “negativa” em sua natureza. A segunda parte deste artigo sustenta que a concepção de Ruggie acerca da natureza das obrigações corporativas está errada: deve-se exigir das empresas não somente que evitem ferir os direitos fundamentais, mas também que contribuam ativamente para a realização desses direitos. Será apresentado um argumento normativo para essa asserção. Essa compreensão da natureza das obrigações corporativas é de particular importância para os países em desenvolvimento e será ilustrada com uma consideração do dever dos laboratórios farmacêuticos de produzir medicamentos capazes de salvar vidas a preços acessíveis para as pessoas que precisam deles.

Palavras-Chave

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Os defensores dos direitos humanos estão percebendo, cada vez mais, a importância de se assegurar que a responsabilidade pela realização de tais direitos não é apenas dos Estados (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008; PAUST, 2002, p. 817-819).1 Tradicionalmente, o foco do direito internacional incidia sobre os Estados como sujeitos primários do direito internacional: no entanto, nos últimos anos, o foco maior está sendo projetado, tanto no meio acadêmico como nas Nações Unidas (ONU), sobre as obrigações legais de atores não-estatais, tais como organizações não-governamentais, organizações de libertação e empresas (ALSTON, 2005, p. 4-6). Em particular, dado o poder das empresas de influenciar a realização dos direitos fundamentais, tem havido uma série de iniciativas, principalmente voluntárias, que procuram delinear as responsabilidades das empresas a esse respeito.2

Em 2005, o Conselho de Direitos Humanos da ONU solicitou ao Secretário-Geral que nomeasse um Representante Especial (RESG) para investigar uma série de questões importantes sobre as relações entre direitos humanos e empresas. O mandato do RESG surgiu do fracasso do Conselho, no ano anterior, de adotar um documento conhecido como Normas da ONU sobre as Responsabilidades das Empresas Transnacionais e outros Empreendimentos Privados com relação aos Direitos Humanos (doravante “Normas”).3 A pessoa nomeada – o professor John Ruggie, da Universidade de Harvard – empreendeu uma pesquisa abrangente nessa área e lançou uma série de importantes relatórios.4 Em abril de 2008, ele tornou pública sua proposta de marco normativo para a imposição, às corporações, de responsabilidades em direitos humanos (que chamarei de “marco Ruggie”). Este artigo procura avaliar a concepção de Ruggie sobre a natureza e o alcance das responsabilidades das empresas pela realização de direitos fundamentais.5

A Parte I deste trabalho refere-se ao reconhecimento da importância dessa questão no trabalho realizado por Ruggie durante seu mandato, bem como pretende captar com precisão o que Ruggie considera de fato como sendo a natureza das responsabilidades das empresas em relação aos direitos fundamentais. Em primeiro lugar, esboçamos uma breve história do mandato, a qual, como é sugerido na seção final deste artigo, pode fornecer alguma explicação para as posições conservadoras que Ruggie adota. Depois de delinear os principais componentes do marco Ruggie de 2008, o foco é deslocado para a alegação de Ruggie de que as empresas têm, em essência, apenas a “responsabilidade de respeitar” os direitos fundamentais. Utilizamos princípios da lei internacional dos direitos humanos para ajudar a esclarecer o que Ruggie entende por “responsabilidade de respeitar”, a qual, argumentaremos, inclui também uma “responsabilidade de proteger”. Apesar da interpretação abrangente de Ruggie dessa responsabilidade, sustentamos que o cerne da posição Ruggie é de que as empresas em geral só têm “obrigações negativas” visando não ferir os direitos fundamentais de outras pessoas através de suas ações ou das ações daqueles com quem estão associadas.

A Parte II deste artigo avalia criticamente a concepção de Ruggie acerca do alcance das obrigações das empresas. Apresentamos um argumento normativo para a afirmação de que essas obrigações não devem envolver apenas obrigações “negativas” para evitar danos, mas também um “dever a cumprir”: a obrigação de contribuir ativamente para a realização dos direitos fundamentais. O argumento envolve uma discussão das afirmações de Ruggie no que concerne às responsabilidades diferenciadas dos Estados e das empresas. Embora favorável à necessidade de tal distinção, defendemos que ela não capta a diferença entre obrigações positivas e negativas. Prosseguindo nessa linha, apresentamos um exemplo que evidencia a importância de se reconhecer que as empresas têm obrigações positivas para com a realização dos direitos fundamentais. O exemplo diz respeito ao dever dos laboratórios farmacêuticos de produzir medicamentos capazes de salvar vidas (tais como os tratamentos antirretrovirais) a preço acessível, e oferece uma ilustração clara do grande impacto que as obrigações positivas das empresas podem causar sobre os indivíduos, particularmente nos países em desenvolvimento.

A parte final deste artigo considera uma possível justificativa para o problema fundamental que identificamos na obra de Ruggie. Muitas de suas conclusões, em nossa opinião, são motivadas pelo desejo de alcançar um consenso na comunidade mundial, o que implicou, em última instância, propor uma série de compromissos pragmáticos visando alcançar esse objetivo. Embora os defensores dos direitos humanos devam ser sensíveis às dificuldades de obtenção de um consenso global, o marco Ruggie vai longe demais ao sacrificar princípios com vistas a obter um acordo. Tal como está, as falhas no marco Ruggie – em especial a redução das obrigações das empresas para com a “responsabilidade de respeitar” – poderiam ameaçar a realização dos direitos fundamentais (em particular nos países em desenvolvimento) e pôr em perigo o desenvolvimento de um marco mais adequado à proteção dos direitos fundamentais a longo prazo. Aceitar o marco minimalista de Ruggie, tal como está, significaria reduzir em muito nossas expectativas em relação às empresas, e também à possibilidade de transformar o nosso mundo, da situação atual de grandes diferenciais no bem-estar, em outro, que ofereça a possibilidade de realização dos direitos de todos.

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Parte I
O mandato de Ruggie e a natureza das responsabilidades empresariais

1. Contexto

Em 2003, a Subcomissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos aprovou um documento denominado Normas da ONU sobre as Responsabilidades das Empresas Transnacionais e outros Empreendimentos Privados com relação aos Direitos Humanos (doravante “Normas”). Essas Normas buscavam “determinar de modo definitivo os direitos humanos e responsabilidades ambientais imputáveis às empresas” (NOLAN, 2005, p. 581). Essas responsabilidades foram concebidas para serem obrigações imperativas impostas pelo direito internacional às empresas.6 Os direitos que as Normas identificam como sendo aplicáveis às empresas incluem vários candidatos óbvios, tais como os direitos trabalhistas e ambientais, bem como uma disposição genérica abrangente de que as empresas podem ser responsáveis por toda a gama de direitos humanos em sua “esfera de influência” (NAÇÕES UNIDAS, 2003a, § 1). Como tal, as Normas foram além das iniciativas voluntárias que até então eram o marco dominante no qual a responsabilidade empresarial pela realização dos direitos humanos vinha sendo articulada. Eles impunham responsabilidades abrangentes às empresas quanto à realização dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo em que delineavam os contornos de um regime jurídico internacional que regeria as empresas transnacionais e outras empresas privadas nessa área. Afirmou-se que as Normas derivavam sua autoridade legal “de suas fontes em tratados e leis consuetudinárias internacionais, como uma reafirmação de princípios legais internacionais aplicáveis a empresas” (WEISSBRODT; KRUGER, 2003, p. 915).7

A reação às Normas foi controvertida. Muitas organizações não-governamentais de direitos humanos (ONGs) aprovaram seu projeto (RUGGIE, 2007, p. 821). No entanto, a comunidade empresarial, representada pela Câmara de Comércio Internacional e pela Organização Internacional de Empregadores, foi fortemente contrária. As Normas foram submetidas à Comissão de Direitos Humanos, onde receberam uma recepção amplamente hostil da parte de uma série de Estados (BACKER, 2006, p. 288). A Comissão acabou por declarar que as Normas “não tinham base legal” e que a Subcomissão “não deveria desempenhar qualquer função de monitoramento nesse sentido” (NAÇÕES UNIDAS, 2004b).

Embora as Normas não obtivessem consenso e não conseguissem angariar amplo apoio, muitos Estados ainda achavam que a responsabilidade das empresas no que concerne à realização dos direitos humanos era importante e exigiam mais investigações. Um ano após a resolução sobre o Projeto de Normas da ONU, a Comissão de Direitos Humanos da ONU pediu que o Secretário-Geral nomeasse um Representante Especial (RESG) para investigar mais profundamente algumas das questões pendentes relacionadas com empresas e direitos humanos (RUGGIE, 2007, p. 821). O indicado – professor John Ruggie, da Universidade de Harvard – foi inicialmente nomeado para um período de dois anos e recebeu um mandato que definia os termos de referência para suas atividades.

2. O mandato e suas principais características

O mandato do RESG exigia que ele apresentasse suas opiniões e recomendações para a consideração da Comissão sobre as seguintes questões:

(a) identificar e esclarecer padrões de responsabilida de empresarial e accountability para empresas transnacionais e outras empresas no que diz respeito aos direitos humanos;
(b) examinar a participação dos Estados na efetiva regulamentação e atribuição de papel das empresas transnacionais e outras empresas no que diz respeito aos direitos humanos, inclusive mediante cooperação internacional;
(c) investigar e esclarecer as implicações, para as empresas transnacionais e outras empresas, de conceitos como “cumplicidade” e “esfera de influência”;
(d) desenvolver materiais e metodologias para empreender avaliações do ponto de vista do impacto sobre os direitos humanos das atividades das empresas transnacionais e outras empresas;
(e) compilar um compêndio de melhores práticas dos Estados e das empresas transnacionais e outras empresas (NAÇÕES UNIDAS, 2005, § 1).

Está claro que o mandato é amplo e pretende tratar de uma série de questões fundamentais no campo dos direitos humanos e empresas. Evidentemente, em muitos aspectos, o mandato surgiu das discussões em torno do Projeto de Normas da ONU, que deu o impulso necessário para o exame de determinadas questões fundamentais.8 Considerando os vários componentes do mandato, seu trabalho pode ser conceitualmente dividido em duas áreas fundamentais. Primeiro, o RESG deve procurar esclarecer o que pode ser chamado de “questão de conteúdo”: quais são de fato as obrigações que as corporações têm (ou deveriam ter) para com a realização dos direitos humanos? Em segundo lugar, há a questão institucional: que instituições e formas de controle podem assegurar melhor que as empresas assumam as responsabilidades que têm em matéria de direitos fundamentais? Essa última pergunta levanta uma outra questão sobre quem tem a responsabilidade de assegurar que as empresas cumpram as suas responsabilidades: o mandato deve investigar o papel do Estado a esse respeito, bem como o papel das próprias empresas nesse processo.9

Embora algumas das tarefas do mandato estejam baseadas em evidências e exijam um estudo descritivo, a relevância final do mandato – ao menos em relação à “questão de conteúdo” – deve ser normativa. Seu ponto de partida está na falta de clareza acerca das responsabilidades das empresas no que concerne à proteção dos direitos humanos e a tarefa do RESG é fornecer esclarecimentos a esse respeito. A noção de esclarecimento sugere que os padrões existentes não são claros e carecem de definição. Contudo, o processo de elucidação dos padrões não é simplesmente descritivo: ao contrário, exige interpretação da posição jurídica internacional já estabelecida, bem como das escolhas disponíveis no que diz respeito às normas que “devem” governar uma área particular.10 Trata-se de algo que foi reconhecido pelo RESG em seu primeiro relatório, no qual, ao descrever seu mandato, ele afirma que “na medida em que implicará inevitavelmente a avaliação de situações difíceis que estão elas mesmas em fluxo, esse mandato inevitavelmente acarretará também fazer juízos normativos” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, § 81).

3. A execução do mandato e o marco Ruggie

Desde o início do seu mandato, Ruggie estimulou muita discussão nessa área e produziu uma série de documentos importantes. Ele, juntamente com sua equipe de pesquisadores e consultores, promoveu consultas com os mais importantes interessados nessa área e conduziu uma ampla pesquisa acadêmica nesse campo (RUGGIE, 2007, p. 822). Ele também produziu quatro relatórios importantes que foram submetidos à Comissão de Direitos Humanos a cada ano. Este artigo se concentrará sobre o marco Ruggie, um relatório divulgado em 2008, que contém uma proposta de “marco conceitual e político, um fundamento em que o pensamento e a ação possam se basear” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 8). Os relatórios anteriores e posteriores também serão levados em consideração na medida em que influenciaram a natureza do marco.

O marco Ruggie assenta-se sobre o que ele chama de “responsabilidades diferenciadas, mas complementares” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 9) e compreende três princípios fundamentais. Em primeiro lugar, o relatório ressalta a obrigação do Estado de proteger os direitos individuais contra abusos perpetrados por atores não-estatais.11 Para esse fim, os Estados são incentivados a adotar medidas reguladoras visando reforçar o marco legal que rege os direitos humanos e empresas, bem como propiciar mecanismos para impor o cumprimento dessas obrigações (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 18).

Em segundo lugar, pressupõe que as empresas devam ter a responsabilidade de respeitar os direitos humanos. Ruggie afirma em seu marco que a responsabilidade empresarial deve se estender a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Ele também assevera que é necessário concentrar a atenção nas responsabilidades específicas das empresas em relação aos direitos fundamentais e distingui-las da responsabilidade dos Estados. “Respeitar os direitos significa essencialmente não infringir os direitos dos outros – dito de forma mais simples, não causar danos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 24.). O relatório propõe uma abordagem baseada na “devida diligência” pela qual se espera que as empresas garantam que suas atividades não causem impactos adversos nos direitos humanos.

Por fim, o terceiro princípio é que deve haver acesso a recursos quando surgirem litígios relativos ao impacto das corporações sobre os direitos fundamentais (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 26, 82). Isso significa assegurar que ocorram processos de investigação onde houver denúncia de violações, bem como tomar medidas de reparação e punição, quando necessárias. O relatório propõe uma série de mecanismos judiciais e extrajudiciais para aperfeiçoar e reforçar a execução dessas medidas.

Apesar de Ruggie apresentar os três pontos do marco como componentes igualmente importantes, é relevante examinar se é de fato assim e quais as relações entre eles. Quando consideramos o dever do Estado de proteger, torna-se evidente que isso faz parte da função do Estado como um agente de execução no direito internacional; isto significa que o Estado toma para si a tarefa de assegurar que outras entidades compreendam e cumpram suas responsabilidades em relação aos direitos fundamentais. O detalhe concreto do dever do Estado de proteger – quais as medidas de imposição que deve adotar, por exemplo – será guiado pelas obrigações que os atores não-estatais têm e o modo como podem causar impacto sobre os direitos fundamentais. Essas obrigações são tratadas na segunda parte do marco Ruggie, que delineia a responsabilidade das empresas de respeitar.

Uma observação semelhante pode ser feita sobre a terceira parte do marco, referente ao acesso a recursos. Essa terceira parte não trata do conteúdo das obrigações a que as empresas estão sujeitas, mas dos recursos que devem ser providenciados se tais obrigações não forem cumpridas. Desse modo, a primeira e a terceira partes do marco operam em conjunto: se o Estado é o principal agente de imposição de normas, então ele será responsável por garantir que os recursos estejam disponíveis quando os direitos fundamentais forem violados. Na verdade, a terceira parte do marco pode ser vista genericamente como uma subseção do dever do Estado de proteger, determinando quais recursos o Estado deve criar, no caso de uma violação (embora os recursos não precisem ser de competência exclusiva do Estado).

Essa análise das diversas partes do marco Ruggie indica que o cerne conceitual do mandato deve referir-se ao esclarecimento das obrigações das empresas para com a realização dos direitos humanos. A primeira e a terceira parte do marco dependem de chegar a uma concepção adequada quanto ao alcance das obrigações empresariais. É a esta questão que me dedicarei agora.

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4. A responsabilidade empresarial de respeitar

A parte normativa fundamental do marco Ruggie é, sob muitos aspectos, a sua afirmação de que as empresas têm a responsabilidade específica de respeitar os direitos humanos. O alcance desse dever é definido, em larga medida, por “expectativas sociais” e pela noção de “licença social de uma companhia para operar” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 54). A responsabilidade de respeitar envolve efetivamente “não causar danos”. Isso vai além de uma responsabilidade passiva e pode implicar a adoção de medidas positivas.12 O cumprimento da responsabilidade requer uma referência à noção de devida diligência.13 “Esse conceito descreve as medidas que uma empresa deve adotar para tornar-se consciente, prevenir e combater impactos adversos sobre os direitos humanos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 56). O alcance do dever pode ser ressaltado por três conjuntos de fatores. Primeiro, devem-se considerar os contextos nos quais ocorrem as atividades empresariais e os desafios específicos relativos aos direitos humanos que possam surgir. Em segundo lugar, o impacto dos negócios sobre os direitos humanos nestes contextos específicos deve ser levado em conta. Finalmente, deve-se considerar o potencial que as atividades empresariais têm de contribuir para a violação através de relações com outros agentes, tais como parceiros comerciais, fornecedores, órgãos do Estado e outros atores não-estatais. O conteúdo substantivo do processo de devida diligencia envolve referência à Carta Internacional dos Direitos e às convenções da Organização Internacional do Trabalho que encarnam os valores de referência perante os quais “os atores sociais julgam os impactos das empresas sobre os direitos humanos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 58.).

A fim de entender o que ele quer dizer com responsabilidade de respeitar, é importante distinguir a linguagem que Ruggie utiliza daquela empregada nas Normas. É notório que as Normas atribuem uma gama muito mais ampla de obrigações às empresas para “promover, garantir o cumprimento, respeitar, garantir o respeito e proteger os direitos humanos reconhecidos na legislação tanto internacional como nacional” na esfera de sua atividade e influência (NAÇÕES UNIDAS, 2003a, § 1). Ruggie inicia a discussão sobre a natureza das obrigações sociais criticando o enfoque adotado pelas Normas. Segundo ele, elas tentam identificar uma lista específica de direitos pelos quais as empresas podem ser responsáveis. Em relação a esses direitos, as Normas ampliam o conjunto completo de funções que têm os Estados, ressalvando que as empresas só têm esses deveres quando eles caem na “esfera de influência” de uma empresa e que tais deveres são “secundários”, em vez de “primários”. Ruggie critica esse marco por tentar definir uma “lista limitada de direitos associados às responsabilidades imprecisas e abrangentes”, em lugar de “definir as responsabilidades específicas das empresas no que diz respeito a todos os direitos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 51).14 A fim de captar com precisão as diferenças entre a posição de Ruggie e as delineadas nas Normas, é necessário investigar em especial o significado técnico das obrigações de respeitar, proteger e cumprir no direito internacional dos direitos humanos.

Henry Shue (SHUE, 1996, p. 52) fez uma crítica famosa às tentativas de distinguir entre “direitos negativos” e “direitos positivos”, alegando que os primeiros, de um modo geral, ocasionam a obrigação de evitar a violação dos direitos dos outros, ao passo que os últimos levam à obrigação de tomar medidas ativas para concretizar os direitos dos outros.15 De acordo com Shue, é mais exato reconhecer que o “cumprimento integral de cada tipo de direito envolve a realização de vários tipos de deveres” (SHUE, 1996, p. 52). Assim, cada direito – seja civil e político ou socioeconômico – não tem apenas um tipo de dever correlato, mas pode ter pelo menos três tipos de deveres correlatos que dele emanam, se o direito for realizado com êxito.16 Esses deveres incluem deveres que visam não privar um indivíduo de um direito (que são em geral de caráter “negativo”); deveres de proteger os indivíduos contra a privação de seus direitos (que surgem, em geral, para garantir que os deveres de evitar privar e de ajudar sejam cumpridos); e deveres de ajudar aquelas pessoas privadas de seus direitos (esses deveres são em grande medida de caráter “positivo” e requerem que sejam tomadas medidas ativas para o cumprimento dos direitos) (Shue, 1996, p. 52-55).

A tipologia de deveres de Shue influenciou a análise das obrigações impostas pelos tratados de direitos humanos aos Estados-Partes.17 Desse modo, espelhou-se no idioma internacional dos direitos humanos, ao reconhecer que os Estados têm o dever de respeitar (evitar a privação de direitos); o dever de proteger (proteger contra a privação de direitos), e um dever de cumprir (ajudar s pessoas desprovidas de seus direitos). Nos últimos anos, alguns dos órgãos dos tratados ampliaram essa estrutura para levar em conta outras obrigações que possam ser necessárias para a implementação efetiva de um direito.18

Vista por este prisma, a alegação de Ruggie de que as empresas só têm a responsabilidade de respeitar pareceria, à primeira vista, envolver uma severa contração das obrigações que elas podem ser obrigadas a realizar, em comparação com aquelas impostas pelas Normas.19 De fato, a comparação parece sugerir que, na visão de Ruggie, as empresas têm principalmente a responsabilidade de se abster de violar direitos, mas não são obrigadas a contribuir ativamente para a sua realização. Algumas das declarações de Ruggie relativas à responsabilidade de respeitar, no entanto, revelam uma certa ambiguidade sobre a adoção ou não de uma interpretação restritiva do direito internacional dos direitos humanos. A próxima seção tenta obter uma clareza maior sobre a natureza da responsabilidade de respeitar no trabalho de Ruggie, antes de criticá-lo.

5. O cerne “negativo” da responsabilidade de respeitar

O elemento-chave da responsabilidade de respeitar parece ser o dever negativo de evitar a violação dos direitos dos outros, “dito de forma mais simples, não causar danos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 24). Ruggie afirma que esta é a “expectativa básica inicial para todas as empresas em todas as situações” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 24). Contudo, ele afirma que pode haver responsabilidades adicionais para as empresas em circunstâncias particulares e reconhece que estas podem surgir quando elas executam determinadas funções públicas ou assumem compromissos adicionais de forma voluntária. Porém, essas responsabilidades não se aplicam a todas as situações: é apenas a responsabilidade negativa de respeitar que se aplica sempre (NAÇÕES UNIDAS, 2009c, § 48.).

Além disso, ao explorar o alcance da responsabilidade de respeitar, Ruggie afirma que “não produzir dano” pode exigir que medidas positivas sejam tomadas para garantir que a ação empresarial não tenha conseqüências negativas (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 24).20 Qual o impacto disso sobre a natureza dos deveres abarcados pela responsabilidade de respeitar?

O exemplo usado por Ruggie é importante para ajudar a compreender o alcance da responsabilidade de respeitar; uma política de antidiscriminação no local de trabalho, segundo ele, pode exigir que uma empresa adote regras de recrutamento e programas de treinamento específicos (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 55). Se tentarmos extrair o que ele pretende dizer com esta declaração, presumivelmente, o componente de treinamento de tais programas seria projetado para mudar as atitudes discriminatórias dentro de uma empresa.21 Os programas de recrutamento, ao que parece, teriam de se basear, ao menos, em princípios de igualdade de oportunidades e poderiam, talvez, envolver também alguma forma de ação afirmativa para corrigir práticas discriminatórias do passado. Esse exemplo, contudo, ressalta o fato de que todas as medidas positivas que uma empresa deve tomar destinam-se, em última instância, a prevenir as violações dos direitos fundamentais; no exemplo oferecido por Ruggie, a violação implicaria a infração dos direitos de igualdade por meio de práticas discriminatórias. Os deveres positivos de uma empresa, nesse contexto, apenas derivam da obrigação “negativa” geral de evitar a violação de direitos e são projetados essencialmente para proteger contra tais violações.

Para Ruggie, as obrigações das empresas também não devem simplesmente se limitar a tomar medidas positivas para evitar a violação de direitos por meio de suas próprias ações. No inquérito de devida diligência que propõe, Ruggie apóia a posição de que a empresa também deve considerar como poderia contribuir para violações dos direitos humanos por intermédio do abuso de terceiros.22 Ele é claro ao dizer que a responsabilidade empresarial de respeitar implicaria evitar a “cumplicidade” que “se refere ao envolvimento indireto de empresas em violações de direitos humanos – situação na qual o dano real é cometido por outra parte, inclusive governos e atores não-estatais” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, §. 73).

O que Ruggie diz aqui pode ser comparado aos deveres positivos que um Estado teria de proteger os indivíduos contra as violações de seus direitos por terceiros. Tomemos, por exemplo, suas obrigações em relação ao direito à liberdade e à segurança das pessoas. Para a realização desse direito, se exigiria do Estado, entre outras coisas, que protegesse os indivíduos de atividades criminosas violentas. Isso acarretaria que o Estado estabelecesse agências apropriadas de imposição da lei, procurando entender as causas do crime e o combatendo por meio de políticas cuidadosamente concebidas. O Estado poderia também ser convocado a educar seus cidadãos sobre as formas de evitar a atividade criminosa, bem como aconselhar sobre como evitar ser vítima de crime.23

No contexto do Estado, esse direito costuma fazer parte do que é chamado pelo direito internacional dos direitos humanos de “dever de proteger”. Em relação às empresas, parece então que Ruggie pretende ir além do significado tradicional em direito dos direitos humanos de uma responsabilidade de respeitar . Na verdade, seu ponto de vista parece indicar que as empresas também têm a responsabilidade de proteger os indivíduos contra abusos de terceiros com os quais elas têm alguma forma de contato.

A fusão desses dois deveres dentro da responsabilidade de respeitar é susceptível de causar confusão devido à diferente taxonomia adotada pelo direito internacional dos direitos humanos. Tendo em vista a opinião de Ruggie sobre esta matéria, teria sido desejável, portanto, reconhecer explicitamente que a responsabilidade empresarial inclui ambos os deveres de respeitar e proteger tal como são concebidos atualmente no direito internacional dos direitos humanos. No entanto, mesmo com esta análise mais profunda do que Ruggie prevê para as obrigações empresariais, ainda é evidente que seu marco estreita o foco delas para a tarefa em grande medida “negativa” de evitar danos aos direitos fundamentais – seja por ações da própria corporação ou por aqueles que estão a ela associados – em vez de exigir que as empresas assumam obrigações positivas para adotar ativamente medidas que visem a realização dos direitos humanos.24 Na próxima parte deste artigo, analisamos de forma crítica essa asserção sobre o alcance distintivo das obrigações das empresas para com a realização dos direitos e apresentamos um argumento normativo para ampliar o leque dessas responsabilidades a fim de incluir um “dever de cumprir”.

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Parte II
Os deveres empresariais além da responsabilidade de respeitar

1. O papel do Estado e o papel da empresa

Uma das principais críticas que Ruggie faz ao Projeto de Normas é o fato de que elas “estendem às companhias, em essência, toda a gama de deveres dos Estados” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 51). Embora reconheçam que certos direitos possam não dizer respeito às empresas, as Normas “não articulam nenhum princípio real de diferenciação das responsabilidades dos direitos humanos com base nos respectivos papéis sociais desempenhados pelos Estados e pelas empresas” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, § 66). Embora as empresas possam ser “órgãos da sociedade”, Ruggie declara que elas são “órgãos econômicos especializados”, e não “instituições públicas democráticas” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 53.). A natureza diferente de empresas e Estados, portanto, significa que “as responsabilidades da empresa não podem e não devem simplesmente refletir as obrigações dos Estados” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 53). Em consequência, conclui Ruggie, “por sua própria natureza, as empresas não têm um papel geral em relação aos direitos humanos, como os Estados, mas um papel especializado” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, § 66). Portanto, ele tenta em seu marco normativo identificar “as responsabilidades específicas das empresas em relação aos direitos humanos” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 53). Sua afirmação de que as empresas têm apenas a responsabilidade de respeitar reflete essa tentativa de captar o papel específico que elas devem desempenhar em relação aos direitos fundamentais.25

O argumento aqui é de importância central na determinação do papel que as empresas devem desempenhar na realização dos direitos fundamentais. É incontestável que o Estado e a empresa são entidades distintas, com diferentes papéis na ordem social. No entanto, reconhecer esse ponto não implica que as obrigações das empresas estejam limitadas a deveres em grande medida “negativos”, englobados na responsabilidade de respeitar. A fim de compreender a natureza das obrigações que as empresas devem ter em relação aos direitos fundamentais, precisamos de uma teoria normativa que seja capaz de relacionar o caráter específico da empresa às formas de obrigação às quais devem estar sujeitas. Tentarei agora oferecer um breve esboço de uma teoria desse tipo que proporcione suporte para a idéia de que as obrigações das empresas não se limitam à responsabilidade de respeitar, mas também incluem obrigações positivas de promover e realizar os direitos fundamentais.26

2. O enraizamento das obrigações na função social da empresa

Os negócios são conduzidos por meio de uma variedade de formas legais: no entanto, a estrutura dominante no mundo moderno é a sociedade anônima.27 A principal característica distintiva desse tipo de empresa é aquilo frequentemente chamado de sua “personalidade jurídica independente”, que permite à empresa ser a titular de seus próprios direitos e responsabilidades.28 Isso é claramente um constructo, já que a empresa não pode, na realidade, atuar senão por meio dos indivíduos que a compõem e que são os cérebros por trás dela. Não obstante, a concepção de uma empresa como pessoa jurídica independente tem uma série de vantagens legais, entre as quais está, em especial, a noção de responsabilidade limitada (MILLER; JENTZ, 2005, p. 519); a sociedade anônima protege os acionistas da responsabilidade integral no que concerne ao destino da empresa e, portanto, “o risco dos contribuintes não vai além da perda do montante de capital com o qual entraram no empreendimento” (CILLIERS, 2000, p. 66).29 As empresas também ganham a vantagem da sucessão perpétua, na medida em que continuam a existir, independentemente de mudanças em sua composição acionária (ou em sua equipe). Esses benefícios legais foram desenvolvidos claramente para obter um certo número de vantagens sociais: eles encorajam as pessoas a assumirem mais riscos, estimulam a inovação e proporcionam um catalisador para uma concorrência maior.30 Grande parte da legislação empresarial evoluiu no sentido de garantir que esses benefícios sejam obtidos e que os riscos que decorrem da criação de uma estrutura como a sociedade anônima não se concretizem (BACKER, 2006, p. 298-300).

Está claro, portanto, que as empresas são essencialmente entidades criadas e regulamentadas por meio legal, a fim de obter uma série de benefícios individuais e sociais que decorrem da personalidade jurídica separada.31 Evidentemente, se as vantagens da personalidade empresarial fossem acompanhadas por graves danos sociais, então haveria necessidade de restrições legais às empresas, para proteger contra esses danos.32 Tais danos podem efetivamente decorrer do próprio fato de que o foco da atividade empresarial é com frequência obter vantagens para seus acionistas sem lhes impor plena responsabilidade por suas ações; há quem argumente que “isso cria uma estrutura que é patológica na busca do lucro” (CORPORATE WATCH, 2006; BAKAN, 2004). A necessidade de regulamentação que proteja contra os danos resultantes da criação de uma estrutura empresarial poderia oferecer uma base normativa para as obrigações que decorreriam da responsabilidade de respeitar de Ruggie. Uma vez que cada indivíduo deve ter seus direitos respeitados e a sociedade anônima poderia funcionar como um método para evitar a responsabilidade por tais violações, é de importância crucial garantir que as empresas sejam obrigadas a, pelo menos, evitar danos a esses direitos fundamentais.

No entanto, uma vez que concebemos que o objetivo de proporcionar às empresas uma personalidade jurídica independente é a criação de certas vantagens sociais, a questão é por que precisamos limitar nossa concepção desses benefícios aos tradicionais descritos acima. Se as empresas são capazes de obter esses benefícios e ainda assim contribuir para outros bens sociais de importância vital, por que não exigir que elas também promovam ativamente esses bens?33 Além disso, tendo em vista que a existência da personalidade jurídica independente oferece muitas vantagens para aqueles que investem na empresa, por que a sociedade não deveria exigir que as empresas pagassem uma forma de dividendo social a fim de obter essas mesmas vantagens?34 Tendo em vista que a lei cria a sociedade anônima para fins sociais, não fica claro por que ela não pode impor obrigações às empresas para que elas ativamente realizem determinados bens sociais, desde que isso não as impeça fundamentalmente de atingir seus objetivos econômicos.35 Além disso, a realização dos direitos fundamentais não é qualquer tipo de bem social. Ela é (ou deveria ser) uma norma central da ordem jurídica internacional, bem como dos sistemas jurídicos nacionais nos quais as empresas estão registradas. Ela desempenha um papel tão importante nos sistemas jurídicos por uma razão muito boa: os direitos fundamentais dizem respeito à proteção dos interesses mais vitais dos indivíduos, sem os quais a possibilidade de viver uma vida digna se torna sem sentido.36

Tal como está, o marco Ruggie parece dar expressão ao que poderia ser chamado de “visão libertária” da empresa. Em última análise, o papel social que ele articulou para a empresa é limitado, centrado nos benefícios de se ter uma entidade orientada para a maximização do lucro sem provocar fortes danos sociais. O libertarianismo é, em geral, a favor da regulamentação e da imposição de obrigações por parte do Estado somente onde for necessário para evitar a violação dos direitos individuais (concebidos habitualmente como “direitos civis”) e onde for necessário proteger os indivíduos contra danos, tais como força, fraude e roubo (ver, por exemplo, NOZICK, 1972, p. 26-28). Em relação às empresas, este ponto de vista foi veementemente defendido por Milton Friedman, autor da célebre declaração de que “há uma e apenas uma responsabilidade social das empresas – usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros, contanto que permaneçam dentro das regras do jogo, ou seja, dediquem-se à concorrência aberta e livre, sem enganos ou fraude”. (FRIEDMAN, 1972, p. 133). Para Ruggie, as regras do jogo vão mais longe do que o previsto por Friedman e envolvem o respeito aos direitos humanos.37

No entanto, não está claro que razão de princípio temos para limitar as regras pelas quais as empresas são obrigadas a adotar apenas obrigações negativas. Os danos que os indivíduos podem sofrer não estão limitados àqueles em que seus direitos são violados ativamente pelas empresas; com efeito, a falta de acesso a alimentos, água, assistência à saúde e representação jurídica pode afetar seriamente a vida dos indivíduos.38 As empresas podem ter a capacidade de apoiar a realização desses direitos para um grande número de indivíduos. Se o objetivo de permitir que elas funcionem como pessoas juridicamente independentes por meio da lei é criar certos benefícios sociais, então parece que as empresas podem ser obrigadas a cumprir sua parte ajudando a suprir esses importantes bens sociais.

A maioria das sociedades não parece considerar ilegítimo que os Estados tributem as empresas com base em suas atividades para propósitos sociais mais amplos, e de fato, em nenhum momento Ruggie parece questionar a validade da tributação.39 Se é assim, então por que não podemos considerar as obrigações positivas das empresas para com a realização dos direitos fundamentais como uma forma de imposto sobre suas atividades que exigem certas contribuições ativas para realizar os direitos fundamentais tanto em dinheiro quanto em espécie?

O raciocínio que propus aqui pode ser visto como um aprofundamento da noção que Ruggie emprega em seu marco, ou seja, que as empresas precisam de uma “licença social” para funcionar (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 54). Quando a sociedade concede a uma empresa a licença para funcionar, não se trata simplesmente de uma licença para criar o máximo possível de riqueza para seus acionistas. Ela pode também pressupor a exigência de que a empresa contribua ativamente para a realização dos direitos fundamentais dos indivíduos. A compreensão do contexto social em que operam as empresas revela que elas não podem ser consideradas em termos puramente individualistas, mas precisam ser vistas como parte de uma ordem social cooperativa.40

No entanto, isso não confunde os papéis sociais da empresa e do Estado? Embora o Estado não deva ter nenhuma ilusão quanto à sua responsabilidade de realizar os direitos dos indivíduos, tentei mostrar, com o argumento acima apresentado, que as razões subjacentes à criação de uma empresa por lei não fornece qualquer justificação forte para excluir a obrigação positiva, de parte das corporações, de contribuir ativamente para a realização dos direitos fundamentais.41 Quando consideramos o poder que as empresas têm de causar impacto sobre os direitos fundamentais e o fato de terem sido criadas com o objetivo de conseguir benefícios para a sociedade, começa a se configurar uma justificativa para a imposição de obrigações positivas às corporações. Isso não significa que as empresas devam assumir a mesma gama de responsabilidades do Estado na realização dos direitos fundamentais; necessitamos, portanto, alguma base de princípios sobre a qual determinar a repartição de responsabilidades entre empresas e Estado.

Henry Shue oferece uma versão plausível de quais deveriam ser os critérios para determinar quem deveriam ser os sujeitos de obrigações positivas. Em sua opinião, dois fatores devem ser considerados nesse contexto: em primeiro lugar, um raciocínio de fins-meios deve estabelecer o que precisa ser feito para que um direito seja satisfeito e, à luz disto, deve-se determinar quem pode desempenhar melhor essas tarefas (SHUE, 1996, p. 164).42 Em segundo lugar, a alocação dos deveres depende também de quais encargos são razoáveis e justos de serem atribuídos a agentes específicos. Em relação ao primeiro fator, está claro que, em muitos casos, as empresas serão capazes de desempenhar um papel importante ajudando na realização dos direitos fundamentais.43 Isso parece oferecer uma justificativa importante para a atribuição de obrigações a empresas quando as intervenções específicas que possam ter um grande impacto potencial sobre os direitos fundamentais recaiam em sua área de especialidade e sua capacidade de ajudar. O segundo fator identificado por Shue fornece uma justificativa para limitar a atuação das empresas nesse aspecto: seria necessário, por exemplo, que a carga de obrigações positivas fosse repartida igualmente entre as empresas e exigisse que elas ainda fossem capazes de realizar os seus objetivos econômicos. O segundo fator não fornece, contudo, qualquer razão geral, em princípio, para que as empresas não possam ter obrigações positivas para com a realização dos direitos.

Sem dúvida, será importante que esses fatores sejam desenvolvidos de forma a especificar os princípios orientadores que irão determinar a obrigação positiva que as corporações têm em determinadas circunstâncias. As Normas tentaram usar o vago conceito de “esfera de influência” para captar algumas destas complexidades. Ruggie destacou com sucesso uma série de inadequações dessa noção e fez muito para tentar desembaralhar os vários elementos do conceito.44 Há ainda muito trabalho necessário para complementar o âmbito e o alcance das obrigações positivas que têm as corporações.

No entanto, a ausência de uma teoria totalmente elaborada a esse respeito não implica que não haja obrigações gerais positivas das corporações em relação à realização dos direitos fundamentais. Tampouco essa ausência fornece uma justificativa para a omissão dessas obrigações positivas no marco internacional, projetado para ser o ponto de referência para a determinação do alcance das obrigações empresariais. Como argumentamos, há de fato fortes razões para se reconhecer a existência dessas obrigações positivas, mesmo que ainda não tenhamos uma compreensão completa de seu escopo exato.45 Se aceitarmos isso, então o marco Ruggie está essencialmente incompleto. Ele também exclui a possibilidade de se alcançar uma alocação adequada de deveres legais de cumprimento dos direitos fundamentais, criando uma exclusão geral para as empresas em relação a essas obrigações. Tendo em vista a grande capacidade que as empresas têm em nosso mundo atual de ajudar os Estados a realizar os direitos fundamentais, essa exclusão pode ser encarada como um fator capaz de prejudicar seriamente a possibilidade de realização de uma ampla gama de direitos humanos. Em particular, isso é de grande importância no mundo em desenvolvimento, onde a imposição de obrigações positivas às empresas tem o potencial de ajudar essas sociedades a satisfazer os interesses fundamentais dos indivíduos que nelas vivem.46 Darei agora um exemplo que visa ilustrar este ponto de uma forma mais concreta.

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3. Obrigações positivas e seu impacto nos direitos fundamentais no mundo em desenvolvimento

O exemplo em questão diz respeito à obrigação ou não das empresas farmacêuticas de tornar os medicamentos antirretrovirais (ARVs) disponíveis a preços acessíveis para a pessoas que sofrem com o HIV. De acordo com estatísticas das Nações Unidas, no final de 2007 existiam 33,4 milhões de pessoas vivendo com HIV.47 O principal tratamento desenvolvido até agora para esse vírus encontra-se sob a forma de ARVs, que são amplamente eficazes no aumento da expectativa de vida e da qualidade de vida dos indivíduos que sofrem da doença.48 Nos termos da lei de muitos países e, mais recentemente, em termos do regime de comércio internacional estabelecido pela Organização Mundial do Comércio, os laboratórios farmacêuticos estão autorizados a obter substanciosos direitos de propriedade intelectual, conhecidos como patentes, por um período limitado que lhes permita lucrar com exclusividade com o desenvolvimento de medicamentos como esses.49 Até recentemente, esses medicamentos eram extremamente caros e acessíveis em ampla escala apenas nos países desenvolvidos (CULLETT, 2003, p. 143). Devido a uma série de iniciativas, o preço caiu e eles se tornaram mais acessíveis para uma gama mais ampla de países em desenvolvimento (SLEAP, 2004, p. 170). A Declaração de Compromisso das Nações Unidas sobre HIV/Aids reconheceu claramente que os laboratórios farmacêuticos são fundamentais para a redução dos custos dos ARVs e para aumentar sua disponibilidade.50 A questão, portanto, é saber se deve haver qualquer obrigação da parte dos laboratórios de tornar tais medicamentos disponíveis aos indivíduos por um preço acessível.51

É importante analisar qual seria a natureza de obrigação desse tipo. Nesse caso, a empresa não está produzindo ativamente o dano: seja por assumir ativamente um comportamento de risco ou ser acidentalmente infectado, é o fato de um indivíduo contrair o HIV que pode levá-lo à doença e à morte.52 Também parece claramente possível para uma empresa ética fabricar e desenvolver esses medicamentos sem causar danos a outros seres humanos.53 Assim, na produção de ARVs, uma empresa pode evitar produzir danos e assim cumprir com a responsabilidade de respeitar os direitos individuais nos termos do marco Ruggie. No entanto, este marco efetivamente deixa de abordar a questão mais urgente e relevante neste contexto, a saber: se uma empresa que produz medicamentos capazes de salvar vidas, tais como drogas antirretrovirais, e que tem uma patente que cobre tais medicamentos, tem o dever de garantir ativamente que os indivíduos possam ter acesso a eles a um preço acessível.54 O reconhecimento desse dever exigiria que nós impuséssemos uma obrigação às empresas neste campo de promoverem e realizarem ativamente os direitos individuais de saúde em vez de simplesmente respeitarem tais direitos.55 Ao limitar o alcance das obrigações das empresas ao seu marco de “responsabilidade de respeitar” e ao afirmar que essa responsabilidade tem por fonte as expectativas da sociedade, Ruggie estaria alegando essencialmente que, no contexto do atual exemplo, as nossas expectativas sociais ou morais em relação às empresas farmacêuticas não se estendem a um dever de ajudar a tornar tais medicamentos essenciais a preços acessíveis para aqueles que deles necessitam.

Também é importante reconhecer, como foi argumentado acima, que os laboratórios farmacêuticos estão autorizados a funcionar e obter lucros com a finalidade de criar certos benefícios sociais: o argumento tradicional é que as possibilidades de recompensa financeira levariam à inovação e a grandes investimentos na produção de medicamentos novos e mais eficazes, o que acabaria revertendo em favor de todos os indivíduos.56 No entanto, depois que um medicamento capaz de salvar vidas é desenvolvido e patenteado, pode ser que somente os indivíduos mais ricos possam pagar por ele, ao menos no curto prazo, enquanto a patente da companhia está em vigor. A existência do medicamento pode beneficiar a humanidade, no sentido abstrato de que um tratamento para uma doença que oferece risco de vida está disponível; no entanto, um grande número de pessoas que não podem pagar pelo remédio talvez não se beneficie disso, como se o medicamento afinal não existisse. A fim de assegurar que todas as pessoas sejam igualmente capazes de ter acesso aos benefícios sociais que devem vir do fato de autorizar empresas a lucrar com os novos medicamentos que desenvolvem,57 é necessário impor-lhes obrigações positivas que assegurem que os tratamentos que salvam vidas resultantes de suas pesquisas sejam disponibilizados aos indivíduos a um preço acessível.58 A questão é que os medicamentos não deveriam ser tratados como uma mercadoria da mesma forma que outros produtos (COHEN; ILLINGWORTH, 2003, p. 46):59 essa indústria tem o potencial de afetar os direitos fundamentais mais vitais dos indivíduos à vida e à saúde. Tendo em vista a natureza crucial desses interesses e a capacidade das empresas de influir sobre esses interesses, há uma forte razão para impor obrigações positivas às empresas que atuam nesse setor para garantir que medicamentos que salvam vidas sejam disponibilizados para os indivíduos a um preço razoável.60

O exemplo apresentado revela a existência de um grande número de pessoas cujas vidas podem ser melhoradas se forem atribuídas obrigações positivas às empresas visando à realização dos direitos fundamentais.61 E também fornece um bom exemplo em que a confiança na filantropia das empresas não teria sido suficiente: uma forte pressão social e danos potenciais à sua reputação comercial foram cruciais para garantir que as empresas reduzissem os custos dos ARVs. Em 2001, por exemplo, 39 laboratórios farmacêuticos processaram o governo da África do Sul por adotar medidas legais que teriam aumentado a disponibilidade de ARVs e reduzido seu preço.62 O caso provocou grandes manifestações em todo o mundo contra a ação dessas empresas, sugerindo que muitas pessoas são de opinião de que esses medicamentos capazes de salvar vidas – mesmo quando tenham sido desenvolvidos por uma empresa privada – devem estar disponíveis para indivíduos do mundo em desenvolvimento a um preço acessível.63 Empresas deixadas à mercê de seus próprios mecanismos, se concentraram na defesa dos seus interesses comerciais, sem levar em conta o custo humano: um grande número de pessoas ao redor do mundo ajudou a pressionar empresas para reduzir o preço dos medicamentos.64 Mas, o que acontece no caso de muitas outros medicamentos, em que não ocorre uma mobilização tão ampla?

A defesa do acesso a medicamentos capazes de salvar vidas não diferencia, por princípio, entre o HIV/Aids e remédios para o tratamento de outras doenças fatais. Para garantir que os direitos individuais sejam realizados, seria completamente ineficaz contar com as contingências da pressão social ou com a boa vontade empresarial. É, pois, de grande importância que o marco internacional que rege a responsabilidade das empresas pelos direitos humanos reconheça a necessidade de impor obrigações positivas que possam obrigá-las a garantir a disponibilidade e acessibilidade de medicamentos capazes de salvar vidas.

4. Objeções à imposição de um “dever de cumprir” às empresas

Ao mesmo tempo em que ilustra a grande importância que a imposição de obrigações positivas às corporações pode ter, e a falha crucial que existe atualmente no marco Ruggie, o exemplo também fornece um contexto de vida real para discutir algumas das objeções que Ruggie apresentou contra a imposição dessas obrigações. Em primeiro lugar, ele levanta o problema de que a imposição de obrigações positivas pode, segundo ele, “prejudicar a autonomia, a assunção de riscos e o empreendedorismo das empresas” (RUGGIE, 2007, p. 826). Citando Philip Alston, ele pergunta: “quais são as conseqüências de sobrecarregar [empresas] com todas as limitações, restrições e até obrigações positivas que se aplicam aos governos?” (RUGGIE, 2007, p. 826). A questão é em si um equívoco, pois a imposição de algumas obrigações positivas às empresas não as sobrecarregaria com todas as obrigações (ou até as mesmas obrigações) que se aplicam aos governos.

No entanto, o exemplo que eu propus salienta algumas preocupações a esse respeito e sugere uma série de tensões concorrentes que podem existir em relação aos benefícios sociais que decorrem do fato de a empresa ser reconhecida como pessoa jurídica independente. Por exemplo, pode ser que benefícios sociais mais amplos – como aumentar a disponibilidade de medicamentos capazes de salvar vidas a todos – entrem em conflito com os benefícios sociais que resultam de permitir um mercado relativamente livre em medicamentos, o qual, alega-se, inclui um grande investimento em pesquisa e desenvolvimento.65 Em um determinado ponto, uma empresa pode alegar que não tem nenhuma razão para continuar a investir em pesquisa e desenvolvimento (ou até mesmo funcionar), se tiver de encarar obrigações positivas demasiado onerosas que a forcem a diminuir seus lucros através de uma redução nos preços.

Contudo, este argumento não serve como prova contra a imposição de obrigações positivas aos laboratórios farmacêuticos para a realização do direito à saúde. Em vez disso, o que ele mostra é que, se quisermos obter os benefícios tradicionais do mercado, bem como vantagens sociais adicionais para a realização dos direitos fundamentais, é necessário equilibrar vários fatores que determinam o grau de obrigações positivas que podemos impor a uma empresa. Esse equilíbrio não é exclusivo desse contexto e envolveria muitos dos fatores usados com frequência para determinar, por exemplo, a alíquota de imposto aplicável a empresas.66

Consideremos, por exemplo, o fato de que a maioria das empresas produz uma grande variedade de medicamentos. Em determinadas circunstâncias, os benefícios desses remédios – como um novo analgésico com menos efeitos colaterais – são importantes, mas não são cruciais.67 Em outros casos, o medicamento produzido – como no caso dos ARVs – tem o potencial de melhorar a expectativa e a qualidade de vida de milhões de pessoas. Considerando-se o impacto diferencial que os diferentes tipos de medicamentos têm sobre os direitos fundamentais, é claro que existem mais razões para a imposição de obrigação positiva forte às empresas para garantir que os medicamentos capazes de salvar vidas sejam postos à disposição dos indivíduos a um preço acessível. A argumentação é mais fraca para essa obrigação existir no caso do novo analgésico. Isso possibilitaria que uma empresa desse tipo obtivesse grandes lucros a partir do novo analgésico, ao mesmo tempo em que imporia obrigações positivas mais fortes às empresas no que diz respeito a medicamentos capazes de salvar vidas.

Alguns podem alegar, no entanto, que a imposição de obrigações positivas fortes no caso dos medicamentos que salvam vidas criaria um incentivo perverso para que as empresas concentrem seus esforços em tipos menos importantes de medicamentos, com os quais podem obter grandes lucros.68 No entanto, para evitar esse efeito, existem várias opções políticas, entre elas os push programmes , através dos quais o governo pode ajudar a subsidiar essa pesquisa, e os pull programmes , que recompensam as empresas que desenvolvem produtos com fortes benefícios sociais (JOHRI et al., 2005). Se fossem necessárias medidas mais rigorosas, seria possível também regulamentar os laboratórios farmacêuticos por meio de disposições que exigissem o investimento de uma determinada porcentagem de seus lucros advindos de medicamentos como o analgésico na produção de medicamentos capazes de salvar vidas. Haveria, então, vários métodos de garantir a continuação de incentivos para a produção de medicamentos capazes de salvar vidas, reconhecendo-se que a maximização do lucro ilimitado não seria admissível nessa área.69 Parece, portanto, bastante possível impor algumas obrigações positivas, embora mantendo os benefícios de um grau de autonomia das empresas, da assunção de riscos e do empreendedorismo mais limitado, mas ainda significativo.

Ruggie também está claramente preocupado com a possibilidade de que governos fracos tentem transferir para as empresas suas obrigações positivas em relação à realização dos direitos. Ele afirma que o reconhecimento das empresas como co-titulares do dever para com o amplo espectro de obrigações de direitos humanos “pode minar os esforços para construir a capacidade social nacional e tornar os governos responsáveis perante seus próprios cidadãos” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, § 68.). É importante reconhecer que a imposição de obrigações positivas às corporações não precisa torná-las titulares de deveres iguais ao Estado e ainda poderia ser importante diferenciar entre suas respectivas obrigações. No entanto, se os receios Ruggie se concretizarem, não se trata de uma consequência necessária das obrigações positivas que estão sendo impostas às empresas, mas uma questão empírica, que dependerá da configuração institucional para a coordenação das iniciativas governamentais e empresariais. Por exemplo, seria possível argumentar que, com uma abordagem cooperativa, as empresas poderiam realmente ajudar a aumentar a capacidade social nacional e ajudar os governos a responder a seus cidadãos em muitas áreas. Pode-se afirmar, por exemplo, que o fornecimento pelo laboratório Boehringer-Ingelheim de ARVs gratuitos ao governo da África do Sul para a prevenção da transmissão de mãe para filho do HIV ajudou a evidenciar as insuficiências existentes em oferta pública. Também foi fundamental no resultado do caso daTreatment Action Campaign, em que o Tribunal Constitucional finalmente ordenou o governo a tornar o medicamento disponível em todo o sistema público de saúde (ÁFRICA DO SUL, Minister of Health vs Treatment Action Campaign, 2002, § 135). É necessário, portanto, um movimento que se afaste do pressuposto tradicional embutido no marco Ruggie de que somente os governos são responsáveis pela realização dos direitos e o reconhecimento de que, em muitos casos, será necessário o envolvimento de atores sociais mais amplos – que muitas vezes incluem empresas – nesta tarefa. O mandato de Ruggie poderia ajudar no desenvolvimento de princípios segundo os quais essa cooperação possa ocorrer de forma a minimizar os problemas que ele levanta; fazer isso, no entanto, significaria reconhecer primeiro que as empresas realmente têm essas obrigações positivas de ajudar na realização dos direitos fundamentais.

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Conclusão: a relação entre consenso e princípio

Este artigo procurou oferecer uma análise e uma crítica detalhada das conclusões do mandato Ruggie a respeito do alcance das responsabilidades que as empresas têm para com a realização de direitos fundamentais. Alguns podem argumentar que a avaliação crítica de seu marco falhou em levar em conta de forma adequada o contexto difícil em que seu mandato surgiu e em que opera. Como foi dito na primeira parte deste artigo, o mandato resultou do fracasso das Normas em obter o apoio da Comissão de Direitos Humanos, e da oposição virulenta do setor empresarial, bem como de muitos Estados. Em seu relatório provisório de 2006, depois de reconhecer a história que levou à criação do seu mandato, o RESG expressou seu desejo de adotar uma abordagem que envolvesse a construção de um consenso; nesse sentido, ele realizou várias oficinas e amplas consultas. Além disso, no final daquele relatório, o RESG diz que sua abordagem para lidar com as normas que ele precisa determinar envolve uma “forma de pragmatismo com princípios”, um “compromisso inabalável com o princípio do fortalecimento da promoção e da proteção dos direitos humanos no que diz respeito às empresas, juntamente com uma vinculação pragmática ao que funciona melhor na criação de mudanças onde mais importa – na vida cotidiana das pessoas” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, § 81).

Desse modo, o marco do RESG poderia ser entendido como uma tentativa de criar um compromisso entre o que dita o princípio e as exigências pragmáticas de obter um consenso mundial sobre o alcance das obrigações de empresas.70 Com efeito, o RESG teve uma série de importantes considerações pragmáticas a enfrentar. Primeiro, o mandato inicial foi criado apenas para um breve período de dois anos, que acabou sendo prorrogado por mais um ano. Com o lançamento do marco normativo para empresas e direitos humanos em 2008, a Comissão decidiu prorrogar o mandato por mais três anos. Assim, o RESG teve um curto período de tempo para mostrar progressos suficientes que justificassem a prorrogação do seu mandato pela Comissão.

Em segundo lugar, se o mandato não tivesse funcionado de uma forma consensual e fizesse recomendações que fossem claramente contrárias às posições defendidas por membros da Comissão, ele poderia ter sido facilmente encerrado. A continuação do mandato foi de grande importância não somente em si mesmo, mas, entre outras razões, para manter toda a questão da relação entre empresas e direitos humanos na agenda da ONU e, desse modo, garantir a discussão sobre o tema no nível elevado da Comissão de Direitos Humanos e auxiliar no desenvolvimento de padrões nessa área.

Por fim, muito trabalho tinha sido gasto na preparação das Normas que tiveram cinco anos para ser concluídas e ainda não tinham conseguido a aprovação da Comissão. Seu status e sua própria relevância foram postos em questão pela Comissão e, assim, seu possível impacto parecia estar drasticamente reduzido. Para que o mandato do RESG conseguisse influenciar e definir a responsabilidade das empresas em nível internacional, ele precisava se preocupar em obter um consenso em torno do seu trabalho tão amplo quanto possível. A reação ao marco proposto indica que a abordagem consultiva do RESG foi de fato muito bem sucedida na obtenção de um maior grau de consenso sobre a questão dos direitos humanos e empresas.

Os defensores dos direitos humanos não podem se dar ao luxo de ignorar a importância da Realpolitik no desenvolvimento do direito internacional e de padrões normativos.71 A mera afirmação de padrões e responsabilidades que repousam no vácuo e não têm possibilidade de serem aplicadas podem refletir certos ideais utópicos, mas no final, podem não ter impacto na vida real, se não forem amplamente aceitos. No entanto, ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que, como aconteceu em relação às Normas, as empresas vão naturalmente resistir a qualquer tentativa de fazer valer as obrigações vinculativas internacionais de direitos humanos ou, onde tais obrigações forem aceitas, vão querer restringi-las ao mínimo possível.72

Por conseguinte, a tentativa de obter um consenso em tais circunstâncias talvez leve a uma aceitação de padrões que representem o menor denominador comum, bem como poderia levar a concessões que prejudicam os compromissos normativos básicos envolvidos na aceitação de direitos fundamentais.73 Pode ser popular, por exemplo, ignorar em nível internacional os direitos das pessoas lésbicas e gays, levando-se em conta a polêmica virulenta que isso pode causar em alguns países; no entanto, para um defensor dos direitos humanos, fazer isso seria desistir do compromisso fundamental de respeitar os interesses e a dignidade de todos os indivíduos igualmente.74 Além disso, atores internacionais podem ser tentados a aceitar um marco minimalista que pode obter consenso a curto prazo, mas no longo prazo, isso pode pôr em risco a possibilidade de alcançar melhorias substanciais na concretização dos direitos fundamentais.

Infelizmente, na busca de Ruggie por consenso, parece que ele caiu em algumas dessas armadilhas e fez concessões de princípio que os defensores dos direitos humanos deveriam se recusar a aceitar. Um dos elementos mais controversos das Normas era a afirmação de responsabilidades legais vinculativas das empresas para com a realização dos direitos humanos. Ruggie tenta acalmar a preocupação das empresas nesse sentido, negando que elas tenham obrigações legais internacionais de realizar os direitos humanos e estabelecendo que suas responsabilidades são apenas uma questão de expectativa social. Em seguida, ele vai ainda mais longe e sustenta que as responsabilidades das corporações são muito reduzidas e envolvem apenas a exigência de que evitem causar danos aos direitos fundamentais.

Entendida à luz do desejo de alcançar um consenso, é provável que a proposta mínima de Ruggie consiga angariar mais apoio do que um reconhecimento de deveres vinculativos e mais amplos, como os que estavam contidos nas Normas.75 No entanto, os custos envolvem a aceitação de uma redução muito séria do que podemos esperar das empresas ou daquilo pelo qual podemos responsabilizá-las. E, de fato, em relação a um mundo que sofre de grave desigualdade econômica e privação, isso pode causar um impacto negativo sobre os direitos humanos e o bem-estar de milhões de indivíduos. Trata-se de um custo com o qual os defensores dos direitos humanos não devem concordar.

Este artigo tratou de analisar a afirmação de Ruggie de que as empresas só têm a responsabilidade de respeitar os direitos fundamentais. Contudo, argumentamos que, ao contrário, as empresas devem estar sujeitas a toda a gama de obrigações de direitos humanos do direito internacional, inclusive as de proteger e cumprir. A existência de deveres positivos das corporações é apoiada pelos argumentos normativos apresentados, bem como pelo reconhecimento da importância de impor tais obrigações em um mundo caracterizado por severa privação econômica e enorme poder empresarial.

Em certos momentos, Ruggie sugeriu que seu marco poderia constituir um mero ponto de partida para o possível estabelecimento de obrigações mais amplas no decorrer do tempo. Ele se refere à responsabilidade de respeitar como uma “obrigação básica” (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 24.). É uma afirmação ambígua que fica entre a idéia de que se trata simplesmente de um ponto de partida ou que estamos diante da principal obrigação existente. Ruggie a utiliza com frequência no último sentido, com a noção de que quaisquer outras obrigações são excepcionais. Embora tenhamos dito que Ruggie está errado a esse respeito, também é importante reconhecer que o foco único sobre a responsabilidade de respeitar é também um ponto de partida equivocado, pois trata a divisão do trabalho entre as empresas e o Estado para a realização dos direitos fundamentais em termos da distinção entre obrigações “negativas” e “positivas”. No entanto, a alocação de deveres a determinados atores para a realização dos direitos fundamentais não pode basear-se de forma convincente na distinção entre essas duas formas de obrigação. Em vez disso, essa decisão de alocação deve se basear em outros fatores como a capacidade de um ator para desempenhar certas obrigações, a importância dessas obrigações e a equidade da imposição de tais obrigações aos diferentes atores. Além disso, a obrigação de respeitar é demasiadamente restrita e poderia facilmente reduzir a imposição de obrigações mais amplas às empresas. Num momento em que se desenvolvem normas internacionais relativas à natureza das obrigações das empresas para com a realização dos direitos fundamentais e que tais normas podem ter importantes implicações para os direitos de muitos indivíduos, o ponto de partida deve ser aquele que seja mais amplo e que possa permitir que as empresas compartilhem alguns dos encargos decorrentes da realização dos direitos fundamentais de forma mais eqüitativa.

O ponto de partida deveria ser, portanto, que as empresas não só têm a responsabilidade de não causar danos aos direitos fundamentais, como estão obrigadas a contribuir ativamente para sua realização. Não há nenhuma razão forte de princípio para que a sociedade não exija que as empresas façam negócios sob a condição de que desempenhem um papel na realização dos direitos fundamentais nas áreas em que elas são capazes de fazer isso. No momento, Ruggie trabalha sobre as implicações concretas da responsabilidade de respeitar. Tendo em vista os argumentos apresentados neste trabalho, é importante que seu mandato seja ampliado para incluir uma investigação sobre as obrigações das empresas de proteger e cumprir, bem como para elaborar princípios orientadores para a determinação do exato alcance e natureza das obrigações das empresas a esse respeito. Por meio do reconhecimento de toda a gama de obrigações de direitos humanos que podem recair sobre as empresas, será possível atribuir responsabilidades pela realização dos direitos àqueles que, com frequência, estão em melhor posição para cumpri-las. Esperemos também que o trabalho de Ruggie forneça a base para redefinir a natureza das empresas, de tal modo que elas não sejam consideradas simplesmente entidades focadas na maximização autointeressada do lucro, mas que sejam estruturas cujas atividades sejam projetadas para promover e beneficiar as sociedades e os indivíduos com quem interagem.

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Notas

1. A Human Rights Watch, por exemplo, divulgou um relatório que descreve a influência que as empresas podem ter sobre toda uma gama de direitos fundamentais. Para lidar com essas violações, o relatório enfatiza a necessidade de padrões intergovernamentais mundiais sobre direitos humanos e empresas.

2. Entre as iniciativas voluntárias temos as seguintes: a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), as Diretrizes para Empresas Multinacionais; a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Tripartite de Princípios Concernentes a Empresas Multinacionais e Política Social; e a Organização das Nações Unidas (ONU), o Global Compact. O foco deste artigo recairá sobre as tentativas de impor mais obrigações vinculativas às empresas.

3. Para uma descrição mais pormenorizada do processo que levou ao mandato, ver John Ruggie (RUGGIE, 2007, p. 821.).

4. Os relatórios centrais examinados neste artigo são o “Relatório Provisório Ruggie”, o “Relatório Ruggie 2007”, o “Marco Ruggie”, e o “Relatório Ruggie 2009” (NAÇÕES UNIDAS, 2006, 2007, 2008a, 2009c).

5. O mandato de Ruggie, tal como é descrito abaixo, cobre “empresas transnacionais e outras empresas de negócios”. Os negócios são de fato realizados através de uma gama de diferentes estruturas, tais como empresas de proprietário único, companhias limitadas e sociedades anônimas. Tendo em vista que a sociedade anônima apresenta certas particularidades e se tornou a estrutura mais importante para a realização de negócios no mundo moderno, o foco deste artigo é sobre as responsabilidades dessas empresas para com a realização dos direitos fundamentais. Dado o foco deste trabalho, muitas vezes uso as responsabilidades das “empresas” para a realização dos direitos humanos e as responsabilidades das “sociedades anônimas” a esse respeito de forma intercambiável. A extensão dessas responsabilidades a outras estruturas através das quais os negócios são conduzidos está além do escopo deste artigo. [Nota da tradução: em português, utilizou-se quase sempre a palavra “empresa” no sentido de “sociedade anônima”.]

6. Weissbrodt e Kruger (2003, p. 913) explicam que as Normas não eram simplesmente uma “iniciativa voluntária de responsabilidade social das empresas”, embora reconheçam que é complexo determinar a fonte exata da autoridade jurídica das Normas. Ver também, Campagna (2003).

7. Weissbrodt e Kruger fazem esta afirmação, mas acrescentam a ressalva de que “elas têm espaço para se tornar mais restritivas no futuro”. Examinar a maneira pela qual as Normas poderiam ter sido obrigatórias em todos os detalhes está além do escopo deste artigo.

8. Por exemplo, o mandato requer que o Representante Especial examine o conceito “esfera de influência” que foi utilizado no Projeto de Normas e que exigia uma maior especificação. A esse propósito, ver Olivier De Schutter (SCHUTTER, 2006, p. 12-13).

9. O mandato, nos parágrafos (d) e (e), parece prever também alguma forma de autorregulação das empresas. Em seu relatório de 2007, Ruggie também considerou modelos de autorregulação de empresas, embora esse não seja este o foco deste artigo.

10. Com efeito, no direito internacional, o processo de esclarecimento das normas leva em geral ao seu desenvolvimento simultâneo. Ver, por exemplo, Malcolm Shaw (SHAW, 1997, p. 89) sobre a confusão entre “fazer lei, determinar lei e evidenciar lei”.

11. Um bom exemplo da violação do dever do Estado de proteger direitos ocorreu na Nigéria, onde o governo além de violar ativamente os direitos humanos, permitiu que as companhias de petróleo degradassem o meio ambiente, causando impacto sobre o direito à saúde, o direito à moradia e o direito a alimentos do povo Ogoni nessa área. Em Social and Economic Rights Action Centre and Centre for Economic and Social Rights v Nigeria concluiu-se que se tratava de uma violação dos deveres da Nigéria, conforme a Carta Africana.

12. O exemplo dado é da política de anti-discriminação que pode exigir que a empresa adote regras de recrutamento e programas de treinamento específicos (ver NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 55).

13. O mandato de Ruggie foi renovado por três anos, e uma das tarefas que lhe foram atribuídas é “aprofundar o estudo sobre o alcance e o conteúdo da responsabilidade das empresas de respeitar todos os direitos humanos e fornecer orientações concretas às empresas e outros interessados (ver NAÇÕES UNIDAS, 2008c, § 4 (b)). No cumprimento deste mandato, Ruggie divulgou um plano de trabalho preliminar, no qual expressa a intenção de desenvolver “um conjunto de princípios orientadores sobre a responsabilidade das empresas de respeitar e outras medidas de responsabilização”; ver Representante Especial do Secretário-Geral, Plano de Trabalho Preliminar (NAÇÕES UNIDAS, 2009c, p. 3).

14. Os comentários de Ruggie são sob certos aspectos intrigantes, pois embora as Normas identifiquem um conjunto limitado de direitos que são mencionados diretamente, há um reconhecimento geral nelas que as empresas podem ter obrigações em relação a toda a gama dos direitos humanos. O Preâmbulo reconhece que “a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação dos direitos humanos, inclusive o direito ao desenvolvimento que confere a toda pessoa e todos os povos o direito de participar, contribuir e usufruir do desenvolvimento econômico, social, cultural e político em que todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Na primeira seção substantiva das Normas no que diz respeito às obrigações gerais, tal como citado no texto, as obrigações parecem se relacionar com todos os direitos humanos no “direito internacional, bem como nacional”. Ruggie parece exagerar na acusação contra as Normas: isso poderia ter, como sugerimos na conclusão deste artigo, o objetivo de distinguir o seu trabalho das Normas, de forma a obter um consenso maior em seu marco, mesmo onde as semelhanças entre os dois são evidentes.

15. Muitas vezes, os direitos civis e políticos eram vistos, em grande medida, como “negativos” em sua natureza e os direitos socioeconômicos, como “positivos” em sua natureza. Shue tenta mostrar que cada direito – seja civil e político ou socioeconômico – envolve deveres tanto “negativos” como “positivos”, para que possa ser realizado de forma eficaz.

16. Sobre uma maneira de manter a correlatividade de direitos e deveres no marco de Shue, ver Bilchitz (BILCHITZ, 2007, p. 90-91).

17. Sua análise foi adotada em larga medida pelos organismos responsáveis pela fiscalização dos tratados; ver, por exemplo, Comissão de Direitos Humanos, Comentário Geral nº. 31 (NAÇÕES UNIDAS, 2004a, § 6), onde a Comissão reconhece que a obrigações previstas no PIDCP são ao mesmo tempo “positivas e negativas em sua natureza”. A Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconheceu isso expressamente em O Direito à Água, Comentário Geral n.º 15 (NAÇÕES UNIDAS, 2002, parágrafo 20.) quando afirma que “o direito à água, como qualquer direito humano, impõe três tipos de obrigações aos Estados Partes: obrigações de respeitar, de proteger e de cumprir.

18. A Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, por exemplo, no seu Comentário Geral n.º14 (NAÇÕES UNIDAS, 2000) dividiu ainda mais o dever de cumprir em dever de facilitar, dever de promover e dever de fornecer.

19. De fato, Ruggie parece apoiar ativamente essa redução na amplitude dos deveres e vê isso como uma virtude de seu marco (RUGGIE, 2007, p. 825-827). Ver também Ratner (RATNER, 2001, p. 517-518), que defende uma limitação da responsabilidade empresarial às obrigações negativas, para evitar danos.

20. Ver também Ratner (RATNER, 2001, p. 517), que também está disposto a admitir que medidas positivas podem ser necessárias para dar cumprimento a esses direitos negativos.

21. Um outro exemplo poderia ser aquele dado por Ratner (RATNER, 2001, p. 516), que parece pensar que a empresa tem um dever positivo de treinar seu pessoal de segurança, de tal modo que eles não violem as proibições contra a tortura.

22. No marco Ruggie (NAÇÕES UNIDAS, 2008a, § 81), afirma-se que “a relação entre cumplicidade e devida diligência é clara e convincente; as empresas podem evitar a cumplicidade, empregando seus processos de devida diligência descritos acima – os quais, como foi observado, se aplicam não somente às suas próprias atividades, mas também às relações a elas ligadas”.

23. Para um exemplo de organismo estatal obrigado por um tribunal a tomar medidas positivas para proteger a segurança individual, ver África do Sul, Rail Commuters Action Group vs Transnet Ltd t/a Metrorail (2005).

24 De fato, em seu Relatório (NAÇÕES UNIDAS, 2009c, § 62), ele persiste em sustentar que pode ser “desejável que as empresas executem” atividades que vão além da responsabilidade de respeitar, mas essas atividades “não devem ser confundidas com o que se exige das empresas”. Trata-se de uma afirmação estranha, uma vez que todo o marco Ruggie repousa sobre “expectativas sociais”, em vez de se fundar na lei, e assim, a noção de que “se exige” das empresas que façam alguma coisa parece envolver a noção de ser moralmente obrigado, ao invés de ser legalmente vinculado.

25. Ruggie (RUGGIE, 2007, p. 826) expõe algumas razões políticas adicionais contra a imposição de outras responsabilidades às empresas. Examinarei algumas delas mais adiante neste artigo.

26. Defenderei a existência dessas obrigações positivas, sem especificar o alcance exato ou extensão delas; isso me permite apoiar a alegação de que o marco Ruggie, tal como está, é inadequado para captar a natureza das obrigações empresariais. Da mesma forma que Ruggie se propõe a desenvolver em seu próximo trabalho orientações relativas à responsabilidade de respeitar (NAÇÕES UNIDAS, 2008d), haverá a necessidade de ir além da posição exposta neste artigo e melhor determinar as obrigações positivas que as empresas têm em circunstâncias específicas. Trata-se de um projeto grande e de muita importancia para a filosofia política e o direito internacional e nacional dos direitos humanos que procurarei desenvolver em trabalhos vindouros.

27. Janet Dine (DINE, 1999, p. 221-229) delineia algumas teorias sobre a natureza da pessoa jurídica que ela utiliza para chegar a certas conclusões sobre modelos de governança para as empresas. Em vez de partir de uma análise dessas teorias, tentarei derivar uma concepção de obrigação empresarial de uma reflexão sobre o que considero ser um traço característico da empresa: a personalidade jurídica distinta. Esse argumento pode ser estendido a outras formas jurídicas no mundo dos negócios considerando-se a maneira como a lei facilita sua operação, embora uma análise detalhada disso esteja fora do escopo deste artigo.

28. Já foi dito que a contribuição mais importante do direito empresarial foi a criação de uma pessoa jurídica, “uma parte contratante distinta dos vários indivíduos que possuem ou administram a empresa, ou são fornecedores ou clientes dela” (HANSMANN; KRAAKMAN, 2004, p. 7). Ver também Stephens (STEPHENS, 2002, p. 54).

29. Como Stephens (STEPHENS, 2002, p.54-55) observa, a responsabilidade limitada só se tornou comum no início do século XIX nos Estados Unidos e cerca de cinquenta anos mais tarde, na Inglaterra, mas é vista atualmente como um “elemento central da forma empresarial”.

30. Essa visão da função dos negócios e das empresas está ligada à justificativa mais ampla sobre os benefícios decorrentes do capitalismo de livre mercado e da propriedade privada: ver, por exemplo, Nozick (NOZICK, 1972, p. 177). Em relação ao raciocínio que está por trás da responsabilidade limitada, em particular, ver Easterbrook e Fischel (EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 93-97). É claro que, nos últimos anos, a forma societária foi alterada e é freqüentemente usada por organizações sem fins lucrativos para criar também uma personalidade jurídica independente. Isso ocorre com freqüência para estimular a participação individual em tais organizações, sem o risco da responsabilidade pessoal, se as coisas correrem mal. A forma empresarial funciona aqui novamente como uma maneira de proteger os indivíduos da responsabilidade total pelos problemas que podem ocorrer com a organização. O foco deste artigo, no entanto, está voltado para as sociedades anônimas que são criadas com o propósito de realizar negócios e, portanto, têm objetivos econômicos em sua raiz.

31. Lewis Kornhauser (KORNHAUSER, 2000, p. 88) afirma que “uma concepção de direito empresarial e comercial sem relação com o aumento do nível geral de bem-estar é completamente implausível”.

32. Com efeito, a atual crise financeira mundial está levando a pedidos de uma maior regulamentação das empresas – em especial, dos bancos – para evitar a repetição dos problemas que estão afetando milhões de vidas. Ver, por exemplo, FMI (2008), em que Dominique Strauss Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, afirma que “é porque não havia regulamentos ou controles, ou não o suficiente deles, que esta situação surgiu. Temos de tirar conclusões do que aconteceu – ou seja, regular, com maior precisão, as instituições e mercados financeiros”.

33. Backer (BACKER, 2006, p. 298-302) remonta este tipo de raciocínio às concepções de E. Merrick Dodd, na década de 1950, que ele expressou em um debate com Adolph Berle na Harvard Law Review sobre responsabilidade social das empresas. De acordo com essa escola de pensamento, as empresas são criadas para servir a um propósito social e para o bem público e, como tal, “as empresas poderiam ser feitas para servir a outros grupos, ou poderiam procurar servir esses grupos dentro de um contexto mais amplo do que a mera maximização do lucro dos acionistas” (BACKER, 2006, p. 299).

34. No caso inglês de Re Rolus Properties & Another, o juiz reconheceu, por exemplo, que “o privilégio de responsabilidade limitada é um incentivo valioso para estimular os empresários a assumir empreendimentos arriscados, sem um inevitável desastre financeiro total pessoal. Trata-se, no entanto, de um privilégio que deve ser concedido sob condições…”. A pergunta é por que essas “condições” precisam ser levadas em conta somente para a regulamentação dos interesses dos acionistas e não envolvem também a criação de benefícios sociais mais amplos. Ver também Parker (PARKER, 2002, p. 3-4) que se refere a uma “teoria da concessão” da empresa que vê “as características jurídicas da responsabilidade limitada e/ou da personalidade jurídica independente como um privilégio concedido pelo Estado e, portanto, justifica intrinsecamente a intervenção estatal”. Essa lógica estaria essencialmente enraizada na noção de reciprocidade.

35. Tratarei da objeção de que essas obrigações sociais mais amplas não podem coexistir com os benefícios tradicionais de livre mercado da empresa quando examinar as objeções ao exemplo que dou na parte II (4).

36. Shue (SHUE, 1996, p. 19) afirma que “os direitos básicos são então as demandas razoáveis mínimas de cada um ao resto da humanidade. Eles são a base racional para demandas justificadas cuja negação nenhuma pessoa que se preze pode razoavelmente aceitar”.

37. Com efeito, Weissbrodt e Kruger (WEISSBRODT; KRUGER, 2003) afirmam que “é duvidoso, porém, que até Friedman argumentasse que as empresas poderiam buscar o lucro cometendo genocídio ou utilizando trabalho escravo”.

38. Parte da crítica ao liberatarianismo se refere à incapacidade dessa escola em explicar por que somente os “direitos à liberdade” são importantes, sem consideração ao direito aos recursos necessários para desfrutar dessa liberdade; Rawls (RAWLS, 1999, p. 179), por exemplo, distingue entre “liberdade” (o sistema de liberdades disponíveis para os indivíduos dentro de um Estado) e o “valor da liberdade” (a capacidade dos indivíduos de promover seus fins dentro desse sistema de liberdades).

39. Murphy e Nagel (MURPHY; NAGEL, 2002, p. 6) afirmam que “hoje acredita-se amplamente que a função do governo vai muito além do fornecimento de segurança interna e externa através da prevenção da violência interpessoal, da proteção da propriedade privada e da defesa contra ataque estrangeiro”. Não posso neste artigo fazer uma crítica detalhada do libertarianismo, mas os autores acima localizam seu erro fundamental na idéia de que a “renda e a riqueza anteriores aos impostos” dos indivíduos (e por extensão das empresas) “são deles, em qualquer sentido moralmente significativo. Temos de pensar a propriedade como aquilo que é criado pelo sistema fiscal, e como o que é perturbado ou invadido pelo sistema fiscal. Os direitos de propriedade são os direitos que as pessoas têm sobre os recursos a que têm direito de controlar depois dos impostos, e não antes”.

40. Backer (BACKER, 2006, p. 299) afirma que a escola de pensamento proveniente de Dodd, “vê a empresa como incorporada ao tecido social e político da sociedade, no qual se espera ou permite que as empresas participem”.

41. Esta visão pretende, assim, refutar a alegação feita por Ratner (RATNER, 2001, p. 518) de que “ampliar o seu dever para além da obrigação de ‘não causar dano’ – seja por conta própria ou através de cumplicidade com o governo no sentido de medidas proativas para promover os direitos humanos fora da sua esfera de influência parece inconsistente com a realidade do empreendimento empresarial”. Infelizmente, Ratner não aprofunda este tema.

42. Bilchitz (BILCHITZ, 2007, p. 92) também afirma que “a eficácia exigiria que os deveres fossem alocados dentro de uma sociedade àqueles indivíduos e instituições mais apropriadamente posicionados para cumprir esses deveres”.

43. Tomuschat (TOMUSCHAT, 2003, p. 91) declara que “é verdade que, especialmente nos países em desenvolvimento, as empresas transnacionais têm uma pesada responsabilidade moral em virtude de seu poder econômico, que pode eventualmente ser maior do que o do país em que atuam”.

44. Ver Relatório de Esfera de Influência de Ruggie (NAÇÕES UNIDAS, 2008b). Seus pesquisadores também publicaram um artigo breve, mas interessante, em que tentam separar os vários elementos que estão fundidos no âmbito deste conceito; ver Lehr e Jenkins (LEHR; JENKINS, 2007).

45. De fato, é amplamente aceito no direito internacional dos direitos humanos que o Estado tem obrigações positivas, embora o alcance exato delas, em particular no âmbito do PIDESC, ainda esteja sendo desenvolvido. Ruggie também delineia a responsabilidade de respeitar, mas se propõe a fornecer mais detalhes sobre a natureza dessa responsabilidade no próximo trabalho de seu mandato. Uma posição semelhante poderia ter sido adotada em relação às obrigações positivas.

46. Ver Ssenyonjo (SSENYONJO, 2007, p. 111) que afirma que “em virtude dos poderes crescentes dos atores não-estatais, eles estão excepcionalmente bem posicionadas para influir, positiva e/ou negativamente, no grau de satisfação do direitos econômicos, sociais e culturais”.

47. Estas estatísticas foram extraídas do relatório de 2009 das Nações Unidas sobre a epidemia de HIV/Aids (NAÇÕES UNIDAS, 2009a).

48. Para uma breve descrição dos medicamentos antirretrovirais, consultar Sleap (SLEAP, 2004, p. 154-155). Ver também <http://www.unaids.org/en/PolicyAndPractice/HIVTreatment /default.asp>. Último acesso em: 31 de março de 2010.

49. O acordo em cujos termos os direitos de propriedade intelectual são protegidos pela Organização Mundial do Comércio é o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, inclusive de Bens Falsificados, 15 de abril de 1994, Acordo de Marrakesh Constitutivo da Organização Mundial do Comércio, anexo 1C, Instrumentos Jurídicos Resultados da Rodada Uruguai vol. 31, 33 ILM 81 (1994) (doravante, TRIPS). Ver também, Ferreira (FERREIRA, 2002, p. 1138-1148).

50. A Declaração de Compromisso sobre HIV/Aids foi aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral em 2001 e está disponível em: <http://www.un.org/ga/aids/coverage/FinalDeclarationHIVAIDS.html>. Último acesso em: 31 de março de 2010. Seu Preâmbulo reconhece que “há uma necessidade de reduzir o custo destes medicamentos e tecnologias em estreita colaboração com o setor privado e as empresas farmacêuticas”. O Artigo 55, que diz respeito ao tratamento, é vago, mas reconhece novamente a importância da acessibilidade dos preços dos preços dos antirretrovirais e o papel do setor privado a esse respeito. Embora não chegue a impor uma obrigação às empresas de reduzir os preços dos medicamentos, está claro que elas são atores fundamentais para tornar os medicamentos mais acessíveis às pessoas no mundo em desenvolvimento.

51. Para uma discussão sobre se a responsabilidade moral recai sobre as corporações nesse caso, ver Resnik (RESNIK, 2001, p. 11-32) e Brock (BROCK, 2001, p. 33-37). Isso é pertinente para o marco Ruggie, pois ele não afirma que a responsabilidade de respeitar é um dever legal, mas que tem sua fonte nas expectativas sociais ou na moralidade.

52. Há boas razões para proporcionar acesso ao tratamento antirretroviral para pessoas que contraem o HIV/Aids, mesmo que aceitemos que elas têm algum grau de responsabilidade na contaminação pelo vírus; veja a análise útil em Metz (METZ, 2008).

53. Pode haver danos causados a certos animais se os medicamentos forem testados neles, o que geralmente acontece no processo de desenvolvimento, mas deixo de lado aqui o debate sobre a legitimidade de violar os direitos dos animais nestes casos.

54. Esta importante questão foi recentemente abordada no relatório do Relator Especial sobre o Direito de todos ao Gozo do mais Alto Padrão Possível de Saúde (NAÇÕES UNIDAS, 2009b). O Relator Especial, Paul Hunt, reconhece uma série de amplas obrigações positivas sobre das empresas, entre elas, a realização de pesquisas e desenvolvimento de medicamentos para as doenças do mundo em desenvolvimento, a garantia de preços acessíveis (colocando em prática regimes de preços diferenciados), uso de material de embalagem diferente para diferentes climas e acesso de todos a informação sobre os medicamentos.

55. Evidentemente, pode-se argumentar que o dano não é causado apenas por ações, mas também por omissões: o fato de deixar uma pessoa morrer quando se pode salvá-la poderia, em certo sentido, ser considerado a “causa” do dano. Ruggie poderia aumentar potencialmente o alcance da responsabilidade de respeitar, incluindo omissões dessa maneira. No entanto, embora possamos reconhecer a culpabilidade moral em tais casos, a maioria dos países não impõe responsabilidade legal a alguém por prejudicar outras pessoas quando esse alguém não está sob obrigação especial de cuidar delas e se omitiu de dar-lhes o que precisavam; ver Feinberg (FEINBERG, 1984, p.126-186). Além disso, ampliar a responsabilidade de respeitar para incluir omissões seria simplesmente reproduzir todas as questões relativas ao alcance dos deveres a cumprir no âmbito da responsabilidade de respeitar. Seria também essencial esmaecer a diferença no direito dos direitos humanos entre as obrigações de respeitar, proteger e cumprir. Como argumentei acima, o impulso do trabalho Ruggie sugere que ele não prevê uma ampliação da responsabilidade de respeitar, nem a considera desejável. Porém, se isso não for feito, então o marco da responsabilidade de respeitar não pode incluir uma obrigação das empresas de garantir que os medicamentos capazes de salvar vidas sejam acessíveis a pessoas sem recursos. Pois, nesses casos, não se trata de que as empresas devam abster-se de causar ativamente danos às pessoas que estão doentes, mas sim de que elas devem fazer ativamente o que está dentro do seu poder para promover o direito delas à vida e à saúde.

56. Essas recompensas financeiras decorreriam normalmente das patentes registradas dos novos medicamentos, permitindo que a empresa tenha o monopólio por um determinado período sobre a produção do remédio e pratique preços mais elevados; ver Ferreira (FERREIRA, 2002, p.1138). O problema, no entanto, é que os incentivos financeiros produzidos pelo funcionamento do mercado podem ser do tipo errado ou insuficientes para cobrir toda a gama de doenças humanas. Assim, as empresas podem investir grandes quantias em medicamentos para doenças de ricos, nos quais acreditam que podem maximizar o lucro, em vez de inovar em uma área que possa ter o máximo de benefícios sociais; ver Resnik (RESNIK, 2001, p. 16).

57. A Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais utilizou um raciocínio semelhante ao abordar a questão da relação entre direitos de propriedade intelectual e os direitos fundamentais: “em última análise, a propriedade intelectual é um produto social e tem uma função social. A finalidade da proteção à propriedade intelectual é o bem-estar humano, ao qual os instrumentos internacionais de direitos humanos dão expressão legal” (NAÇÕES UNIDAS, 2001).

58. Isso se aplicaria particularmente no caso de um sistema forte de direitos de propriedade intelectual, embora, mesmo que tais direitos não existissem, talvez ainda fosse necessário impor algumas obrigações positivas a um inventor de medicamento para que divulgasse sua composição a fim de que ele pudesse ser produzido por outros.

59. Essa formulação foi essencialmente aceita em uma declaração emitida pelo Conselho Ministerial da OMC, em Doha, em 2001, quando afirmaram que o Acordo TRIPS “pode e deve ser interpretado e implementado de modo a apoiar o direito dos membros da OMC à saúde pública e, em particular, promover o acesso a medicamentos para todos”; ver Declaração sobre o Acordo TRIPS (OMC, 2001).

60. Ferreira (FERREIRA, 2002, p. 1177) argumenta que existe uma obrigação de soft law das corporações de não “dificultar os esforços dos países em desenvolvimento para promover e cumprir os direitos humanos em relação a saúde, vida, assistência médica, desenvolvimento e distribuição equitativa dos benefícios do progresso científico”. Uma vez que isso implica que os laboratórios farmacêuticos não interfiram nas políticas dos países em que atuam e não contestem as medidas que limitam as suas patentes a fim de tornar o medicamento mais acessível, isso acarretará efetivamente o dever das empresas de, pelo menos, permitir que os preços dos medicamentos sejam reduzidos a um nível que os torne acessíveis. Ela diz explicitamente na página1176 que “os laboratórios farmacêuticos também podem violar a sua obrigação de respeitar e cooperar com as políticas públicas para promover o direito ao tratamento médico quando cobram preços tão altos que apenas um décimo de um por cento dos doentes do mundo com HIV/Aids pode comprar seus medicamentos”. Resnik (RESNIK, 2001, p. 20) também fornece argumentos para a sua conclusão de que, em geral, “os laboratórios farmacêuticos têm a responsabilidade moral de desenvolver medicamentos que beneficiem a sociedade e torná-los disponíveis às populações participantes a um preço razoável”.

61. Evidentemente, este não é o único exemplo que pode ser dado: os hospitais privados nos países em desenvolvimento podem ter obrigações positivas de ajudar na prestação de cuidados médicos onde eles têm leitos disponíveis; as firmas de advocacia podem ter o dever de ajudar na realização do direito de ter representação legal adequada e assim por diante.

62. Para uma discussão mais aprofundada deste caso e suas ramificações, ver Ferreira (FERREIRA, 2002, p. 1148-1158). Entre as medidas que legislação permitiria que o governo da África do Sul adotasse estavam o licenciamento compulsório (o governo concede uma licença a terceiros para fabricar versões genéricas de medicamentos sob patente sem autorização do detentor da patente) e a importação paralela (pela qual o governo importa medicamentos patenteados de outros países onde esses mesmos medicamentos patenteados são mais baratos).

63. Sleap (SLEAP, 2004, p. 166) afirma que “tão importante quanto as implicações jurídicas da vitória sul-africana é o fato de que ela mostrou que a opinião pública não estava disposta a aceitar que esses medicamentos capazes de salvar vidas ficassem fora do alcance dos que mais precisam deles, a fim de assegurar que os laboratórios mantenham suas margens de lucro”. O efeito da ação do governo teria sido o de forçar o laboratório a reduzir os preços.

64. É possível depreender que isso resultou da pressão pública a partir de comentários como os do J. P. Garnier, executivo-chefe do GlaxoSmithKline (um dos litigantes) que, quando perguntado sobre o caso, disse: “Nós não existimos num vácuo. Somos uma empresa muito importante. Não somos insensíveis à opinião pública. Este é um fator na nossa tomada de decisão”. Citado em Swarns (SWARNS, 2001).

65. Os críticos da indústria afirmam que ela infla seus custos de pesquisa e desenvolvimento e que isso acontece muitas vezes por intermédio de instituições financiadas com dinheiro público; ver Cohen e Illingworth (COHEN; ILLINGWORTH, 2003, p. 46).

66. Ver Murphy e Nagel (MURPHY; NAGEL, 2002, p. 135-139) para uma breve discussão da literatura econômica sobre a fixação de alíquotas de imposto ótimas e sua relação com a justiça social.

67. Cohen e Illingworth (COHEN; ILLINGWORTH, 2003, p. 46) afirmam que “muitos dos medicamentos em que a indústria gasta dinheiro pouco têm a ver com salvar vidas e muito com a melhoria da qualidade de vida”.

68. Com efeito, parece que existem atualmente esses incentivos para que as empresas concentrem suas energias em medicamentos para o mundo desenvolvido; ver De Feyter (DE FEYTER, 2005, p. 178).

69. Resnik (2001, RESNIK, p. 26) distingue entre “lucros moralmente razoáveis” (o lucro que uma empresa deveria ter autorização para realizar) e “lucros economicamente razoáveis” (o lucro que uma empresa pode realizar).

70. De fato, em sua defesa Ruggie poderia dizer que mesmo os tribunais que são frequentemente vistos como os fóruns mais importantes para decisões baseadas em princípios, às vezes agem pragmaticamente; ver, por exemplo, a análise recente do histórico do Tribunal Constitucional Sul Africano em Roux (ROUX, 2009).

71. Donnelly (DONNELLY, 1989, p. 205-228) em sua análise do desenvolvimento de regimes internacionais de direitos humanos, reconhece o papel da política e do poder nesse processo. Kennedy (KENNEDY, 2006, p. 132) defende, no contexto do direito humanitário internacional, que os humansitários sejam “pragmático”: “apesar do trabalho de um século de renovação pragmática, o humanitarismo ainda quer ficar fora do poder, mesmo que o preço seja de ineficácia”. Há quem argumente que o reconhecimento de fatores pragmáticos relacionados ao nosso mundo globalizado põe em questão a utilidade do direito internacional como meio de garantir a realização dos direitos fundamentais; ver Evans (EVANS, 2001, p. 55).

72. Como George (GEORGE, 1999, p. 29) afirma, “não se pode esperar que os principais beneficiários do sistema ajam contra seus interesses imediatos ou, nas circunstâncias atuais, forçá-los a agir contra os princípios do lucro e vantagem própria em que se fundam o mercado livre e seu sucesso. Imaginar que esses beneficiários possam, em grande número ou até mesmo em quantidade significativa, reconhecer a tempo a necessidade de regulamentação externa é negar todas as leis conhecidas do comportamento humano. Esta contradição deve ser ressaltada e encarada”.

73. Este não é um problema levantado apenas na esfera das empresas, mas também aparece em relação aos Estados que assumem mais responsabilidades de direitos humanos. Como Evans (EVANS, 2001, p. 53) aponta, os tratados são muitas vezes redigidos de acordo “com o princípio do “menor denominador comum”, que atrai o maior número possível de ratificações, mas evita obrigações árduas que possam restringir a ação futura”.

74. Na verdade, a persistência a este respeito levou recentemente a aprovação de uma declaração pioneira pela Assembléia Geral da ONU que condena as violações dos direitos humanos baseadas na orientação sexual e identidade de gênero; ver Associação Internacional de Lésbicas e Gays (2008).

75. Com efeito, Ruggie pode apontar para o fato de que até mesmo suas propostas mínimas sofreram alguma oposição por parte da comunidade empresarial.

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REFERÊNCIAS

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David Bilchitz

David Bilchitz é Professor Associado na Universidade de Johannesburgo e Diretor do Instituto Sul-Africano de Estudos Avançados de Direito Internacional, Direito Constitucional, Direito Público e Direitos Humanos. Ele é bacharel em Direito pela Universidade do witwatersrand e PhD pela Universidade de Cambridge. Seu livro Poverty and Fundamental Rights foi publicado pela Oxford University Press em 2007; é autor de muitas publicações em outros campos relacionados aos direitos fundamentais, entre eles, responsabilidade de empresas na proteção de direitos humanos.

Email: davidb@saifac.org.za

Original em inglês. Traduzido por Pedro Maia.

Recebido em Abril de 2010. Aprovado em Maio de 2010.